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sexta-feira, 21 de agosto de 2015

Evangelho 21º domingo do Tempo Comum – Ano B - Jo 6,60-69

Comentário ao Evangelho 21º domingo do Tempo Comum – Jo 6,60-69 – Ano B
Naquele tempo, 60 muitos dos discípulos de Jesus, que o escutaram, disseram: “Esta palavra é dura. Quem consegue escutá-la?” 61 Sabendo que seus discípulos estavam murmurando por causa disso mesmo, Jesus perguntou: “Isto vos escandaliza? 62 E quando virdes o Filho do Homem subindo para onde estava antes? 63 O Espírito é que dá vida, a carne não adianta nada. As palavras que vos falei são espírito e vida. 64 Mas entre vós há alguns que não creem”. Jesus sabia, desde o início, quem eram os que não tinham fé e quem havia de entregá-lo.
65 E acrescentou: “É por isso que vos disse: ninguém pode vir a mim, a não ser que lhe seja concedido pelo Pai”. 66 A partir daquele momento, muitos discípulos voltaram atrás e não andavam mais com ele. 67 Então, Jesus disse aos doze: “Vós também vos quereis ir embora?” 68 Simão Pedro respondeu: “A quem iremos, Senhor? Tu tens palavras de vida eterna. 69 Nós cremos firmemente e reconhecemos que tu és o Santo de Deus”.
 “A quem iremos, Senhor...?”
Em um episódio decisivo no anúncio do Reino de Deus, os discípulos se dividiram entre aqueles que se escandalizaram com as palavras de Jesus e aqueles que, mesmo sem entendê-las, aceitaram-nas por um ato de fé.
Mons. João Scognamiglio Clá Dias
I – Jesus é o pão da vida
A contradição dos judeus
“Como poderá este dar-nos a sua carne para comermos?” (Jo 6, 52) — perguntavam entre si os judeus que ouviram Jesus fazendo referência ao Sacramento da Eucaristia. E Ele lhes respondeu: “Se não comerdes a carne do Filho do Homem e não beberdes o seu sangue, não tereis a vida em vós” (Jo 6, 53).
Com uma fé insuficiente, como poderiam alcançar o verdadeiro significado das revelações feitas pelo Messias?

Os judeus não queriam admitir que Jesus pudesse se autodenominar “pão da vida”. De fato, Ele o é, tanto pela divindade, como por sua humanidade. Enquanto Deus, Ele cria, sustenta no ser e alimenta todos os viventes. Ao assumir um corpo, sua Carne é vivificante por ser o Verbo de Deus. Da mesma forma que o ferro se torna incandescente ao ser introduzido no fogo, adquirindo a substância e as propriedades deste sem deixar de ser ferro, assim também o Sagrado Corpo de Jesus está unido à natureza divina. Por isso, sem a Eucaristia, o homem pode ter vida natural, mas não a vida eterna.
Hoje nos damos conta de quanto a rejeição dos judeus ao precioso convite de Nosso Senhor é inexplicável. Os seus antepassados haviam adorado não poucos deuses falsos, além de terem admitido as mais absurdas doutrinas. Ao se apresentar o verdadeiro Deus, oferecendo-Se como alimento de imortalidade, a reação deles foi de repulsa.
Quando Moisés subiu ao Monte Sinai para receber as Tábuas da Lei, os israelitas permaneceram a sua espera no sopé da montanha. Como tardasse muito a descer e o povo estivesse já cansado, Aarão foi instado a fazer-lhes um deus visível que eles pudessem seguir, indo-lhes adiante nos deslocamentos (Ex 32, 1). No fundo queriam ter um Deus — um ELOIM, o Deus verdadeiro que criou o céu e a terra — sob espécie visível. Ora, o que Jesus lhes oferecia nesse discurso Eucarístico do capítulo sexto de São João é exatamente isso: “Eu sou o pão da vida (...) o pão vivo que desceu do céu. Quem comer deste pão, viverá eternamente” (Jo 6, 48.51).
É um paradoxo: o que os judeus pediram a Aarão, recebemos nós. Sim, na Eucaristia está o ELOIM sob espécies visíveis. Com uma grande diferença: os judeus julgaram ser possível operar essa maravilha por mãos humanas e nós cremos, com toda a fé, que isso se realiza por exclusiva autoridade divina: “Fazei isto em memória de Mim” (Lc 22, 19). O curioso é que, apesar de os judeus acreditarem ser possível realizar esse grande mistério através de forças naturais e humanas, não creram que Deus onipotente fosse capaz de concretizá-lo.
Mistério da fé
Nas próprias palavras de Cristo se encontra um grandioso mistério: Caro mea vere est cibus, et sanguis meus vere est potus — “Minha Carne é verdadeiramente comida e o meu Sangue é verdadeiramente bebida” (Jo 6, 56). 
Ouçamos São Tomás: “Que o verdadeiro corpo e sangue de Cristo estejam no sacramento, não se pode apreender pelo sentido, mas somente pela fé, que se apóia na autoridade divina” (1).
O problema se centra em que “toda transformação que acontece segundo as leis da natureza é formal” (2). Ora, no caso da Eucaristia devemos considerar que a ação de Deus “abarca toda a natureza do ser. Portanto, Ele pode realizar não só a conversão formal (...), mas também a conversão de todo o ser, de modo que toda a sua substância se converta em toda substância de outro ser. E, nesse sacramento, isso se realiza pelo poder divino. Com efeito, toda a substância do pão se converte em toda a substância do Corpo de Cristo, e toda a substância do vinho, em toda a substância do Sangue de Cristo. Por isso, essa conversão não é formal, mas substancial. (...) pode-se chamar apropriadamente com o nome de transubstanciação” (3).
Ademais, devemos considerar que as dimensões da Hóstia consagrada não correspondem às do Corpo de Cristo. Ela continua com as mesmas medidas que lhe eram próprias, quando n’Ela se encontrava a substância pão (4). Porém “é indispensável confessar, de acordo com a fé católica, que Cristo está, todo Ele, nesse sacramento” (5).
II – Palavras acolhidas com murmuração
Incredulidade de muitos discípulos
Naquele tempo, 60 muitos dos discípulos de Jesus, que o escutaram, disseram: “Esta palavra é dura. Quem consegue escutá-la?”
Eis por que muitos discípulos que O ouviram disseram: “Dura é esta linguagem. Quem a pode ouvir?” (v. 60). Faltou-lhes entoar o cântico: Praestet fides supplementum, sensuum defectui — “venha a Fé iluminar e completar o que falta nos sentidos para o entender”, como diz o cântico do “Tantum ergo”. Visus, tactus, gustus in te fallitur; sed auditu solo tuto creditur — “a vista, o tato, o paladar aqui se enganam, só o que ouço sustenta a minha fé”, diz o “Adoro te devote”.
Maldonado, que viveu em tempos turbulentos, é rígido em seus comentários, sublinhando que é próprio aos hereges interpretar os mistérios divinos em função de sua capacidade de compreensão. Assim, ao não entenderem alguma verdade relativa a Deus ou à religião, qualificam-na de “desatino”.
61 Sabendo que seus discípulos estavam murmurando por causa disso mesmo, Jesus perguntou: “Isto vos escandaliza?
Jesus é o Verbo eterno e encarnado, portanto com antecedência incalculável já conhecia, em suas minúcias, a murmuração dos discípulos, rompendo a anterior união que havia entre eles, toda feita de admiração.
Jesus visa repreender ou evitar o escândalo?
62 E quando virdes o Filho do Homem subindo para onde estava antes?
Pondera Maldonado ser muito difícil bem interpretar o presente versículo, por se tratar de uma frase interrogativa e, ao mesmo tempo, concisa. De duas, uma (sempre segundo Maldonado): ou Jesus queria dizer que, ao verem-No em sua Ascensão, compreenderiam a afirmação feita por Ele de que seu Sangue é verdadeira bebida e sua Carne verdadeira comida; ou que, depois de assistirem à sua subida aos Céus, poderiam se escandalizar ainda mais.
1. Facilitar a assimilação do dogma
Vários autores adotam a primeira dessas hipóteses, mas divergem entre si sobre qual dos dogmas formulados por Jesus em seu discurso Eucarístico adquiriria um grau maior de certeza no público. Uns julgam que, com a Ascensão, tornar-se-ia facilmente assimilável a noção de sua descida do Céu. Segundo outros, ao verem o retorno de Jesus ao Pai, imediatamente se dariam conta de sua divindade e, neste caso, admitiriam a transubstanciação do pão e do vinho realmente na Carne e no Sangue de Deus. Vejamos, a esse respeito, o que nos dizem dois conceituados Padres da Igreja:
“S. João Crisóstomo: Se Ele lhes tivesse dito simplesmente que desceu do Céu, sem acrescentar mais nada, teria escandalizado ainda mais os discípulos. Ele escolheu, pois, outro caminho: declarou que sua carne é a vida do mundo, e que assim como tinha sido enviado pelo Pai vivo, assim também vive pelo Pai. E então acrescentou que Ele tinha descido do Céu, dissipando toda e qualquer dúvida. Ele não se exprimiu assim, pois, com o intuito de escandalizar seus discípulos, mas, pelo contrário, para evitar o escândalo provocado por suas palavras. Enquanto O vissem apenas como filho de José, suas palavras naõ teriam para eles autoridade alguma; mas os que acreditassem que havia descido do Céu e que para lá voltaria, esses compreenderiam mais facilmente o que lhes era dito.
“Santo Agostinho: Assim desfez as dúvidas que os agitavam, porque eles tinham pensado que o Salvador haveria de destruir o seu próprio corpo; mas Ele lhes disse que haveria de subir ao Céu com o corpo íntegro; por isso lhes diz: ‘Quando virdes o Filho do Homem subir para onde estava antes’. Com certeza vereis então como não se destruiu o seu corpo, conforme vós pensáveis” (6).
2. Repreensão aos judeus
Maldonado contesta essas várias suposições, manifestando-se favorável à hipótese de esse versículo constituir uma repreensão aos judeus, e não um mero ensinamento ou o oferecimento de uma prova. Segundo ele, o procedimento habitual do Divino Mestre com os incrédulos, que não aceitavam pontos minúsculos da Fé, era de sempre fazer-lhes uma interrogação: “Se não Me acreditais quando vos falo das coisas da terra, como Me acreditareis se vos falar das coisas do Céu?” (Jo 3, 12).
No versículo que aqui comentamos, Jesus Se denomina Filho do Homem, para tornar clara a existência da união das duas naturezas, a divina e a humana, em sua Pessoa, pois dos céus desceu como Deus e para lá retornaria, como homem.
III – O alimento que vivifica
63O Espírito é que dá vida, a carne não adianta nada. As palavras que vos falei são espírito e vida.
Ao longo dos séculos multiplicaram-se, entre os comentaristas, várias interpretações sobre este versículo. A melhor delas nos parece ser a do Bispo de Hipona:
“Que sentido tem esta afirmação: a carne para nada aproveita? Para nada aproveita no sentido em que os judeus a entenderam. Entenderam ‘carne’ no sentido em que se toma, quando é cortada no cadáver, ou vendida no talho, e não enquanto a carne tem vida, que lhe é comunicada pelo espírito. (...)
“Assim sucede com a expressão: a carne para nada aproveita, a carne tomada isoladamente. Junte-se o espírito à carne, como se junta a caridade à ciência, e a carne aproveita de um modo extraordinário.
“Se a carne para nada aproveitasse, o Verbo não Se faria carne para habitar entre nós. Se Cristo nos aproveitou muito por meio da carne, como pode dizer-se que a carne para nada aproveita?
“Mas o espírito fez alguma coisa em ordem à nossa salvação, por meio da carne. A carne foi um vaso. Atende ao que o vaso encerrava, e não à natureza do mesmo vaso” (7).
Alimento espiritual e material
Não é exagero julgar que o alimento material foi criado para o desenvolvimento e sustento orgânico do homem, com vistas também a servir de símbolo para a instituição da Eucaristia. Há, entretanto, uma distinção entre o alimento material e o espiritual. O primeiro produz em nós seus efeitos, convertendo-se em substância de nosso organismo, ao ser por ele assimilado. Com o segundo se passa exatamente o contrário: nós somos assumidos por ele, como diz Santo Agostinho, “o qual narra ter como que ouvido a voz de Cristo lhe dizendo: Não serás tu que Me mudarás em ti, como fazes com o alimento da tua carne, mas és tu que te transformarás em Mim” (8). “A virtude própria deste alimento divino é uma força de união que nos vincula ao Corpo do Salvador e nos faz seus membros, a fim de que nos transformemos naquilo que recebemos” (9).
Pela Eucaristia passamos a ser outros Cristos
Pela Eucaristia, participamos não só da própria vida de Jesus como também de todo o tesouro de seu Sagrado Coração, dos méritos de sua oração, sacrifício, etc. Essa realidade mística arranca surtos de entusiasmo das almas dos bem-aventurados: “Para vir ao mundo a fim de nos redimir, Deus Se fez homem. Quando tu vais ao altar e O recebes, és tu que te transformas n’Ele. E se dissesse que te fazes Cristo, não mentiria” (10).
Por outro lado, ao comungarmos, passamos a ser parte de Cristo: “Quando comungas, passas a ser membro do Corpo de Cristo; assim como a mão é parte do corpo, vive e se sustenta dele, assim fazes parte de Cristo, vives e te sustentas d’Ele, incorporando-te pela comunhão em Cristo, como o membro no corpo” (11).
Ora, se a Eucaristia, por assim dizer, transforma-nos em Cristo, nossa vida moral também será participativa da santidade de Jesus. Não é sem fundamento que se afirma: “Christianus alter Christus” (12), pois, realmente, pelo Batismo passamos a ser outros Cristos, e a Eucaristia vai paulatinamente reproduzindo em nós os mesmos sentimentos e virtudes próprias ao Homem-Deus. Com o tempo, e pela assídua frequência a esse Sacramento, pensaremos, amaremos e agiremos tal como Ele próprio. Nossa caridade, humildade, obediência e demais virtudes serão semelhantes às d’Ele.
Antídoto contra o pecado e fortaleza para a luta
Além disso, a Eucaristia é um grande antídoto contra o pecado, pois, segundo São Tomás de Aquino, além de nos conferir a graça, ela — que contém o Autor da graça, Cristo Jesus — aumenta em nós a caridade; diminui a concupiscência; por conseguinte, aumenta a devoção, perdoa os pecados veniais; etc. (13).
Esse Sacramento produz seus frutos, na alma que o recebe, “ex opere operato” (14). Entretanto, seus efeitos podem ser excelentes em maior ou menor grau, dependendo das disposições com as quais é recebido. Se a preparação interior for ótima, melhor será seu aproveitamento.
O rompimento e renúncia explícita a tudo quanto possa inclinar-nos ao pecado constitui condição essencial para obtermos a plenitude das graças conferidas pela Comunhão Eucarística.
Por outro lado, não devo me perturbar por causa de minhas debilidades e imperfeições, pois elas não me impedem de me aproximar da Sagrada Mesa, mas, pelo contrário, o Pão Vivo me dará fortaleza para a luta. Quer se trate de um vaidoso, um arrogante, um preguiçoso ou um tíbio, na Eucaristia ele encontrará a inspiração e a energia para trilhar o bom caminho.
Aliás, em nossa vida espiritual não são poucos os combates que devemos enfrentar contra o demônio, o mundo e a carne: “Requer-se a fortaleza do espírito para resistir a semelhantes dificuldades, do mesmo modo como o homem supera e repele, pela fortaleza corporal, os obstáculos materiais” (15).
Ora, onde buscar esse fortalecimento senão na Eucaristia? O salutaris Hostia (...) Bella premunt hostilia. Da robur, fer auxilium — canta tão belamente o imortal hino eucarístico: “Ó Hóstia Salvadora (...) Os inimigos premem-nos com hostilidades. Dai-nos resistência, trazei-nos ajuda!”
 63b As palavras que vos falei são espírito e vida.
“Ou seja — comenta São João Crisóstomo — elas são totalmente espirituais, nada têm de carnal, nem estão sujeitas aos efeitos naturais, e são isentas de qualquer necessidade terrena e de todas as leis desta terra.” (16)
IV – Crer para Ser vivificado
64Mas entre vós há alguns que não creem”. Jesus sabia, desde o início, quem eram os que não tinham fé e quem havia de entregá-lo.
Um dos melhores comentários a este versículo é feito por Santo Agostinho. Afirma ele que Jesus não se referiu à falta de entendimento, por querer denunciar diretamente a causa, ou seja, a ausência de fé nesses “alguns”. Com muita lucidez demonstra que não pode ser vivificado quem resiste à fé. E, como consequência, torna-se obtuso de entendimento:
“Quem não adere, resiste; quem resiste, não crê. E como pode ser vivificado quem resiste? (...) Creiam e seus olhos serão abertos; abram-se os olhos e serão iluminados” (17).
Sobre quem esse “alguns de vós” se referia, diz Maldonado: “A mim, no entanto, me agrada mais a opinião de Crisóstomo, que estende a todos os discípulos e ouvintes o alcance da queixa de Cristo, mas excetua deste número os apóstolos, apoiando-se no sentido geral da polêmica, que obriga a considerar Cristo em confronto com os que se tinham ofendido com suas palavras” (18).
Segundo alguns autores, ao afirmar João que Jesus “sabia desde o princípio”, quis referir-se ao conhecimento eterno d’Ele como Segunda Pessoa da Santíssima Trindade. Outros, porém, interpretam de forma diferente e julgam ter João indicado pela palavra “princípio” o momento que precedeu às murmurações entre os ouvintes.
65E acrescentou: “É por isso que vos disse: ninguém pode vir a mim, a não ser que lhe seja concedido pelo Pai”.
Quem, com precisão e síntese, comenta estes dois versículos é Frei Manuel de Tuya, OP: “Mas esses ensinamentos de Cristo não encontraram em ‘muitos’ de seus discípulos a atitude de fé e submissão requeridas. E as palavras que eles qualificaram de ‘duras’ lhes endureceram a vida. E não ‘creram’ n’Ele. Abandonaram Cristo ‘desde então’ — seja no sentido causal (Jo 19, 12), seja no temporal (Jo 19, 27), embora ambos os sentidos aqui se unam, porque, sendo ‘então’ ou ‘desde então’, foi precisamente ‘por causa disto’. Num instante romperam com Ele, retrocederam, e já ‘não O seguiam’” (19).
Jesus põe à prova os Apóstolos
67Então, Jesus disse aos doze: “Vós também vos quereis ir embora?”
Há um determinado momento da caminhada para o Reino em que se torna necessário, de nossa parte, uma adesão consciente e explícita.
Jesus, com uma delicadeza divina, coloca ante seus Apóstolos o problema. Compreendia Ele o quanto agrada ao homem o apoio de suas amizades, mas discernia, de outro lado, a firme decisão previamente tomada por eles de O seguirem, o que Lhe permitia fazer essa pergunta para lhes tornar explícita a adesão à sua Pessoa.
A resposta de Pedro
68Simão Pedro respondeu: “A quem iremos, Senhor? Tu tens palavras de vida eterna.
Uma vez mais, São Pedro toma a palavra para, interpretando o desejo de todos, responder ao Divino Mestre. Tertuliano afirmará mais tarde: “Anima humana naturaliter christiana”. De fato, consciente ou inconscientemente, quando procuramos obter bens que nos trarão felicidade, é a Cristo que nós buscamos. Ninguém, como Ele, tem palavras de vida eterna. A esse propósito comenta Santo Agostinho que, de forma implícita, Pedro pede a Jesus para lhes conceder outro Ele mesmo, no caso de mandá-los embora.
Belo exemplo para nós, segundo São João Crisóstomo, ao vermos nossos irmãos abandonarem a Fé. Ainda que restemos poucos ou fiquemos até mesmo sozinhos, devemos permanecer na plena fidelidade, pois quem ou o que nos dará felicidade fora de Cristo?
69Nós cremos firmemente e reconhecemos que tu és o Santo de Deus”.
Santo Agostinho ressalta que Pedro, primeiramente, manifesta sua crença (“acredita”), para, em seguida, dizer que, por causa dela, entende (“sabe”). Segundo o Bispo de Hipona, se fosse ao contrário, não conheceria e nem acreditaria (20).
Essa declaração de Pedro é uma síntese de nossa Fé: “Jesus Cristo é o Filho de Deus vivo” e, evidentemente, aceitando-se o que Ele ensina, chega-se à plenitude dessa virtude.
V – A virtude da obediência
Sendo Deus o Senhor de toda a Criação, os seres inteligentes — anjos e homens — têm a obrigação de reconhecer, amar e servir esse senhorio. Os inanimados assim procedem fisicamente, e os irracionais, de forma instintiva. Ele é Senhor de todas as nossas faculdades e, sobretudo, de nosso entendimento e vontade. Daí ter afirmado São João da Cruz que no entardecer desta vida seremos julgados segundo o amor, pois estamos obrigados a querer o que Deus deseja que queiramos (21).
Ora, na ordem do universo está incluída a vontade do homem a qual, livremente, deve estar em harmonia com a de Deus através da virtude da obediência (22). Esta última não é uma virtude superior às teologais: Fé, Esperança e Caridade. Entretanto, é um meio veloz para unirmo-nos a Deus e sermos agradabilíssimos a Ele. Através dela fazemos uma entrega em suas adoráveis mãos com mais valor do que se fizéssemos qualquer sacrifício (23): “Aquele que diz conhecê-Lo e não guarda os seus mandamentos, é mentiroso (...) Mas quem guarda sua palavra, neste o amor de Deus é verdadeiramente perfeito. Nem sofrer o martírio, nem distribuir aos pobres todos os bens, têm mérito algum, se não se ordenam ao cumprimento da vontade divina” (24).
Aí está bem focalizado o convite à prática da obediência que nos é feito na Liturgia deste 21º Domingo do Tempo Comum: na primeira Leitura, com as palavras de Josué: “Quanto a mim e à minha família, nós serviremos ao Senhor” (Js 24, 15), obtendo do povo a resposta: “Nós também serviremos ao Senhor, porque Ele é nosso Deus” (24,18); também na epístola de Paulo: “Submetei-vos uns aos outros, no temor de Cristo (...) Cristo também é a cabeça da Igreja, seu Corpo (...) como a Igreja se submete a Cristo (...) como Cristo também amou a Igreja e Se entregou por ela” (Ef 5, 21-25); e, sobretudo, no Evangelho, a propósito da fé, causando-nos perplexidade aquela apostasia de “muitos discípulos”, que se recusaram a crer e, em consequência, a obedecer.
Excelente ocasião de um exame de consciência para quem vive em nossa época, que deve se perguntar: qual o grau de fé e de submissão a Deus, à Igreja e ao Evangelho, do homem dos tempos presentes?
1)       Suma Teológica III, q. 75, a. 1.
2)       Idem, a. 4.
3)       Id. ibid.
4)       Cfr. Suma Teológica III, q. 76, a. 4.
5)       Id., a. 1.
6)      Apud São Tomás de Aquino, Catena Áurea.
7)       Evangelho de São João comentado por Santo Agostinho, Gráfica de Coimbra, Coimbra, 1954, pp. 266267.
8)       Suma Teológica III, q. 73 a.3 ad 2.
9)      CIC, n. 2.837.
10)   Serm. 58, en la oct. del Corp., in Obras del Beato Avila, BAC, Madrid, t. 2, p. 921.
11)      Id. p. 922.
12)   “O cristão é um outro Cristo”.
13)    Cfr. Suma Teológica, III, q. 79, art. 1 a 6. 1
14)    “Operando por si mesmo”.
15)   Suma Teológica, II-II, q. 123.
16)   S. João Crisóstomo, apud S. Tomás de Aquino, Catena Aurea.
17)   Cfr. Evangelho de São João comentado por Santo Agostinho, Coimbra, Gráfica de Coimbra, 1954, vol. II, p. 269.
18)   ) Op. cit. p. 449.
19)    Bíblia Comentada, BAC, Madrid, 1964, v. II, pp. 1.116-1.117.
20)  Cfr. op. cit. p. 272.
21)   Cfr. Suma Teológica II-II, q. 104 a.4 ad 3.
22)   Id. a. 1 e 4.
23)   Id. a. 3 ad 1.
24)   Id.. a. 3.



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