Comentário
ao Evangelho – Solenidade de São Pedro e São Paulo
Naquele tempo, 13 Jesus foi à região de
Cesareia de Filipe e ali perguntou aos seus discípulos: “Quem dizem os homens
ser o Filho do Homem?”14 Eles responderam: “Alguns dizem que é João Batista;
outros que é Elias; outros ainda, que é Jeremias ou algum dos profetas”.15
Então Jesus lhes perguntou: “E vós, quem dizeis que eu sou?”16 Simão Pedro
respondeu: “Tu és o Messias, o Filho do Deus vivo”.17 Respondendo, Jesus lhe
disse: “Feliz és tu, Simão, filho de Jonas, porque não foi um ser humano que te
revelou isso, mas o meu Pai que está no céu. 18 Por isso eu te digo que tu és
Pedro, e sobre esta pedra construirei a minha Igreja, e o poder do inferno
nunca poderá vencê-la. 19 Eu te darei as chaves do Reino dos Céus: tudo o que
tu ligares na terra será ligado nos céus; tudo o que tu desligares na terra
será desligado nos céus”.
(Mt 16, 13-19).
A Pedra Inabalável
Um simples pescador da Betsaida proclama que o filho de um
carpinteiro é realmente o Filho de Deus, por natureza. Ali é plantado o grão de
mostarda, do qual nasceria a Santa Igreja Católica Apostólica e Romana.
Mons.
João Scognamiglio Clá Dias, EP
I – Considerações iniciais
Difícil
é encontrar alguém que nunca tenha comprovado a consonância da sonoridade
obtida através de cristais harmônicos. Basta um simples golpe, em um só deles,
para os outros ressoarem em concomitância. É, até, uma prova para se conhecer a
autenticidade destas ou daquelas taças.
Assim,
também, no campo das almas. Discernimos a que é entranhadamente católica e com
facilidade a diferenciamos da tíbia, atéia ou herética, quando fazemos “soar”
uma simples nota: o amor ao Papado, seja quem for o Papa. Tornam-se
encandescidas as almas fervorosas, indiferentes as tíbias, indispostas algumas,
etc.
Pois
esta é a matéria do Evangelho de hoje. A fim de nos prepararmos para contemplar
as perspectivas que ele nos manifesta, ocorreu-nos reproduzir as considerações
transcritas a seguir. Poderemos, assim, ter uma noção da qualidade do “cristal”
de nossa alma:
“Tudo
quanto na Igreja há de santidade, de autoridade, de virtude sobrenatural, tudo
isto, mas absolutamente tudo sem exceção, nem condição, nem restrição, está
subordinado, condicionado, dependente da união à Cátedra de São Pedro. As
instituições mais sagradas, as obras mais veneráveis, as tradições mais santas,
as pessoas mais conspícuas, tudo enfim que mais genuína e altamente possa
exprimir o Catolicismo e ornar a Igreja de Deus, tudo isto se torna nulo,
maldito, estéril, digno do fogo eterno e da ira de Deus, se separado do Romano
Pontífice. Conhecemos a parábola da videira e dos sarmentos. Nessa parábola, a
videira é Nosso Senhor, os sarmentos são os fiéis. Mas como Nosso Senhor Se
ligou de modo indissolúvel à Cátedra Romana, pode-se dizer com toda segurança
que a parábola seria verdadeira entendendo-se a videira como a Santa Sé, e os
sarmentos como as várias Dioceses, Paróquias, Ordens Religiosas, instituições
particulares, famílias, povos e pessoas que constituem a Igreja e a
Cristandade. Isto tudo só será verdadeiramente fecundo na medida em que estiver
em íntima, calorosa, incondicional união com a Cátedra de São Pedro.
“‘Incondicional’,
dissemos, e com razão. Em moral, não há condicionalismos legítimos. Tudo está
subordinado à grande e essencial condição de servir a Deus. Mas, uma vez que o
Santo Padre é infalível, a união a seu infalível magistério [só] pode ser
incondicional.
“Por
isto, é sinal de condição de vigor espiritual, uma extrema susceptibilidade,
uma vibratilidade delicadíssima e vivaz dos fiéis por tudo quanto diga respeito
à segurança, glória e tranqüilidade do Romano Pontífice. Depois do amor a Deus,
é este o mais alto dos amores que a Religião nos ensina. Um e outro amor se
confundem até. Quando Santa Joana d’Arc foi interrogada por seus perseguidores
que a queriam matar, e que para isto procuravam fazê-la cair em algum erro teológico
por meio de perguntas capciosas, ela respondeu: ‘Quanto a Cristo e à Igreja,
para mim são uma só coisa’. E nós podemos dizer: ‘Para nós, entre o Papa e
Jesus Cristo não há diferença’. Tudo o que diga respeito ao Papa diz respeito
direta, íntima, indissoluvelmente, a Jesus Cristo”1.
II – O Evangelho: “Tu es Petrus”
Pergunta de Jesus e circunstância em que foi feita
Naquele tempo, 13 Jesus foi à região de
Cesareia de Filipe e ali perguntou aos seus discípulos: “Quem dizem os homens
ser o Filho do Homem?”
A
cidade na qual se desenvolve o Evangelho de hoje havia sido construída pelo
tetrarca Filipe que, para angariar a simpatia do imperador César Augusto,
deu-lhe o nome de Cesaréia. Desconhece a História o exato percurso empreendido
pelo Senhor e pelos Apóstolos àquela altura dos acontecimentos; a hipótese mais
provável é a de que tenham atravessado a via de Damasco a Jerusalém, perto da
ponte das Filhas de Jacó. O território onde nasce o rio Jordão, compreendido
entre Julias e Cesaréia, é rochoso, solitário e acidentado. Foi nessa
localidade montanhosa e pétrea que Herodes, o Grande, erigiu um vistoso templo
de mármore branco em homenagem ao imperador César Augusto. Calcando as pedras
da região, e talvez à vista do tal templo sobre o alto das rochas, foi que se
estabeleceu o diálogo durante o qual se tornaram explícitas para os Apóstolos a
natureza divina de Jesus e a edificação da Santa Igreja.
Convém
não esquecermos o quanto a divina pedagogia de Jesus escolhia os acidentes da
natureza sensível para efeito didático, e assim poderem seus ouvintes ter
melhor compreensão das realidades invisíveis do universo da Fé. A esse
respeito, seriam inúmeros os casos a serem citados, mas basta-nos lembrar o
modo pelo qual Ele convocou os dois irmãos pescadores, Pedro e André: “Segui-me
e Eu farei de vós pescadores de homens” (Mt 4, 19). Não se trata, portanto, de
nos basearmos em razões meramente poéticas para supor que o desenrolar dessa
conversa verificou-se sobre as pedras; há por detrás, um elevado teor
simbólico. Ali estavam rochas que deviam perpetuar-se, e a contemplação dessas
criaturas minerais, fruto de sua onipotência, tornava mais bela a solene
profecia da edificação de sua indestrutível Igreja.
Alguns
autores ressaltam outro importante aspecto: o fato de Jesus ter escolhido uma
região pertencente à gentilidade para manifestar-Se como Filho de Deus e fundar
o primado de sua Igreja. Eles interpretam como sendo um prenúncio da rejeição
do reino messiânico, pelos judeus, e sua definitiva transferência para os gentios.
“Aconteceu
que estando a orar, em particular...” (Lc 9, 18). Conforme nos relata São
Lucas, toda a conversa narrada no Evangelho de hoje realizou-se depois de Jesus
ter-Se recolhido e deixado “perder-Se”, com suas faculdades humanas, nas
infinitudes de seu Pai eterno. Utilizou-Se desse meio infalível de ação, a
prece, para conferir raízes e seiva imortais à obra que lançaria.
Segundo
a Glosa, “querendo confirmar seus discípulos na Fé, o Salvador começa por
afastar de seus espíritos as opiniões e os erros que outros poderiam ter
infundido neles” 2; ou seja, convidando-os a terem clara consciência dos
equívocos da opinião pública a respeito da identidade dEle, fortificava-lhes as
convicções. É curioso o comentário de São João Crisóstomo sobre o caráter “sumamente
malicioso” 3 do juízo emitido pelos escribas e fariseus a respeito do Divino
Mestre, muito diferente daquele da opinião pública que, apesar de errôneo, não
era movido por nenhuma malícia.
Jesus
não pergunta o que pensam os outros a respeito dEle, mas sim do Filho do Homem, “a fim de sondar a
Fé dos Apóstolos e dar-lhes ocasião de dizer livremente o que sentiam, embora
Ele não ultrapassasse os limites daquilo que poderia lhes sugerir sua santa
Humanidade” 4. Por todos os conhecimentos que Lhe eram próprios, do divino ao
experimental, Jesus sabia quais eram as opiniões que circulavam com relação à
Sua figura, não necessitava, portanto, informar-Se; desejava, isto sim,
levá-los a proclamar a verdade em contestação aos equívocos da opinião pública.
O povo não considerava Jesus como
o Messias
Eles responderam: “Alguns dizem que é
João Batista; outros que é Elias; outros ainda, que é Jeremias ou algum dos
profetas”.
Os
Apóstolos tinham exata noção do juízo que os “homens” de então faziam a
propósito do Divino Mestre. Apesar de todas as evidências, dos milagres, da
doutrina nova dotada de potência, etc., o povo não O considerava como o Messias
tão esperado. Jesus surgia aos olhos de todos como a ressurreição ou o
reaparecimento de anteriores profetas. Não encontravam nEle a eficaz
magnificência do poder político, tão essencial para a realização do mirabolante
sonho messiânico que os inebriava. Daí imaginarem-No o Batista ressurrecto, ou
Elias, enquanto mais especificamente um precursor, ou até mesmo um Jeremias,
lídimo defensor da nação teocrática (cf. 2 Mac 2, 1-12). Vêse claramente neste
versículo como o espírito humano é inclinado ao erro e como facilmente se
distancia dos verdadeiros prismas da salvação. Mas, pelo menos, aqueles seus
contemporâneos ainda discerniam algo de grandioso em Jesus. Seria interessante
nos perguntarmos como Ele é visto pela humanidade globalizada, cientificista e
relativista de nossos dias.
Pedro O reconhece como Filho de
Deus
Então Jesus lhes perguntou: “E vós, quem
dizeis que eu sou?”
Bem
sublinha São João Crisóstomo a essência desta segunda pergunta 5. Sem refutar
os erros de apreciação dos outros, Jesus quer ouvir dos próprios lábios de seus
mais íntimos o juízo que dEle fazem. Para lhes tornar fácil a proclamação de
Sua divindade, não usa aqui o título humilde de Filho do Homem.
16 Simão Pedro respondeu: “Tu és o
Messias, o Filho do Deus vivo”.
Pedro
falava como intérprete da opinião de todos, por ser o mais fervoroso e o
principal 6, embora não fosse a primeira vez que Jesus era reconhecido como
Filho de Deus. Já Natanael (cf. Jo 1, 49), os Apóstolos após a tempestade no
mar de Tiberíades (cf. Mt 14, 33) e o próprio Pedro (cf. Jo 6, 69) haviam
externado essa convicção.
Sola fides! Aqui
não há elemento algum emocional ou sensível, como em circunstâncias anteriores.
Em meio às rochas frias de um ambiente ecológico, longe de acontecimentos
arrebatadores e da agitação das turbas ou das ondas, só a voz da Fé se faz
ouvir.
“Certíssimo
argumento é que Pedro chamou a Cristo de Filho de Deus por natureza, quando O
contrapôs a João, a Elias, a Jeremias e aos profetas, os quais foram — claro
está — filhos de Deus por adoção” 7. Ademais, como comenta o mesmo Maldonado,
Pedro dá a Deus o título de “vivo” para distingui-Lo dos deuses pagãos que são
substâncias mortas. E, por fim, o artigo — como sói acontecer na língua grega —
antecedendo o substantivo “filho”, designa “filho único” segundo a natureza, e
não um entre vários.
A ciência humana não tem força
para atingir a união hipostática
17 Respondendo, Jesus lhe disse: “Feliz
és tu, Simão, filho de Jonas, porque não foi um ser humano que te revelou isso,
mas o meu Pai que está no céu.
Ao
felicitar seu Apóstolo, Jesus avalia a afirmação de Pedro a respeito de sua
filiação e, portanto, de sua natureza divina e consubstancialidade com o Pai.
Sobre este particular são unânimes os comentaristas. Era um costume judaico
indicar a filiação da pessoa para ressaltar sua importância; neste caso
concreto havia a intenção de manifestar o quanto “Cristo é tão naturalmente o
Filho de Deus como Pedro é filho de Jonas, quer dizer, da mesma substância
daquele que o engendrou”8.
As
palavras de Pedro não são fruto de um raciocínio com base num simples
conhecimento experimental. Não haviam sido poucas as curas logo após as quais
os beneficiados conferiam com exclamações ao Salvador o título de “Filho de
Davi” (cf. Mt 15, 22; Mc 10, 47, etc.), conhecido como um dos indicativos do
Messias. Os próprios demônios, ao se encontrarem com Ele, proclamavam-No “o
Santo de Deus” (Lc 4, 34), “o Filho de Deus” (Lc 4, 41), “Filho do Altíssimo”
(Lc 8, 28; Mc 5, 7). Ele mesmo declarara ser “dono do sábado” (Mt 12, 8), e
após a multiplicação dos pães a multidão queria aclamá-Lo “Rei” (Jo 6, 15).
Assim como estas, muitas outras passagens poderiam facilmente nos indicar as
profundas impressões produzidas por Jesus sobre seus discípulos9. Porém, em
nenhuma ocasião anterior Pedro recebeu tal elogio saído dos lábios do Salvador.
Nesta passagem, ele “é feliz porque teve o mérito de elevar seu olhar além do
que é humano e, sem deter-se no que provinha da carne e do sangue, contemplou o
Filho de Deus por um efeito da revelação divina e foi julgado digno de ser o
primeiro a reconhecer a Divindade de Cristo”10.
Portanto,
a afirmação de Pedro se realizou com base num discernimento penetrante, luzidio
e abarcativo da natureza divina do Filho de Deus. A ciência, a genialidade ou
qualquer outro dom humano não têm força suficiente para atingir os páramos da união
hipostática realizada no Verbo Encarnado. É indispensável ser revelada pelo
próprio Deus e aceita pelo homem. Mas o homem sem Fé aferra-se às suas próprias
idéias, tradições e estudos, rejeitando, às vezes, as provas mais evidentes,
como o são os milagres. Para este, Jesus não passa — e quando muito — de um
sábio ou de um profeta. Haverá também aqueles que não O verão senão como “o
filho do carpinteiro” (Mt 13, 55).
Essa é
a nossa Fé ensinada pela Igreja, revelada pelo próprio Deus, anunciada pelo
Filho, o enviado do Pai, e confirmada pelo Espírito Santo, enviado pelo Pai e
pelo Filho. As verdades da Fé não são fruto de sistemas filosóficos, nem da
elaboração de grandes sábios.
Jesus edifica Sua Igreja sobre
Pedro
18 Por isso eu te digo que tu és Pedro, e
sobre esta pedra construirei a minha Igreja, e o poder do inferno nunca poderá
vencê-la.
Foi
indispensável e excelente ter afirmado Orígenes inspiradamente: “Nosso Senhor
não precisa se é contra a pedra sobre a qual Cristo construiu sua Igreja ou se
é contra a própria Igreja, construída sobre a pedra, que as portas do inferno
não prevalecerão. Mas é evidente que elas não prevalecerão nem contra a pedra
nem contra Igreja”11. Sim, porque para destruir essa pedra, ou seja, o Vigário
de Jesus Cristo na Terra, muitos esforços e diligências de um considerável
número de hereges têm sido empregados, na tentativa de abalar o sagrado
edifício da Igreja a partir de seu fundamento, o qual é a alegria, consolo e
triunfo dos verdadeiros católicos. Nesse “edificarei” se encontra o real
anúncio do Reino de Jesus. O grande e divino desígnio começa a se delinear
nesse nome, até então nunca usado: “minha Igreja”.
O plano
de Jesus é proclamado sobre as rochas de Cesaréia, pelo próprio Filho de Deus,
que Se apresenta como um divino arquiteto a erigir esse edifício indestrutível,
grandioso e santíssimo, a sociedade espiritual, constituída por homens:
militante na Terra, padecente no Purgatório, triunfante no Céu. O conjunto de
todos aqueles que se unem debaixo da mesma Fé, nesta Terra, chama-se Igreja.
Desta, o fundamento é Pedro e todos os seus sucessores, os romanos pontífices,
pois, caso contrário, não perduraria a existência do edifício. Eis um ponto
vital de nossa Fé: “o fato da Igreja estar edificada sobre o próprio Pedro” que
aliás — “é admitido por todos os autores antigos, excepto os hereges”12.
Um só corpo e um só espírito em
torno do Sucessor de Pedro
“Há na
Igreja muitas pessoas constituídas em autoridade, às quais devemos estar unidos
pela obediência. No entanto, toda essa variedade precisa reduzir-se a um
prelado primeiro e supremo, em quem principalmente se concentre o principado
universal sobre todos. Deve reduzir-se não só a Deus e a Cristo, mas também a
Seu vigário; e isto não por estatuto humano, mas por estatuto divino, mediante
o qual Cristo constituiu São Pedro príncipe dos Apóstolos, estabelecidos estes,
por sua vez, como príncipes na Terra. E Cristo fez isso convenientissimamente,
por assim o exigirem a ordem da justiça universal, a unidade da Igreja e a estabilidade,
tanto dessa ordem, quanto dessa unidade” 13.
O “Tu es Petrus ...” será aplicado a todos
os escolhidos em conclave para se sentarem na Cátedra da Infalibilidade. Assim,
morreu Pedro, mas não o Papa; e é em torno dele que a Igreja mantém a sua unidade.
“Fácil
é a prova que confirma a Fé e compendia a verdade. O Senhor fala a São Pedro e
lhe diz: ‘Eu te digo que tu és Pedro’ (Mt 16, 18). E noutro lugar, depois de
Sua ressurreição: ‘Apascenta minhas ovelhas’ (Jo 21, 17). Somente sobre ele
edifica Sua Igreja, e o encarrega de apascentar seu rebanho. E embora confira
igual poder a todos os Apóstolos e lhes diga: ‘Como meu Pai Me enviou, assim Eu
vos envio’ (Jo 20, 21), sem embargo, para manifestar a unidade, estabeleceu uma
Cátedra, e com sua autoridade dispôs que a origem dessa unidade se
fundamentasse em um. Por certo, todos os Apóstolos eram o mesmo que Pedro,
adornados com a mesma participação de honra e poder; mas o princípio dimana da
autoridade, e a Pedro foi dado o Primado para demonstrar que uma é a Igreja de
Cristo e uma a Cátedra. Todos são pastores, mas há um só rebanho apascentado
por todos os Apóstolos de comum acordo [...].
“Pode
ter Fé quem não crê nessa unidade da Igreja? Pode pensar que se encontra dentro
da Igreja quem se opõe e resiste à Igreja, quem abandona a Cátedra de Pedro,
sobre a qual ela está fundada? São Paulo também ensina o mesmo, e manifesta o
mistério da unidade, ao dizer: ‘Há um só corpo e um só espírito, como também só
uma esperança, a de vossa vocação. Só um Senhor, uma Fé, um batismo, um Deus’
(Ef 4, 4-6)” 14.
Jurisdição plena, suprema e
universal
Se
lermos os Atos dos Apóstolos, encontraremos Pedro exercendo esse supremo poder,
ao falar em primeiro lugar nas reuniões dos Apóstolos, ao propor o que se deve
fazer, inaugurando a missão apostólica, encerrando discussões com sua palavra,
etc. E assim se têm perpetuado, ao longo de dois milênios, a jurisdição e o
magistério dos Papas.
Todo
sucessor de Pedro possui verdadeira jurisdição, pois tem o poder de promulgar
leis, julgar e impor penas, de forma direta, em matéria espiritual, e indireta,
no campo temporal, sempre que se apresente como necessária para obter bens
espirituais. Essa jurisdição é plena: não há poder na Igreja que não resida no
Papa. É universal, ou seja, todos os membros da Igreja (fiéis, sacerdotes e
bispos) a ele estão submetidos. É, ademais, suprema: o Papa acima de todos, e
ninguém acima dele. Até mesmo os Concílios Ecumênicos não podem se realizar sem
ser por ele convocados e presididos. Os próprios estatutos conciliares não o
obrigam, tendo ele o poder de mudá-los ou de derrogá-los.
Magistério infalível
Outro
tanto se pode afirmar sobre uma análoga e grande função de Pedro e de seus
sucessores: o supremo Magistério que, como coluna que sustenta a Igreja, não
pode equivocarse. O Papa é infalível ao falar ex cathedra, ou seja, enquanto
doutor de todos os cristãos, ao definir com autoridade apostólica doutrinas
sobre Fé e moral, que devem ser admitidas por toda a Igreja universal. Aí está
o motivo pelo qual “as portas do inferno” não poderão se sobrepor a um edifício
construído sobre a pedra que é Pedro.
“Doce Cristo na Terra”
19 Eu te darei as chaves do Reino dos
Céus: tudo o que tu ligares na terra será ligado nos céus; tudo o que tu
desligares na terra será desligado nos céus”.
Cristo
retornaria ao Pai, deixando nas mãos de Pedro as chaves de Sua Igreja. “Quem
tem o uso legítimo e exclusivo das chaves de uma casa ou de uma cidade, este é
o administrador, o intendente supremo que recebeu os poderes de seu senhor. A
Igreja é o reino dos Céus neste mundo; a Igreja Triunfante será o reino
definitivo e eterno dos Céus, prolongamento desta mesma Igreja da Terra, já
purificada de toda impureza. Pedro terá poder de abrir e fechar a entrada nesta
Igreja temporal e, conseqüentemente, na eterna” 15.
A
cabeça desse corpo místico sempre será Cristo Jesus. Durante a História da
humanidade, Ele será o chefe invisível, mas deixa entre nós um Pedro acessível,
o “doce Cristo na Terra” — segundo expressão usada por Santa Catarina de Sena
—, a quem todos devemos amar como bom pai, obedecer até às suas mais leves
insinuações e conselhos, honrar como a um supremo monarca, rei de reis.
III – Nasce uma obra
indestrutível
É de
pasmar o desenrolar desse acontecimento histórico ocorrido na “região de
Cesaréia de Filipe”. Um simples pescador da Betsaida proclama que o filho de um
carpinteiro é realmente Filho de Deus, por natureza. Este, em seguida, anuncia
que edificará uma obra indestrutível e deixará em mãos de seu administrador,
com plenos poderes de jurisdição e magistério, “as chaves do Reino do Céu”. O
ambiente que os cerca é pobre, árido mas com certa grandeza. Ali é plantado “o
grão de mostarda”, do qual nasceriam as igrejas, as catedrais, as cerimônias,
os vitrais, as universidades, os hospitais, os mártires, os confessores, as
virgens, os doutores, os santos, enfim, a Santa Igreja Católica Apostólica e
Romana.
Passaram-se
dois milênios e, depois de tantas e catastróficas procelas, inabalável continua
essa “nau de Pedro”, tendo Cristo, com poder absoluto, em seu centro. Nenhuma
outra instituição resistiu à corrupção produzida pelos desvios morais ou pela
perversão da razão e do egoísmo humano. Só a Igreja soube enfrentar as teorias
caóticas, opondo-lhes a verdade eterna; arrefecer o egoísmo, a violência e a
volúpia, utilizando as armas da caridade, justiça e santidade; pervadir e
reformar os poderes despóticos e materialistas deste mundo, com a solene e
desarmada influência de uma sábia, serena e maternal autoridade. Não podiam
mãos meramente humanas erigir tão portentosa obra, só mesmo a virtude do
próprio Deus seria capaz de conferir santidade e elevar à glória eterna homens
concebidos no pecado.
1 CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio.
A Guerra e o Corpo Místico, em “O Legionário”, de 16/4/1944.
2 AQUINO, São Tomás de.
Catena Aurea.
3 CRISÓSTOMO, São João.
Homilia 54 sobre o Evangelho de São Mateos, § 1.
4 MALDONADO, SJ, P. Juan
de. Comentario a los cuatro Evangelios. Madri: BAC, 1950, v. I, p. 579.
5 Cf. CRISÓSTOMO. Op.
cit. § 1.
6 Cf. CRISÓSTOMO. Idem
ibidem.
7 MALDONADO, Op. cit. p.
580.
8 CRISÓSTOMO. Op. Cit. §
3.
9 Ver seu poder de
perdoar os pecados, em Mt 9, 6; sua superioridade sobre o Templo, em Mt 12, 6;
a suspeita sobre sua messianidade, em Mt 12, 23; etc.
10 HILÁRIO DE POITIERS,
Santo, in Evangelium Matthaei Commentarius, c. XVI.
11 Apud AQUINO. Catena
Aurea.
12 MALDONADO. Op. cit.
p. 584.
13 BUENAVENTURA, San. La
perfección evangélica, c. 4 a. 3 concl. in Obras de San Buenaventura. Madri:
BAC, 1949, t. 6, p. 309.
14 CIPRIANO, San. De
unitate ecclessia, § 4.
15 GOMÁ Y TOMÁS, Dr. D.
Isidro. El Evangelio Explicado. Barcelona: Ediciones Acervo, 1967, v. II, p.
38.
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