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terça-feira, 27 de janeiro de 2015

Evangelho – IV Domingo do Tempo Comum – Ano B – Mc 1, 21-28

Continuação dos comentários ao Evangelho – IV Domingo do Tempo Comum  Mc 1, 21-28

Jesus ensinava “como quem tem autoridade”
22 “Todos ficavam admirados com o seu ensinamento, pois ensinava como quem tem autoridade, não como os mestres da Lei”.
Ao começar sua pregação, Jesus não Se apresentou como discípulo de nenhum rabino. Diante dos seus ouvintes aparecia como “o filho do carpinteiro” (Mt 13, 55). Entretanto, demonstrava conhecer as Letras Sagradas como ninguém e ensinava ex auctoritate propria uma doutrina nova. Diante dos desvios que imperavam na sociedade do tempo, alçava o estandarte da Verdade, cuja substância é Ele próprio, sabendo perfeitamente o que era necessário dizer ou fazer para atrair e elevar aquele povo. Estava ainda no início da vida pública, mas sua presença e sua palavra já contradiziam todos os padrões errados da época.
Sendo o Criador de todas as coisas, explica São Jerônimo, não atuava como mestre, mas sim como o Senhor. “Não falava apoiando-se numa autoridade superior, mas com a autoridade que Lhe era própria. Agia assim porque sua própria essência dizia o que antes havia afirmado por meio dos profetas. ‘Eu, que por meio deles falava, eis que estou aqui presente’”.7
Descabida seria a indagação sobre onde teria estudado a Sabedoria Eterna e Encarnada. Sendo a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, possuía desde toda a eternidade a ciência divina. Conhecia absolutamente tudo: tanto o universo dos seres criados — passados, presentes e futuros — como o mundo infinito das criaturas possíveis.
Além do mais, tendo sua alma sido criada na visão beatífica, beneficiava-se do conhecimento próprio aos Anjos e às almas bem-aventuradas, que contemplam a Deus face a face. À ciência beatífica unia-se em Jesus a ciência infusa, privilégio concedido aos Anjos ao serem criados, a todas as almas que já abandonaram esta Terra, e, por um dom especial, a alguns eleitos ainda em vida, aos quais o Filho do Homem não podia ser inferior. Ela lhe dava um conhecimento riquíssimo, superior ao de qualquer outro homem, de todas as coisas criadas, das verdades naturais e dos mistérios da graça.
Por último, Jesus possuía também a ciência natural, adquirida progressivamente pela ação do entendimento agente no decorrer de sua vida terrena. E isto sem jamais necessitar de um mestre, pois esse gênero de ciência apenas Lhe servia para conferir as noções adquiridas através de seu intelecto natural com aquilo que, como Deus, conhecia desde toda a eternidade.8

A mais bela e perfeita criatura
O Divino Mestre, afirma um autor do passado século, não era “um filósofo à maneira grega, nem sequer um rabino ao estilo hebreu. Ele dirige-Se diretamente às almas visando, mais do que convencê-las, conquistá-las e introduzi-las na corrente profunda e transbordante de sua vida religiosa”.9
Por isso, além de seu ensinamento, a própria presença de Nosso Senhor despertava admiração. Sua fisionomia não podia ser mais perfeita. Cabelos, lábios, sobrancelhas e ouvidos eram de uma insuperável beleza. Seu olhar percorria os circunstantes de forma suave, tranquila, firme, penetrante e atraente, causando enlevo naqueles sobre os quais recaía. Uma voz magnífica, comunicativa, dotada de um timbre e uma inflexão inteiramente fora do comum acompanhava os movimentos das mãos, os quais, por sua vez, eram proporcionadíssimos, comedidos, perfeitos, sem exageros nem timidezes. E a postura dos ombros, o modo de sentar-Se ou de virar a cabeça, eram inimagináveis.
Procurando exprimir algo da formosura inefável de Jesus, Santo Agostinho proclama: “Ele é belo no Céu, belo na Terra; belo no seio materno, belo nos braços dos pais, belo nos milagres, belo sendo flagelado, belo convidando para a vida, belo quando não teme a morte; belo ao entregar a alma, belo quando a retoma; belo na Cruz, belo no sepulcro, belo no Céu. Ouvi este cântico com o entendimento, e a fraqueza da carne não afaste vossos olhos do esplendor daquela beleza”.10
III – Um embate entre Deus e o demônio
Não podia o “caudilho dos inimigos”11 ficar indiferente diante da pregação de Jesus. Sentiu-se, pelo contrário, muito incomodado com ela, porque a exposição da verdade sempre prejudica seus desígnios de levar os homens para o inferno. Aquele Mestre, cujo divino poder ainda não conhecia, havia pregado de forma magnífica a mais pura doutrina. Ao ouvi-Lo, os corações afastavam-se do pecado e as mentes se abriam ao sobrenatural.
Embora não tivesse sido diretamente intimado, o “pai da mentira” não conseguia conter sua indignação. Exprimi-la-á pelos lábios de um possesso, que vai interpelar grosseiramente o Redentor. Mais teria lucrado ficando em silêncio...

A tática ladina e cambiante do demônio
23 “Estava então na sinagoga um homem possuído por um espírito mau. Ele gritou: 24 ‘Que queres de nós, Jesus Nazareno? Vieste para nos destruir? Eu sei quem tu és: tu és o Santo de Deus’”.
Ser vulgar por excelência, o demônio não se aproximou de Nosso Senhor para falar-Lhe, mas gritou à distância, com a intenção de ser ouvido por todos e provocar confusão. Perito na exploração das misérias humanas, chama-O de Jesus Nazareno, lembrando assim provir Ele de uma cidadezinha “insignificante e desconhecida”.12
O Divino Mestre, porém, permaneceu impassível diante da provocação. Ele não tinha vaidade e menos ainda preconceitos sociais, nem sequer Se arrependeria de ter escolhido aquela cidade, em sua infinita Sabedoria, para nela morar com Maria e José.
Perante a ineficácia da primeira tentativa, o espírito mau mudou de tática, procurando criar dentro da sinagoga um clima de indisposição contra Nosso Senhor. Aquele homem possesso talvez fosse considerado pelos circunstantes apenas como um enfermo, que ao perguntar a Jesus “vieste para nos destruir?” apresentava-se como um infeliz, digno de compaixão, atribuindo a Nosso Senhor o caráter de um tirano, que vinha para maltratá-lo.
Vendo também frustrado esse seu intento de fazer-se objeto de comiseração, o “pai da mentira” achou melhor passar para o extremo oposto. Já que não conseguia desprestigiá-Lo, lançou sobre Jesus o mais ousado dos elogios, chamando-O de “Santo de Deus”. Esperava, por meio dessa nova manobra, nimbar Nosso Senhor com uma auréola de glória, que naquele momento não Lhe convinha, de modo a tentá-Lo de orgulho. Visava também, ao enaltecê-Lo, suscitar a inveja e o ódio contra Ele.
Nova invectiva e novo fracasso. Porque como comenta São João Crisóstomo, “a Verdade não queria o testemunho dos espíritos imundos”.13 Cristo nos ensina aqui, para todo o sempre, que jamais podemos acreditar nos demônios, “mesmo se anunciarem a verdade”.14
Continua no próximo post

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