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terça-feira, 10 de março de 2015

Evangelho IV Domingo da Quaresma – Ano B – Jo 3, 14-21

Continuação dos comentários ao Evangelho IV Domingo da Quaresma – Ano B

Pré-figura da Crucifixão
Entretanto, está também figurada a Crucifixão, como ressaltam todos os comentaristas; por exemplo, Santo Agostinho:
“Que significa a serpente levantada? A morte do Senhor na cruz. A morte proveniente da serpente foi representada pela imagem da serpente. A mordedura mortal da serpente representa a morte vital do Senhor. Olha-se para a serpente a fim de que a serpente não mate. Que significa isso? Olha-se para a morte, para o Senhor morto, para que a morte não mate. Mas para a morte de quem? Para a morte da Vida, se assim se pode dizer. (...) Cristo não é a Vida? Todavia, foi suspenso na cruz. (...) Mas a morte foi morta na morte de Cristo, porque a Vida que foi morta matou a morte.
“Assim como os que olhavam para a serpente de bronze não morriam com as mordeduras das serpentes, assim os que olham com fé para a morte de Cristo são curados das mordeduras dos pecados. Mas aqueles eram livres da morte no tocante à vida temporal, enquanto estes têm a vida eterna. Aqui está a diferença entre a figura e a realidade. A figura dava a vida temporal, e a realidade dá a vida eterna” (4).
Jesus prepara as mentalidades para a aceitação do dogma
Resta dizer uma palavra sobre a expressão “o Filho do Homem”, que aparece 82 vezes ao longo dos Evangelhos, quase sempre saída dos adoráveis lábios de Jesus e, ademais, exclusivamente aplicada a Ele. O Antigo Testamento traz à tona essa mesma expressão, ora referindo-se a um simples homem, ora a um ser sobrenatural superior a um homem comum (5).
No Cristo nós encontramos a misteriosa união de duas naturezas— a divina e a humana — numa só Pessoa. Era indispensável ir preparando as mentalidades para a aceitação, com base na fé, desse altíssimo dogma. Hoje — depois de dois milênios, com toda a tradição e o grande desenvolvimento doutrinário da Teologia — temos mais facilidade para abraçar essa fundamental verdade revelada. Contrariamente, naqueles tempos, a cultura religiosa prognosticava uma figura messiânica muito diferente. O Messias deveria ser um grande condestável de nacionalidade judaica que daria ao seu povo a supremacia sobre todas as outras nações, libertando-o de qualquer ônus, submissão ou tributo. Sobretudo naquele momento em que os judeus estavam subjugados política e tributariamente ao Império Romano, o termo “Messias”, lançado ao ar, colocava em movimento uma dinâmica cadeia de sentimentos nacionalistas.

Sapiencial emprego da expressão “Filho do Homem”
Como então utilizar a linguagem humana para aproximar as inteligências da aceitação de um dos mais altos dogmas de nossa Fé? Dizer-se simplesmente “Filho de Deus” não resolveria o problema e até poderia conduzir o povo judeu, tradicionalmente crente em um só Deus, a uma enorme perplexidade: aceitar a existência de um Deus-Homem! Foi, aliás, o que mais tarde aconteceu: “Murmuravam então d’Ele os judeus, porque dissera: ‘Eu sou o pão que desceu do céu’. Diziam: ‘Porventura não é este aquele Jesus, filho de José, cujo pai e mãe nós conhecemos? Como, pois, diz Ele: Desci do céu?’” (Jo 6, 41-42).
Daí ser muito sapiencial o emprego da expressão “Filho do Homem”. Ela permitia ao ouvinte situar-se a qualquer altura de seu grau de fé. Se se tratasse de um puro naturalista, seu juízo sobre Jesus seria meramente humano, sem discernir sua divindade, e essa expressão o deixaria tranquilo. Se, pelo contrário, se tratasse de um grande místico, a natureza divina deixaria seus reflexos refulgirem sobre a humanidade de Jesus e, nesse caso, a expressão em questão seria tida como mais uma manifestação da humildade de Jesus. Essa é a constante encontrada em não poucas páginas da Hagiografia: vemos os santos fazendo uso de uma linguagem não inteiramente explícita ou categórica, a fim de evitar perplexidades em seus ouvintes, muitas vezes até em seus próprios discípulos.
Por aí se entende quanta delicadeza Jesus empregou nessa conversa com Nicodemos, ao fazer uso da figura da serpente levantada por Moisés no deserto, aproximando-a metaforicamente à do Filho do Homem, “a fim de que todo aquele que crê n’Ele tenha a vida eterna”. Pronto já estava aquele bom fariseu a aceitar a afirmação contida no versículo logo a seguir.
III – Deus nos deu Seu filho Unigênito para nos salvar
Jesus é paulatino no seu doutrinar. “Nemo summus fit repente”, diz um antigo provérbio latino: as grandes obras não se fazem repentinamente. Estava diante d’Ele um homem convicto de que só a Lei salva, e era preciso conduzi-lo a aceitar a verdadeira via da salvação: a fé em Jesus. Mais uma vez, transparece a delicadeza do Divino Mestre, preparando-o para o passo subsequente. Ele não fala de imediato em salvação, mas sim em “vida eterna”, tal como o fará mais tarde ao revelar o Sacramento da Eucaristia (6). E apesar disso, nessa outra ocasião, em face de verdade tão ousada, “muitos de seus discípulos (...) disseram: Dura é esta linguagem! Quem a pode ouvir?” (Jo 6, 60).
16 Pois Deus amou tanto o mundo, que deu o seu Filho unigênito, para que não morra todo o que nele crer, mas tenha a vida eterna.
 Belíssimo argumento para convencer um homem lógico e reto como Nicodemos. Já lhe havia revelado, Jesus, a existência de uma outra Pessoa em Deus, a do Espírito Santo (7). Agora, acentua o caráter sobrenatural e divino da Segunda, presente na expressão usada anteriormente, “o Filho do Homem”, referindo-se ao “filho Unigênito de Deus”.
Maldonado tece belas considerações sobre este versículo, começando por ressaltar a força da afirmação empregada por Jesus para referir-se ao grande amor de Deus pelos homens. Ao usar o termo “mundo”, o Divino Mestre dilata os limites da aplicação desse amor muito além das fronteiras do povo judeu, “com o qual pelo menos tinha uma como que obrigação por razão da aliança” (8).
De fato, esse amor de Deus por nós não poderia ser maior. Se Ele nos tivesse dado todos os Anjos somados ao universo inteiro, nada seria em comparação com o que na realidade nos entregou. O Pai bem sabia que, ao nos dar seu Filho Unigênito, oferecia-nos o Céu e a própria participação em sua vida divina (9), pois Jesus é um Herdeiro extremamente dadivoso. Maior manifestação de bondade é impossível! Atesta-o maravilhosamente São Paulo no primeiro capítulo de sua Epístola aos Hebreus.
Esse insuperável obséquio não é feito aos Anjos, mas à humanidade, aos filhos de pais prevaricadores (Adão e Eva), e eles mesmos também manchados de incontáveis culpas. Aos espíritos rebeldes, precipitou-os nas profundezas dos infernos depois do primeiro e único pecado. Que fator levou o Pai a usar de tanta misericórdia para conosco? Em lugar de merecidos castigos, deu-nos seu Filho Unigênito, sacrificando-O — para nos salvar — na ignominiosa morte de cruz.
Ademais, o Pai não no-Lo deu em parte, mas, muito pelo contrário, por inteiro e sem reserva. As graças de Jesus, seus méritos, seu corpo, sangue, alma e divindade, todo Ele inteiro é nosso. Ele é nosso Rei, nossa Cabeça, nosso modelo, nosso mestre, nossa causa.

Qual o objetivo de Deus ao nos dar esse infinito dom?
Continua no próximo post

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