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quarta-feira, 4 de março de 2015

Evangelho III Domingo da Quaresma – Jo 2, 13-25 – Ano B

Comentários ao Evangelho III Domingo da Quaresma – Ano B
A cena que o Evangelho do 3º domingo da Quaresma nos desvenda parece destoar dramaticamente das outras atitudes do Senhor. O que pensar disso?


Naquele tempo, 13 Estava próxima a Páscoa dos judeus e Jesus subiu a Jerusalém. 14No Templo, encontrou os vendedores de bois, ovelhas e pombas e os cambistas que estavam aí sentados.
15Fez então um chicote de cordas e expulsou todos do Templo, junto com as ovelhas e os bois; espalhou as moedas e derrubou as mesas dos cambistas. 16E disse aos que vendiam pombas: ‘Tirai isto daqui! Não façais da casa de meu Pai uma casa de comércio!’ 17Seus discípulos lembraram-se, mais tarde, que a Escritura diz:
‘O zelo por tua casa me consumirá’. 18Então os judeus perguntaram a Jesus: ‘Que sinal nos mostras para agir assim?’ 19Ele respondeu: ‘Destruí, este Templo, e em três dias o levantarei.’ 20Os judeus disseram: ‘Quarenta e seis anos foram precisos para a construção deste santuário e tu o levantarás em três dias?’ 21Mas Jesus estava falando do Templo do seu corpo. 22Quando Jesus ressuscitou, os discípulos lembraram-se do que ele tinha dito e acreditaram na Escritura e na palavra dele.
23Jesus estava em Jerusalém durante a festa da Páscoa. Vendo os sinais que realizava, muitos creram no seu nome. 24Mas Jesus não lhes dava crédito, pois ele conhecia a todos; 25e não precisava do testemunho de ninguém acerca do ser humano, porque ele conhecia o homem por dentro. (Jo 2, 13-25)
Um quadro desolador no Templo de Deus
“Estava próxima a Páscoa dos judeus e Jesus subiu a Jerusalém” (Jo 2, 13).
O episódio se passou no início da vida pública do Senhor, pouco depois de seu primeiro milagre em Caná da Galiléia.
Pela Lei, os israelitas de todas as nações eram obrigados a se dirigir ao Templo por ocasião da Páscoa, o que levava uma grande multidão a se concentrar na Cidade Santa. Para lá seguiu também o Divino Mestre, sempre cioso em dar o exemplo de perfeita obediência à Lei, embora a ela não estivesse submetido.
Deplorável situação do Templo
14 No Templo, encontrou os vendedores de bois, ovelhas e pombas e os cambistas que estavam aí sentados.
Ao chegar ao Templo, Jesus deparou-se com um quadro desolador. A atitude que vai tomar nessa circunstância Lhe dará o ensejo de deixar, para todos os séculos, uma admirável lição da virtude da justiça, permitindo-nos contemplar um aspecto raramente salientado – mas quão grandioso e adorável! – de sua divina personalidade.
Não constituiu uma surpresa para Ele o estado de desordem e profanação instalado na Casa de seu Pai. Havia muito que nela se praticavam abusos, e não era por falta de uma legislação clara. Na verdade, existiam proibições formais sobre o uso indevido do edifício sagrado, como, por exemplo, não poder-se atravessar o Templo para encurtar o caminho, usando-o como simples atalho.
As piores transgressões, porém, eram resultado do espírito de ganância. Recordemos as “justificativas” para a situação. Segundo as determinações mosaicas (Lv 5, 7; 15, 14-29; 17, 3; etc.), por ocasião da Páscoa, além dos sacrifícios votivos, os pobres deveriam ofertar uma pomba e os ricos, um boi ou uma ovelha. Ademais, todo judeu maior de 20 anos devia pagar anualmente meio siclo (Ne 10, 33-35; Mt 17, 23 e 24), na moeda em uso no Templo (Ex 30,13). Ora, a grande maioria dos peregrinos chegava de boa distância, sendo-lhes, portanto, muito incômodo transportar na viagem as oferendas, e por isso preferiam comprá-las em Jerusalém. Lucrando não pouco com esse comércio, os sacerdotes o permitiram, baseados em razões práticas.
Ocupando o pátio do Templo, aqueles variados rebanhos misturavam a cacofonia de seus mugidos e balidos às discussões, vozerio e gritaria dos comerciantes e fregueses. Eis, em síntese, a triste cena presenciada por Jesus ao entrar na Casa de Deus, convertida, assim, em um verdadeiro mercado oriental.
Divino açoite
“Fez ele um chicote de cordas” (Jo 2, 15).
O Homem-Deus — Aquele a cuja voz os mares e os ventos obedeceriam, pela qual a lepra, a cegueira, a surdez, a paralisia desapareceriam; Aquele que com o brado: “Lázaro, saia fora!”, ressuscitaria um morto de quatro dias; Aquele que veio nos trazer a Vida — põe-se a tecer um chicote de cordas.
Um simples ato de sua vontade onipotente seria suficiente para aniquilar todas aquelas criaturas: homens, animais e dinheiro. Por que desejou Ele empunhar um látego?
Encontramos uma bela explicação no grande Dionísio Aeropagita: “ Não é possível que o Raio divino nos ilumine se não está espiritualmente encoberto na variedade de sagrados véus e a providência paternal de Deus não o tenha acomodado à nossa forma natural e própria”. Como somos compostos de corpo e alma, não nos bastam as abstrações do raciocínio. Nossos sentidos corporais pedem figuras palpáveis, que nos auxiliem a compreender a verdade de modo profundo. Temos necessidade das asas dos símbolos para voar até Deus.
Um chicote saído das mãos de Jesus!
Na sua vida pública — recém-iniciada —, quantas vezes não dirá Ele aos pecadores arrependidos: “Vai, teus pecados estão perdoados!” Sua misericórdia constituirá um enorme escândalo para os fariseus.
Mas agora, aquelas divinas mãos sedentas de abençoar, curar, perdoar e salvar teceram um flagelo... para castigar os infratores da Lei.
Que extraordinária relíquia esse chicote! Se tivesse sido conservado pelos primeiros cristãos, certamente seria objeto de culto em alguma catedral até os dias de hoje.
Movido por um zelo ardente
“... expulsou todos do templo” (Jo 2, 15).
Na vastidão do Templo e entre o bulício daquela multidão, a violência empregada pelo Divino Mestre deve ter sido inédita. Que causas de profanação foram objeto de sua cólera? Em primeiro lugar, os fautores conscientes: os vendedores e os cambistas, como ainda os próprios compradores, segundo afirmam dois Evangelistas (S. Mateus e S. Marcos). Mas até mesmo ovelhas, bois, pombas, dinheiro e mesas foram alvo da divina indignação.
Comentando a cena, Orígenes vê no gesto de Jesus uma demonstração de seu poder, e diz tratar-se de um verdadeiro milagre, maior até do que o operado nas bodas de Caná, pois o ímpeto de um único homem foi suficiente para desbaratar milhares.
Bastaria a alguém contemplar esse heroísmo, para concluir não ser Jesus o simples filho de um carpinteiro – acrescenta Orígenes.
A ação de Jesus com o açoite em punho se inseria entre outras atitudes motivadas por seu zelo ardente pela santidade da Casa de Deus. Por um trecho de São Marcos, podemos ver a preocupação do Senhor em conservar, até nas minúcias, a sacralidade daquele lugar santo: “Não consentia que ninguém transportasse algum objeto pelo Templo” (Mc 11, 16). Este versículo é prova cabal de que a dramática expulsão dos vendilhões não foi uma atitude intempestiva. Reforçando esta idéia, o evangelista acrescenta: “[Jesus] ensinava-lhes nestes termos: ‘Não está porventura escrito: A minha casa chamar-se-á casa de oração para todas as nações’ (Is 56, 7)? Mas vós fizestes dela um covil de ladrões” (Mc 11, 17).
Quem ama, corrige e castiga
Não bastaria o mero ensinamento para inculcar nas mentes a maneira digna de se portar no Templo? Ainda mais se levarmos em consideração que o Mestre era o próprio Deus? Por que aplicar uma correção tão forte?
São perguntas que facilmente surgem devido ao definhamento, na sociedade atual, da noção de um prêmio e de um castigo por nossa conduta moral. Como lamentável conseqüência disso, vem se esvaecendo a compreensão dos benefícios da correção. Sim, lamentável, como se pode deduzir desta afirmação do livro dos Provérbios: “Perecerá por falta de correção e se desviará pelo excesso de sua loucura” (5, 23).
Quanto se prega hoje em dia contra a disciplina, a ponto de se deformar o verdadeiro conceito de liberdade! Uma concepção errada, baseada nas idéias de Rousseau — de que todo homem é bom, e por isso deve ser deixado entregue à sua natureza — penetrou em muitos ambientes, inculcando uma máxima que poderia ser expressa assim: “Todo homem é bom, a correção é que o torna mau.”
Entretanto, o ensinamento da Escritura não deixa margem a dúvida. Os autores sagrados discordam desse ponto de vista tão comum em nossos dias, como por exemplo, nesta passagem: “A loucura está ligada ao coração do menino, mas a vara da disciplina a afugentará” (Pv 22, 15). E mais adiante: “Não poupes ao menino a correção: se tu o castigares com a vara, ele não morrerá, castigando-o com a vara, salvarás sua vida da morada dos mortos” (Pv 29, 13-14). E ainda: “Aquele que poupa a vara quer mal ao seu filho, mas o que o ama, corrige-o continuamente” (Pv 13, 24).
Essas palavras talvez sejam duras para os ouvidos de hoje, todavia foram inspiradas pelo próprio Espírito Santo e devem ser recebidas com amor.
Mas, e a bondade?
A bondade do Homem-Deus é infinita, e portanto inesgotável. Mas Jesus não é exclusivamente Bondade. Ele é também Justiça. Apesar de serem extremos opostos, castigo e bondade constituem contrários harmônicos. Por esse motivo, numa educação sábia e virtuosa, assim como jamais podem faltar a bondade, o afeto, a misericórdia, também não pode ser desprezada a disciplina: “A vara e a correção dão sabedoria; o menino, porém, abandonado à sua vontade é a vergonha de sua mãe” (Pv 29, 15). Nesta matéria tão delicada, nota-se uma perfeita continuidade entre o ensinamento moral do Antigo e o do Novo Testamento.
A implacável atitude de Jesus no Templo lançou por terra não apenas as mesas dos cambistas, mas também quaisquer objeções contra o perfeito conúbio entre Justiça e Misericórdia. Aquele mesmo “Jesus de doce memória”, como canta a liturgia, ensina-nos neste terceiro domingo da Quaresmaa necessidade da correção, através da ilustração viva de um de seus princípios enunciados no Sermão da Montanha: Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados (Mt 5, 6). E no Apocalipse nos torna patente a aliança indissolúvel entre amor e repreensão: Eu, aos que amo, repreendo e castigo (Ap 3, 19).
Benéficos efeitos da correção
O Apóstolo, ele próprio objeto de uma repreensão e castigo do Senhor, após ter sido derrubado do cavalo e ter ouvido uma voz de timbre a um tempo ameaçador e bondoso, inquirindo-o por sua injusta perseguição, não tardou em exclamar: “Senhor, o que queres que eu faça?” Converteu-se no mesmo ato. Foi ele quem anos mais tarde escreveria aos hebreus estas belas palavras: “Estais esquecidos da palavra de animação que vos é dirigida como a filhos: Filho meu, não desprezes a correção do Senhor. Não desanimes, quando repreendido por ele; pois o Senhor corrige a quem ama e castiga todo aquele que reconhece por seu filho (Pr 3, 11s). Estais sendo provados para a vossa correção: é Deus que vos trata como filhos. Ora, qual é o filho a quem seu pai não corrige? Mas se permanecêsseis sem a correção que é comum a todos, seríeis bastardos e não filhos legítimos. Aliás, temos na terra nossos pais que nos corrigem e, no entanto, os olhamos com respeito. Com quanto mais razão nos havemos de submeter ao Pai de nossas almas, o qual nos dará a vida? Os primeiros nos educaram para pouco tempo, segundo a sua própria conveniência, ao passo que este o faz para nosso bem, para nos comunicar sua santidade. É verdade que toda correção parece, de momento, antes motivo de pesar que de alegria. Mais tarde, porém, granjeia aos que por ela se exercitaram o melhor fruto de justiça e de paz. Levantai, pois, vossas mãos fatigadas e vossos joelhos trêmulos (Is 35, 3). Dirigi os vossos passos pelo caminho certo. Os que claudicam tornem ao bom caminho e não se desviem” (Hb 12, 5-13).
Torna-se assim evidente quanto o castigo nos auxilia a crescer no temor a Deus, que é o princípio da Sabedoria (Sl 110, 10), faz-nos abençoados por Deus (Sl 113, 13), torna ouvidas nossas orações e assegura nossa salvação (Sl 144, 19).
“Lembraram-se então os seus discípulos do que está escrito: O zelo da tua casa me consome (Sl 68, 10)” (Jo 2, 17).
Este é um dos efeitos do castigo sobre os bons: produz uma admiração amorosa e faz desabrochar a estima pela Sabedoria.
Os maus detestam ser corrigidos
Mas fixemos agora nossa atenção na atitude dos maus.
“Perguntaram-lhe os judeus: Que sinal nos apresentas tu, para procederes deste modo?” (Jo 2, 18).
Por essa reação, percebe-se o quanto os príncipes dos sacerdotes e escribas se sentiram atingidos no castigo infringido por Jesus. Em nenhum momento vão discutir a liceidade em si da presença dos vendilhões no Templo, pois conheciam perfeitamente os preceitos e em que medida os transgrediam. Nem sequer acusam Jesus de ter usurpado os poderes deles. Usando de artimanha, pedem-Lhe um milagre como sinal de sua autoridade. Não os motivava o zelo pela Casa de Deus. Se assim o fosse, teriam elogiado Jesus pela nobre e eficaz ação contra os profanadores.
O homem mau não aceita a correção, porque não ama a lei de Deus. Ao contrário do homem sábio, que ama quem o repreende (Pv 9, 9), eles detestavam a correção, por não buscarem a Sabedoria; sentiam horror ao castigo, por não quererem emendar-se de suas faltas.
 “Respondeu-lhes Jesus: Destruí vós este templo, e eu o reerguerei em três dias” (Jo 2, 19).
 Jesus não põe em dúvida o direito de os sacerdotes exigirem uma prova de sua autoridade. Por ser a Sabedoria Eterna, aceitou o desafio, fazendo-lhes uma proposta enigmática. Eles, interpretando-a literalmente, como se Jesus estivesse se referindo ao edifício material, responderam ironicamente: “Em quarenta e seis anos foi edificado este templo, e tu hás de levantá-lo em três dias?!” Mas o evangelista acrescenta: Jesus se referia ao “templo de seu corpo”, santuário vivo da divindade, que Ele ressuscitaria três dias após a crucifixão no Calvário. Jesus costumava exprimir-se assim, de modo velado, quando se encontrava diante de um público hostil.
Os responsáveis pelo Templo não O acusaram de blasfêmia, nem sequer Lhe aplicaram alguma sanção. Tal era a força de presença do Filho do Homem que, apesar de ser impossível uma interpretação literal de suas palavras reerguer em três dias um edifício cuja construção demorou 46 anos! deixaram de inquiri-Lo sobre seu poder, resolvendo aguardar os acontecimentos.
Como reagiu Jerusalém em face de Jesus
“Enquanto Jesus celebrava em Jerusalém a festa da Páscoa, muitos creram no seu nome, à vista dos milagres que fazia” (Jo 2 ,23).
Esse trecho do Evangelho nos coloca em alerta contra um defeito muito perigoso. Nosso Senhor, enquanto a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, discerne o mais íntimo de suas criaturas desde toda a eternidade. Assim, sabe Ele avaliar tanto a devoção desinteressada de uma alma nobre quanto a sanha apropriativa daqueles que se entregam aos pendores do pecado original: “Mas Jesus mesmo não se fiava neles, porque os conhecia a todos. Ele não necessitava que alguém desse testemunho de nenhum homem, pois ele bem sabia o que havia no homem” (Jo 2, 24-25).
O Divino Mestre, penetrando naqueles corações, notava que apenas queriam d’Ele se servir. Sim, não é suficiente impressionar-nos com milagres e, por isso, crer no nome de Jesus. Nosso Redentor deseja de nós um amor feito de reciprocidade. “A fé sem as obras é morta”, diz São Tiago (2, 26). Diante do Homem-Deus é necessário deixar-se arrebatar de enlevo e veneração, entregar a alma sem obstáculos nem reservas, e pautar a própria vida por seus ensinamentos.
Duas lições podem ser tiradas do Evangelho narrado por São João. Ele nos exorta a extrair de nossos corações o pragmatismo, o egoísmo de querermos nos servir de Jesus, das graças e da Religião apenas para nosso proveito pessoal, crendo em seu nome, mas não mudando de vida e de costumes. É correto conservarmos nossa maneira de viver e nossos costumes, desde que não sejam ilícitos. Indispensável é, porém, ter a alma enlevada e submissa à Moral e Religião ensinadas por Nosso Senhor, adorando-O em todos os aspectos de suas virtudes. Entusiasmados por sua Misericórdia e também por sua Justiça, como Jesus mostrou no episódio dos vendilhões do Templo. Ele quer ser adorado por nós e adorado na sua totalidade.

Elejamos Maria — insuperável modelo desse amor a Jesus na sua integridade — como nossa mestra e guia da entrega sem limites que devemos fazer a Ele, adorando-O na harmonia de suas virtudes aparentemente contraditórias.

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