Conclusão dos comentários ao Evangelho – XIV Domingo do Tempo Comum – Ano B – Mc 6, 1-6
Por que não viram: egoísmo e
mediocridade
Entretanto,
quando Ele foi anunciar a salvação aos parentes e aos conhecidos, estes não
creram. Vemos nisto quanto é terrível a tendência da natureza humana de julgar
as coisas pela aparência, e não aceitar o que é superior.
Essa
cegueira espiritual é fruto da mediocridade. O medíocre nunca reconhece os
valores que não lhe dizem respeito; ele é arquiegoísta. E todo egoísta é
medíocre, porque são defeitos recíprocos e inseparáveis. A mediocridade leva a
pessoa a não querer prestar atenção em nada mais elevado. E a logo procurar
denegrir. Por isso, com intuito de humilhá-Lo, os nazarenos chamam Jesus de “o
carpinteiro”. Não há referência a São José, pois este, segundo alguns
comentaristas, já deveria ter falecido.
A admiração justifica
Muito
diversa teria sido a história do início da Igreja se os nazarenos tivessem
admirado e seguido Nosso Senhor.
O papel
da admiração e do amor é ressaltado por São Tomás ao afirmar que quem, mesmo
não batizado, orienta a sua vida segundo o seu verdadeiro fim, amando um bem
honesto mais do que a si mesmo, obtém pela graça a remissão do pecado
original.5 E comenta sobre este particular Garrigou-Lagrange: “Está justificado
pelo batismo de desejo, porque esse amor, que já é o amor eficaz a Deus, não é
possível no estado atual da humanidade sem a graça regeneradora”.6 Poderíamos
então inverter a afirmação do Doutor Angélico e dizer que quando uma pessoa ama
a si mesma mais do que a um bem, torna-se medíocre e egoísta, e, portanto,
abre-se a toda forma de mal, passando a ser cega de Deus. Assim como une-se a
Deus aquele que ama um bem superior mais do que a si mesmo, quem ama-se a si
mesmo acima de todas as coisas e mais do que a Deus, liga-se ao demônio.
Portanto,
neste sentido, o limite que separa o Céu do inferno é traçado por uma palavra:
admiração. A admiração por algo mais elevado me aproxima do Céu; e a admiração
a mim mesmo, me aproxima do inferno.
As consequências da cegueira de
Deus
5a“E ali não pôde fazer milagre algum”.
Mostra-se
muito cuidadoso o Evangelista ao precisar, neste versículo, que Jesus não Se
negou a fazer milagres, mas sim que “não pôde”, ou seja, não houve condições de
fazê-los. Ele, cuja simples sombra ou manto tantas vezes haviam curado, em
Nazaré, nenhum milagre operou. Ou os fez poucos, conforme relata São Mateus
(cf. Mt 13, 58).
Por
quê? Para que se realize um milagre são requeridas duas condições: em primeiro
lugar a fé dos beneficiários e, em segundo, a intercessão daquele por meio do
qual Deus exercerá o seu poder. Ora, o Divino Mestre não precisava de
intercessão, pois o poder é d’Ele; mas era necessária a fé dos outros.7 A
inveja dos nazarenos impedia que Jesus fosse aceito, e tudo o que Ele fizesse
seria analisado por um prisma meramente humano.
Ademais,
se Ele realizasse algum milagre grandioso, muito provavelmente, os nazarenos
iriam se revoltar e com isso agravariam o seu pecado, ofendendo ainda mais ao
Pai. Portanto, uma manifestação do poder de Jesus poderia condená-los
irremissivelmente. E Ele não queria perdê-los, mas sim salvá-los.
Colhe-se
aqui um importante ensinamento para o nosso apostolado: devemos fazer o
possível para que os outros não pequem e com isso não ofendam ao Pai, pois,
antes de tudo, é a glória de Deus o nosso objetivo. Então, algumas vezes
poderemos mostrar os dons que a Providência nos deu para fazer bem ao próximo;
em outras, pelo contrário, será necessário velá-los se forem causa de
condenação para alguns.
5b
“Apenas curou alguns doentes, impondo-lhes as mãos. 6 E admirou-Se com a
falta de fé deles. Jesus percorria os povoados das redondezas, ensinando”.
Tais
curas não tinham o caráter estrondoso de um milagre que subverte as leis da
natureza. Com efeito, era frequente entre os sacerdotes hebreus a prática da
imposição das mãos para curar algumas doenças ou expulsar demônios. Deste modo,
Nosso Senhor ali desempenhou apenas o papel de um simples sacerdote. Enquanto
nas povoações vizinhas Ele ensinava e operava todo tipo de milagres, de sua
própria terra foi expulso pelos seus! (cf. Lc 4, 29).
III – Admiração, antídoto contra
a mediocridade
Se não
formos cuidadosos em combater a tendência ao egoísmo e à mediocridade,
manifestada pelos nazarenos nessa ocasião, teremos dificuldade em admitir e
admirar os valores alheios. Por isso, devemos nos exercitar na virtude do
desprendimento de nós mesmos. E o melhor meio para tal consiste em sempre
reconhecer os pontos pelos quais o próximo é superior a nós, desejando
admirá-lo e estimulá-lo. A admiração deve ser para nós um hábito permanente. E,
se notarmos em nós alguma superioridade real, devemos, sem jamais nos
vangloriar, utilizá-la para ajudar os demais. É o convite sempre atual à
virtude da humildade.
Bem a
propósito, diz a Igreja, na Oração do dia: “Ó Deus, que pela humilhação do
vosso Filho, reerguestes o mundo decaído...”. Assim como Deus agiu em relação
ao mundo, devemos nós proceder em relação a todos quantos nos são inferiores a
algum título. Cristo tomou-Se de compaixão pela humanidade e, tendo sempre a
alma na Visão Beatífica, assumiu uma carne padecente por amor aos homens.
O plano de Deus com o instinto de
sociabilidade
Este é
o grande plano de Deus para a sociedade humana: ao criar os homens com o
instinto de sociabilidade tão arraigado, teve em vista proporcionar-lhes a
possibilidade de uns ajudarem os outros, na admiração recíproca dos dons
recebidos, de maneira que, sobrepujando comparações e invejas, cada qual
culmine no desejo de servir e louvar aquilo que lhe é superior.
Dessas
verdades deflui uma importante consequência: o perdão, fruto da caridade. Caso
alguém nos faça ofensa, deve logo brotar do fundo de nosso coração um perdão
multiplicado pelo perdão. Assim agindo, daremos nossa contribuição para termos
uma sociedade na qual todos se perdoam mutuamente, pois sem cessar uns querem
elevar os outros.
Este é
um dos modos mais sapienciais de praticarmos o amor a Deus em relação ao nosso
próximo: querendo que este se eleve sempre mais na virtude e rendendo nossa
admiração e louvor às suas qualidades.
Uma
sociedade constituída com base neste princípio extraído do Evangelho eliminaria
tantos horrores que grassam hoje, e tornar-se-ia a mais feliz que possa existir
neste vale de lágrimas ao fazer com que todos se unam em função do amor a Deus.
Quando
essa sociedade se tornar realidade, bem poderá ser denominada Reino de Maria,
pois estará pervadida pela bondade do Sapiencial e Imaculado Coração da Mãe de
Deus. Reino no qual a Santíssima Virgem comunicará a todos uma participação no
supremo instinto materno que Ela tem por cada um de nós.8 E aí compreenderemos
inteiramente o que Ela mesma disse em Fátima: “Por fim, o meu Imaculado Coração
triunfará!”.
1 GARCIA
CORDERO, OP, Maximiliano. Biblia comentada. Libros proféticos. Madrid: BAC,
1961, t.III, p.4.
2 Cf.
CCE 1268.
3 SÃO
BASÍLIO, O GRANDE. De envidia. Homil.11: MG 31, 371.
4 MONSABRÉ,
OP, Jacques-Marie-Louis. Exposition du Dogme Catholique. Vie de Jésus-Christ.
9.ed. Paris: P. Lethielleux, 1903, p.71.
5 Ensina
São Tomás que, “começando a ter o uso da razão”, a primeira coisa que ocorre ao
homem pensar é “deliberar sobre si mesmo”. E afirma: “Se ele se ordenar ao fim
devido, conseguirá pela graça a remissão do pecado original” (SÃO TOMÁS DE
AQUINO. Suma Teológica. I-II, q.89, a.6).
6 GARRIGOU-LAGRANGE,
OP, Reginald. El Salvador y su amor por nosotros. Madrid: Rialp, 1977, p.34.
7 Ensina
São Tomás que “não era conveniente fazer milagres entre incrédulos” (SÃO TOMÁS
DE AQUINO. Suma Teológica. III, q.43, a.2, ad.1).
8 Cf.
SÃO LUÍS MARIA GRIGNION DE MONTFORT. Traité de la vraie dévotion à la Sainte
Vierge, n.144. In: Œuvres complètes. Paris: Seuil, 1966.
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