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domingo, 25 de janeiro de 2015

Evangelho – IV Domingo do Tempo Comum – Ano B – Mc 1, 21-28

Comentário ao Evangelho – IV Domingo do Tempo Comum  Mc 1, 21-28
21 “Na cidade de Cafarnaum, num dia de sábado, Jesus entrou na sinagoga e começou a ensinar. 22 Todos ficavam admirados com o seu ensinamento, pois ensinava como quem tem autoridade, não como os mestres da Lei. 23 Estava então na sinagoga um homem possuído por um espírito mau. Ele gritou: 24 ‘Que queres de nós, Jesus Nazareno? Vieste para nos destruir? Eu sei quem tu és: tu és o Santo de Deus’. 25 Jesus o intimou: ‘Cala-te e sai dele!’. 26 Então o espírito mau sacudiu o homem com violência, deu um grande grito e saiu. 27 E todos ficaram muito espantados e perguntavam uns aos outros: ‘O que é isto? Um ensinamento novo dado com autoridade: Ele manda até nos espíritos maus, e eles obedecem!’. 28 E a fama de Jesus logo se espalhou por toda a parte, em toda a região da Galileia” (Mc 1, 21-28).
Duas bandeiras... uma só escolha!
Para ganharmos a batalha da nossa vida espiritual devemos procurar atingir uma união plena e perfeita com o Supremo Capitão, servindo-nos para isso de todos os elementos que Ele põe ao nosso alcance.
Mons. João Scognamiglio Clá Dias, Ep
I – A batalha da nossa vida espiritual
Uma das mais cogentes meditações propostas por Santo Inácio nos seus famosos Exercícios Espirituais é a das “Duas Bandeiras”. Nela, o fundador da Companhia de Jesus nos apresenta a vida espiritual como um campo de batalha onde se defrontam dois exércitos: o de Nosso Senhor Jesus Cristo, supremo Capitão e Senhor, e o de satanás, mortal inimigo da natureza humana.
Diante desses comandantes antagônicos, com traços muito bem definidos, torna-se impossível assumir uma postura de neutralidade. “Cristo chama e quer todos os homens sob a sua bandeira; e Lúcifer, ao contrário, debaixo da dele”.1 Não há uma terceira opção; é preciso fazer uma escolha.
O peculiar governo do demônio
Quais são as características do chefe dos maus? No Evangelho de São João, Nosso Senhor o qualifica como “mentiroso e pai da mentira”. “Ele é homicida desde o princípio e não se manteve na verdade, porque a verdade não estava com ele. Quando fala da mentira, fala daquilo que lhe é próprio, porque ele é mentiroso e pai da mentira” (Jo 8, 44).

Incapaz de agir diretamente sobre a inteligência e a vontade do homem, o demônio procura governar as almas através de um influxo externo que visa obscurecer-lhes progressivamente o raciocínio até obnubilar nelas o discernimento entre o bem e o mal. Por meio de recursos psicológicos, que utiliza com maestria, busca encher seus corações de desejos que os levem a pecar cada vez mais. A cada falta cometida, a vontade do pecador se debilita, sua inteligência perde a lucidez e ele torna-se mais vulnerável ao seu feitor.
Ora, esse arrogante caudilho não tem nenhum poder de penetrar na alma, nem sequer na de um possesso, pois, neste caso, seu domínio diz respeito apenas ao corpo. Sua ação é análoga à do assaltante que, ao roubar um carro, assume a direção deste, empurrando o dono para o banco do passageiro: tem o controle do veículo, mas não da inteligência ou da vontade do proprietário.
Cristo vive nas almas em estado de graça
No extremo oposto do campo de batalha está Nosso Senhor. Ao contrário do “pai da mentira” que almeja escravizar as criaturas racionais por toda a eternidade no inferno, Cristo deseja nossa salvação.
Como o chefe dos maus, o Supremo Comandante dos bons serve-Se muitas vezes de influxos externos para conduzir os que Lhe pertencem. Mas, ao invés do demônio, Ele pode agir no interior das almas através de uma graça eficaz, diante da qual a vontade e a inteligência se submetem sem opor qualquer obstáculo.2 Porque “como a argila está nas mãos do oleiro, para que a molde e dela disponha a seu bel prazer, assim o ser humano está nas mãos de Quem o fez” (Eclo 33, 13-14).
A presença do demônio é sempre exterior à alma. E ainda que, em caso de possessão, a vida consciente desta se encontre suspensa, ele jamais poderá invadi-la, porque “só Deus tem o privilégio de penetrar na própria essência da alma, por sua virtude criadora, e ali estabelecer sua morada”.3 Santificada pela graça, a alma é inabitada pela Santíssima Trindade, que nela infunde sua própria vida através do Verbo Encarnado. Por isso São Paulo afirma, com toda propriedade: “Eu vivo, mas já não sou eu; é Cristo que vive em mim. A minha vida presente, na carne, eu a vivo na fé no Filho de Deus, que me amou e Se entregou por mim” (Gal 2, 20).
Luta infinitamente desigual
Analisada sob esse prisma, a luta descrita por Santo Inácio apresenta-se infinitamente desigual: o caudilho dos maus só obtém poder sobre a inteligência e a vontade das criaturas à medida que elas lhe abram as portas da alma; Nosso Senhor, pelo contrário, produz “tanto o querer como o fazer, conforme o seu agrado” (Fl 2, 13). Com efeito, Cristo pode atuar em nosso interior “de modo tão eficaz que produz infalivelmente o desígnio de Deus sem, entretanto, comprometer a liberdade da alma que adere à graça e a secunda de forma libérrima e ao mesmo tempo infalível”.4 Foi o que aconteceu com São Paulo a caminho de Damasco (cf. At 9, 1-6): uma graça criada por Deus, por iniciativa d’Ele, converteu-o de modo imediato.
Portanto, para ganharmos a batalha da nossa vida espiritual, devemos procurar atingir uma união plena e perfeita com o Supremo Capitão, servindo-nos de todos os elementos que Ele põe ao nosso alcance para isso. Pois somente através da participação na própria vida divina poderemos vencer definitivamente os ardilosos embates do “pai da mentira”.
II – A doutrina viva do divino mestre
No episódio recolhido pela liturgia deste 4º Domingo do Tempo Comum vamos contemplar um encontro entre essas duas bandeiras na sinagoga de Cafarnaum. De um lado vemos o Divino Mestre pregando a Boa Nova pela primeira vez; de outro o “espírito mau”, instalado no corpo de um dos presentes.
O encargo de interpretar e adaptar a Lei
21 “Na cidade de Cafarnaum, num dia de sábado, Jesus entrou na sinagoga e começou a ensinar”.
Segundo a praxe do culto judaico, sendo “dia de sábado”, Nosso Senhor e seus primeiros discípulos deviam comparecer à sinagoga para ouvir as Escrituras. Entretanto, o Evangelho deixa claro não ter ido Jesus apenas para escutar, mas principalmente para ensinar.
Pregar na sinagoga não era uma função que cabia a qualquer um. Era preciso ter sido formado em alguma das escolas rabínicas, e ter dado provas de capacidade para interpretar a Lei e os Profetas segundo os princípios por ela estabelecidos. Os doutores das sinagogas transmitiam aquilo que eles mesmos aprenderam de mestres conceituados como Shamai ou Hilel, evitando critérios próprios que poderiam ocasionar o surgimento das mais variadas doutrinas.
Nos tempos do Deuteronômio, correspondia aos sacerdotes ensinar e explicar a Lei, e assim se estendeu o costume durante muitos séculos. Contudo, após o exílio na Babilônia, constitui-se uma nova categoria de homens dedicados a essa tarefa: os escribas. O primeiro a receber esse nome no sentido de “mestre da Lei” foi Esdras, de estirpe sacerdotal (cf. Es 7, 1-6), mas muitos outros receberam o mesmo título, sem pertencer à linhagem de Aarão.
Pregação dos mestres da Lei
Na época de Nosso Senhor, os escribas formavam uma classe à parte. Tendo por encargo transmitir e interpretar a Lei de geração em geração, foram aos poucos adaptando certas prescrições da Sagrada Escritura até o extremo de criar normas estranhas ao espírito dos preceitos mosaicos. Mas diante do povo eles apresentavam-se como os sábios, ou hakamim, e se protegiam de qualquer crítica inculcando a ideia de que subestimar as palavras dos chefes religiosos era um pecado tão grave como desprezar a palavra de Deus.5
A substância da sua pregação era a mesma do Divino Mestre, pois tinham por ministério transmitir e interpretar a Sagrada Escritura, cujo autor último é Ele próprio. Mas, deixando-se levar por suas más inclinações, haviam distorcido a doutrina revelada segundo suas próprias conveniências, como explicam os professores Robert e Tricot: “Graças a uma sutil casuística, eles acomodavam certas prescrições da Lei à necessidade dos tempos ou à fraqueza dos homens; outras vezes ainda, valendo-se de engenhosos artifícios ou de artimanhas exegéticas, criavam obrigações alheias à letra e ao espírito da Lei”.6

No decorrer dos tempos, os erros se solidificaram. A decadência dos escribas era tal que eles procuravam ocultar ao povo a verdadeira doutrina, para não serem desmascaradas as deturpações feitas ao capricho de seus vícios. Em consequência, sua pregação estava destituída de autoridade, porque a palavra de quem não vive o que ensina carece de qualquer força.
Continua no próximo

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