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quarta-feira, 1 de julho de 2015

Evangelho XIV Domingo do Tempo Comum – Ano B – Mc 6, 1-6

Conclusão dos comentários ao Evangelho – XIV Domingo do Tempo Comum – Ano B – Mc 6, 1-6
Por que não viram: egoísmo e mediocridade
Entretanto, quando Ele foi anunciar a salvação aos parentes e aos conhecidos, estes não creram. Vemos nisto quanto é terrível a tendência da natureza humana de julgar as coisas pela aparência, e não aceitar o que é superior.
Essa cegueira espiritual é fruto da mediocridade. O medíocre nunca reconhece os valores que não lhe dizem respeito; ele é arquiegoísta. E todo egoísta é medíocre, porque são defeitos recíprocos e inseparáveis. A mediocridade leva a pessoa a não querer prestar atenção em nada mais elevado. E a logo procurar denegrir. Por isso, com intuito de humilhá-Lo, os nazarenos chamam Jesus de “o carpinteiro”. Não há referência a São José, pois este, segundo alguns comentaristas, já deveria ter falecido.
A admiração justifica
Muito diversa teria sido a história do início da Igreja se os nazarenos tivessem admirado e seguido Nosso Senhor.
O papel da admiração e do amor é ressaltado por São Tomás ao afirmar que quem, mesmo não batizado, orienta a sua vida segundo o seu verdadeiro fim, amando um bem honesto mais do que a si mesmo, obtém pela graça a remissão do pecado original.5 E comenta sobre este particular Garrigou-Lagrange: “Está justificado pelo batismo de desejo, porque esse amor, que já é o amor eficaz a Deus, não é possível no estado atual da humanidade sem a graça regeneradora”.6 Poderíamos então inverter a afirmação do Doutor Angélico e dizer que quando uma pessoa ama a si mesma mais do que a um bem, torna-se medíocre e egoísta, e, portanto, abre-se a toda forma de mal, passando a ser cega de Deus. Assim como une-se a Deus aquele que ama um bem superior mais do que a si mesmo, quem ama-se a si mesmo acima de todas as coisas e mais do que a Deus, liga-se ao demônio.
Portanto, neste sentido, o limite que separa o Céu do inferno é traçado por uma palavra: admiração. A admiração por algo mais elevado me aproxima do Céu; e a admiração a mim mesmo, me aproxima do inferno.

As consequências da cegueira de Deus
5a“E ali não pôde fazer milagre algum”.
Mostra-se muito cuidadoso o Evangelista ao precisar, neste versículo, que Jesus não Se negou a fazer milagres, mas sim que “não pôde”, ou seja, não houve condições de fazê-los. Ele, cuja simples sombra ou manto tantas vezes haviam curado, em Nazaré, nenhum milagre operou. Ou os fez poucos, conforme relata São Mateus (cf. Mt 13, 58).
Por quê? Para que se realize um milagre são requeridas duas condições: em primeiro lugar a fé dos beneficiários e, em segundo, a intercessão daquele por meio do qual Deus exercerá o seu poder. Ora, o Divino Mestre não precisava de intercessão, pois o poder é d’Ele; mas era necessária a fé dos outros.7 A inveja dos nazarenos impedia que Jesus fosse aceito, e tudo o que Ele fizesse seria analisado por um prisma meramente humano.
Ademais, se Ele realizasse algum milagre grandioso, muito provavelmente, os nazarenos iriam se revoltar e com isso agravariam o seu pecado, ofendendo ainda mais ao Pai. Portanto, uma manifestação do poder de Jesus poderia condená-los irremissivelmente. E Ele não queria perdê-los, mas sim salvá-los.
Colhe-se aqui um importante ensinamento para o nosso apostolado: devemos fazer o possível para que os outros não pequem e com isso não ofendam ao Pai, pois, antes de tudo, é a glória de Deus o nosso objetivo. Então, algumas vezes poderemos mostrar os dons que a Providência nos deu para fazer bem ao próximo; em outras, pelo contrário, será necessário velá-los se forem causa de condenação para alguns.
5b  “Apenas curou alguns doentes, impondo-lhes as mãos. 6 E admirou-Se com a falta de fé deles. Jesus percorria os povoados das redondezas, ensinando”.
Tais curas não tinham o caráter estrondoso de um milagre que subverte as leis da natureza. Com efeito, era frequente entre os sacerdotes hebreus a prática da imposição das mãos para curar algumas doenças ou expulsar demônios. Deste modo, Nosso Senhor ali desempenhou apenas o papel de um simples sacerdote. Enquanto nas povoações vizinhas Ele ensinava e operava todo tipo de milagres, de sua própria terra foi expulso pelos seus! (cf. Lc 4, 29).
III – Admiração, antídoto contra a mediocridade
Se não formos cuidadosos em combater a tendência ao egoísmo e à mediocridade, manifestada pelos nazarenos nessa ocasião, teremos dificuldade em admitir e admirar os valores alheios. Por isso, devemos nos exercitar na virtude do desprendimento de nós mesmos. E o melhor meio para tal consiste em sempre reconhecer os pontos pelos quais o próximo é superior a nós, desejando admirá-lo e estimulá-lo. A admiração deve ser para nós um hábito permanente. E, se notarmos em nós alguma superioridade real, devemos, sem jamais nos vangloriar, utilizá-la para ajudar os demais. É o convite sempre atual à virtude da humildade.
Bem a propósito, diz a Igreja, na Oração do dia: “Ó Deus, que pela humilhação do vosso Filho, reerguestes o mundo decaído...”. Assim como Deus agiu em relação ao mundo, devemos nós proceder em relação a todos quantos nos são inferiores a algum título. Cristo tomou-Se de compaixão pela humanidade e, tendo sempre a alma na Visão Beatífica, assumiu uma carne padecente por amor aos homens.
O plano de Deus com o instinto de sociabilidade
Este é o grande plano de Deus para a sociedade humana: ao criar os homens com o instinto de sociabilidade tão arraigado, teve em vista proporcionar-lhes a possibilidade de uns ajudarem os outros, na admiração recíproca dos dons recebidos, de maneira que, sobrepujando comparações e invejas, cada qual culmine no desejo de servir e louvar aquilo que lhe é superior.
Dessas verdades deflui uma importante consequência: o perdão, fruto da caridade. Caso alguém nos faça ofensa, deve logo brotar do fundo de nosso coração um perdão multiplicado pelo perdão. Assim agindo, daremos nossa contribuição para termos uma sociedade na qual todos se perdoam mutuamente, pois sem cessar uns querem elevar os outros.
Este é um dos modos mais sapienciais de praticarmos o amor a Deus em relação ao nosso próximo: querendo que este se eleve sempre mais na virtude e rendendo nossa admiração e louvor às suas qualidades.
Uma sociedade constituída com base neste princípio extraído do Evangelho eliminaria tantos horrores que grassam hoje, e tornar-se-ia a mais feliz que possa existir neste vale de lágrimas ao fazer com que todos se unam em função do amor a Deus.
Quando essa sociedade se tornar realidade, bem poderá ser denominada Reino de Maria, pois estará pervadida pela bondade do Sapiencial e Imaculado Coração da Mãe de Deus. Reino no qual a Santíssima Virgem comunicará a todos uma participação no supremo instinto materno que Ela tem por cada um de nós.8 E aí compreenderemos inteiramente o que Ela mesma disse em Fátima: “Por fim, o meu Imaculado Coração triunfará!”.
1 GARCIA CORDERO, OP, Maximiliano. Biblia comentada. Libros proféticos. Madrid: BAC, 1961, t.III, p.4.
2 Cf. CCE 1268.
3 SÃO BASÍLIO, O GRANDE. De envidia. Homil.11: MG 31, 371.
4 MONSABRÉ, OP, Jacques-Marie-Louis. Exposition du Dogme Catholique. Vie de Jésus-Christ. 9.ed. Paris: P. Lethielleux, 1903, p.71.
5 Ensina São Tomás que, “começando a ter o uso da razão”, a primeira coisa que ocorre ao homem pensar é “deliberar sobre si mesmo”. E afirma: “Se ele se ordenar ao fim devido, conseguirá pela graça a remissão do pecado original” (SÃO TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica. I-II, q.89, a.6).
6 GARRIGOU-LAGRANGE, OP, Reginald. El Salvador y su amor por nosotros. Madrid: Rialp, 1977, p.34.
7 Ensina São Tomás que “não era conveniente fazer milagres entre incrédulos” (SÃO TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica. III, q.43, a.2, ad.1).

8 Cf. SÃO LUÍS MARIA GRIGNION DE MONTFORT. Traité de la vraie dévotion à la Sainte Vierge, n.144. In: Œuvres complètes. Paris: Seuil, 1966.

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