Continuação dos comentários ao Evangelho – XVII Domingo do Tempo Comum – Ano A – Mt 13, 44-52
II – A Parábola do tesouro escondido
“O Reino dos Céus é semelhante a um tesouro escondido num
campo que, quando um homem o acha, esconde-o e, cheio de alegria pelo achado,
vai e vende tudo o que tem e compra aquele campo.”
Os detalhes
secundários são omitidos pelo Evangelista. Terão, ou não, sido tratados pelo
Divino Mestre? Não temos como o saber. Contudo, pode-se imaginar o quanto a
exposição de Jesus deve ter sido atraentíssima, pelo fato dEle discorrer sobre
os temas através de Sua humanidade e, pari
passu, ir iluminando, bem dispondo e auxiliando, pela graça e por Seu poder
divino, o fundo da alma de cada um ali presente.
Mateus tem um
objetivo concreto em mente. Por isso sintetiza a parábola nos seus elementos
essenciais, deixando de lado, por exemplo, a indicação de como foi descoberto o
tal tesouro. Conhecemos nós episódios havidos na História, a propósito de
descobertas deslumbrantes nessa linha. Por isso, fica ao encargo de nossa
imaginação ambientá-la, completando os pormenores.
O homem esconde
novamente o tesouro. De uma perspectiva moral, procede bem, não se apropriando
das riquezas encontradas. E, ao mesmo tempo, mostra-se prudente não deixando à
vista aquelas preciosidades, para evitar as tentações que alguém pudesse ter ao
deparar-se com elas. “Não é necessário adequar este dado [o fato de esconder o
tesouro] ao significado da parábola, porque, segundo minha teoria, não é parte
dela, senão ornato”.7 Maldonado discorre sobre este ponto em particular com
muito e sábio critério, glosando considerações feitas por São Jerônimo e São
Beda.
Parece-nos curioso
que os autores concentrem seus comentários sobre o homem que encontra o
tesouro, mas sejam displicentes em considerar o terreno onde estava ele
escondido. Seja-nos permitido fazer uma aplicação a esse propósito.
Olhando para os
primeiros tempos da Igreja, vemos quanto custou aos judeus e pagãos convertidos
“comprar o terreno” no qual se escondia o tesouro da Salvação. A renúncia
exigida era total: família, bens, reputação e até a própria vida. Quão bem
procederam, entretanto, os que então abraçaram a Fé Católica!
A humanidade atual,
qual dos dois papéis representa: o do homem que deseja comprar, ou o do que
quer vender? Infelizmente, a quase totalidade dos fatos nos inclina à segunda
hipótese. Muitos de nós, hoje em dia, caímos na insensatez de não mais nos
importarmos com esse tesouro de nossa Fé, que tanto custou aos nossos antepassados,
e pelo qual o Salvador derramou todo o Seu Preciosíssimo Sangue no Calvário.
Por quão miserável preço vendemos, alguns de nós, esse tão elevado tesouro, tal
como fez Esaú com sua primogenitura, ao trocá-la por um mísero prato de
lentilhas! Hoje, mais do que nunca, multiplicam-se as “lentilhas” da
sensualidade, da corrupção, do prazer ilícito, da ambição, etc.
Aqui também poderia
estar incluída a figura do religioso que se deixa arrastar pelos afazeres
concretos e vai se olvidando do “tesouro” pelo qual tudo abandonou em seu
primitivo fervor.
Essa plenitude de
alegria do homem da parábola deve nos acompanhar a vida inteira, sem
interrupção, por ser um dos efeitos da verdadeira Fé. A virtude é um dom
gratuito; não se compra. Entretanto, sua posse contínua e crescente custa
esforços de ascese, piedade e fervor. É preciso “vendermos” todas as nossas
paixões, caprichos, manias, vícios, sentimentalismos, etc., em síntese, toda a
nossa maldade. É o melhor “negócio” que se possa fazer nesta Terra.
III – A Parábola da Pérola Preciosa
“O Reino dos Céus é também semelhante a um negociante que
busca pérolas preciosas, e tendo encontrado uma de grande preço, vai, vende
tudo o que tem e a compra.”
“O Reino dos Céus é
semelhante não ao mercador, mas sim à pérola; como na presente parábola ele não
é semelhante ao homem que acha o tesouro, mas ao próprio tesouro em questão”.8 Na
Antiguidade, as pérolas eram consideradas de um valor inestimável. Por essa
razão, quem encontrasse à venda alguma de excelente categoria, estaria disposto
a desfazer-se de todos os seus bens para comprá-la.9 O texto nos fala de “um
negociante que busca pérolas preciosas”. Ele, ao adquirir uma de altíssima
qualidade, não pensa em vendê-la — pelo menos nada consta a esse respeito na
letra do Evangelho.
Sobre detalhes
secundários, debatem entre si diversos autores. O importante é reter a idéia de
que a presente parábola “tem o mesmo significado que a precedente, variando
apenas na matéria” 10, ou seja, trata-se de, se necessário for, deixar tudo o
que se possui com vistas a adquirir esse “tesouro”, ou “pérola”, que nada mais
é do que o próprio Reino dos Céus.
A esse respeito
pondera São João Crisóstomo: “A pregação do Evangelho é não só uma fonte de
múltiplas riquezas, como o é um tesouro, mas é também preciosa como uma
pérola”. E mais adiante, completando seu pensamento, afirma: “A verdade é una,
não pode ser dividida em várias partes; por isso se fala numa só pérola
encontrada. E assim como quem possui uma pérola de grande preço conhece bem sua
riqueza — enquanto todos os outros a ignoram, porque essa pérola é tão pequena
que cabe numa mão — da mesma forma, na pregação do Evangelho, aqueles que têm a
felicidade de recebê-la sabem quais riquezas espirituais adquiriram, riquezas
completamente ignoradas daqueles que não conhecem o valor desse tesouro”.11
De fato, quantos
pensadores pagãos acabaram por aderir à verdade do Cristianismo, naqueles
primeiros tempos, ao se sentirem atraídos por sua doutrina, chegando alguns deles
a entregar sua vida por amor a ela? Eram “bons negociantes de pérolas”.
Pelo contrário,
numerosos chegam a ser hoje os que abandonam a “pérola” da verdade e preferem
rolar no precipício do erro, do equívoco e da confusão. Lançam-se, sem receio,
nas águas turvas da indiferença e da tibieza a propósito de sua salvação
eterna, do Reino e do próprio Deus. Para esses, o senso do ser vai se tornando
cada vez mais embotado, a ponto de quase não mais distinguirem entre bem e mal,
belo e feio, verdade e erro.
E quantos há que,
conhecendo a verdade, a ela não se entregam, por pura falta de generosidade?
Não “vendem tudo o que possuem...” E quais são os que, no mundo atual, estão
dispostos a tudo sacrificar para manter o estado de Graça?
Enfim,essas duas
parábolas completam-se harmoniosamente. Uma se refere ao pulchrum do Reino (a da pérola); a outra busca inculcarnos a idéia
da vantagem, utilidade e prêmio (a do tesouro). Nesta última se reflete a
gratuidade do Reino (“encontra”); na anterior, o esforço (“procura”). Em ambas
torna-se patente quanto deve desapegar-se dos bens deste mundo todo aquele que
deseja adquirir o Reino dos Céus.
Continua no próximo post
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