Conclusão dos comentários ao Evangelho 21º domingo do Tempo Comum – Jo 6,60-69 – Ano B
Antídoto contra o pecado e
fortaleza para a luta
Além
disso, a Eucaristia é um grande antídoto contra o pecado, pois, segundo São
Tomás de Aquino, além de nos conferir a graça, ela — que contém o Autor da
graça, Cristo Jesus — aumenta em nós a caridade; diminui a concupiscência; por
conseguinte, aumenta a devoção, perdoa os pecados veniais; etc. (13).
Esse
Sacramento produz seus frutos, na alma que o recebe, “ex opere operato” (14).
Entretanto, seus efeitos podem ser excelentes em maior ou menor grau,
dependendo das disposições com as quais é recebido. Se a preparação interior
for ótima, melhor será seu aproveitamento.
O
rompimento e renúncia explícita a tudo quanto possa inclinar-nos ao pecado
constitui condição essencial para obtermos a plenitude das graças conferidas
pela Comunhão Eucarística.
Por
outro lado, não devo me perturbar por causa de minhas debilidades e
imperfeições, pois elas não me impedem de me aproximar da Sagrada Mesa, mas,
pelo contrário, o Pão Vivo me dará fortaleza para a luta. Quer se trate de um
vaidoso, um arrogante, um preguiçoso ou um tíbio, na Eucaristia ele encontrará
a inspiração e a energia para trilhar o bom caminho.
Aliás,
em nossa vida espiritual não são poucos os combates que devemos enfrentar
contra o demônio, o mundo e a carne: “Requer-se a fortaleza do espírito para
resistir a semelhantes dificuldades, do mesmo modo como o homem supera e
repele, pela fortaleza corporal, os obstáculos materiais” (15).
Ora,
onde buscar esse fortalecimento senão na Eucaristia? O salutaris Hostia (...)
Bella premunt hostilia. Da robur, fer auxilium — canta tão belamente o imortal
hino eucarístico: “Ó Hóstia Salvadora (...) Os inimigos premem-nos com hostilidades.
Dai-nos resistência, trazei-nos ajuda!”
63b As
palavras que vos falei são espírito e vida.
“Ou
seja — comenta São João Crisóstomo — elas são totalmente espirituais, nada têm
de carnal, nem estão sujeitas aos efeitos naturais, e são isentas de qualquer
necessidade terrena e de todas as leis desta terra.” (16)
IV – Crer para Ser vivificado
64Mas entre vós há alguns que não creem”. Jesus
sabia, desde o início, quem eram os que não tinham fé e quem havia de
entregá-lo.
Um dos
melhores comentários a este versículo é feito por Santo Agostinho. Afirma ele
que Jesus não se referiu à falta de entendimento, por querer denunciar
diretamente a causa, ou seja, a ausência de fé nesses “alguns”. Com muita
lucidez demonstra que não pode ser vivificado quem resiste à fé. E, como consequência,
torna-se obtuso de entendimento:
“Quem
não adere, resiste; quem resiste, não crê. E como pode ser vivificado quem
resiste? (...) Creiam e seus olhos serão abertos; abram-se os olhos e serão
iluminados” (17).
Sobre
quem esse “alguns de vós” se referia, diz Maldonado: “A mim, no entanto, me
agrada mais a opinião de Crisóstomo, que estende a todos os discípulos e
ouvintes o alcance da queixa de Cristo, mas excetua deste número os apóstolos,
apoiando-se no sentido geral da polêmica, que obriga a considerar Cristo em
confronto com os que se tinham ofendido com suas palavras” (18).
Segundo
alguns autores, ao afirmar João que Jesus “sabia desde o princípio”, quis
referir-se ao conhecimento eterno d’Ele como Segunda Pessoa da Santíssima
Trindade. Outros, porém, interpretam de forma diferente e julgam ter João
indicado pela palavra “princípio” o momento que precedeu às murmurações entre
os ouvintes.
65E acrescentou: “É por isso que vos disse:
ninguém pode vir a mim, a não ser que lhe seja concedido pelo Pai”.
Quem,
com precisão e síntese, comenta estes dois versículos é Frei Manuel de Tuya,
OP: “Mas esses ensinamentos de Cristo não encontraram em ‘muitos’ de seus
discípulos a atitude de fé e submissão requeridas. E as palavras que eles
qualificaram de ‘duras’ lhes endureceram a vida. E não ‘creram’ n’Ele.
Abandonaram Cristo ‘desde então’ — seja no sentido causal (Jo 19, 12), seja no
temporal (Jo 19, 27), embora ambos os sentidos aqui se unam, porque, sendo
‘então’ ou ‘desde então’, foi precisamente ‘por causa disto’. Num instante
romperam com Ele, retrocederam, e já ‘não O seguiam’” (19).
Jesus põe à prova os Apóstolos
67Então, Jesus disse aos doze: “Vós também
vos quereis ir embora?”
Há um
determinado momento da caminhada para o Reino em que se torna necessário, de
nossa parte, uma adesão consciente e explícita.
Jesus,
com uma delicadeza divina, coloca ante seus Apóstolos o problema. Compreendia
Ele o quanto agrada ao homem o apoio de suas amizades, mas discernia, de outro
lado, a firme decisão previamente tomada por eles de O seguirem, o que Lhe
permitia fazer essa pergunta para lhes tornar explícita a adesão à sua Pessoa.
A resposta de Pedro
68Simão Pedro respondeu: “A quem iremos,
Senhor? Tu tens palavras de vida eterna.
Uma vez
mais, São Pedro toma a palavra para, interpretando o desejo de todos, responder
ao Divino Mestre. Tertuliano afirmará mais tarde: “Anima humana naturaliter
christiana”. De fato, consciente ou inconscientemente, quando procuramos obter
bens que nos trarão felicidade, é a Cristo que nós buscamos. Ninguém, como Ele,
tem palavras de vida eterna. A esse propósito comenta Santo Agostinho que, de
forma implícita, Pedro pede a Jesus para lhes conceder outro Ele mesmo, no caso
de mandá-los embora.
Belo
exemplo para nós, segundo São João Crisóstomo, ao vermos nossos irmãos
abandonarem a Fé. Ainda que restemos poucos ou fiquemos até mesmo sozinhos,
devemos permanecer na plena fidelidade, pois quem ou o que nos dará felicidade
fora de Cristo?
69Nós cremos firmemente e reconhecemos que
tu és o Santo de Deus”.
Santo
Agostinho ressalta que Pedro, primeiramente, manifesta sua crença (“acredita”),
para, em seguida, dizer que, por causa dela, entende (“sabe”). Segundo o Bispo
de Hipona, se fosse ao contrário, não conheceria e nem acreditaria (20).
Essa
declaração de Pedro é uma síntese de nossa Fé: “Jesus Cristo é o Filho de Deus
vivo” e, evidentemente, aceitando-se o que Ele ensina, chega-se à plenitude
dessa virtude.
V – A virtude da obediência
Sendo
Deus o Senhor de toda a Criação, os seres inteligentes — anjos e homens — têm a
obrigação de reconhecer, amar e servir esse senhorio. Os inanimados assim
procedem fisicamente, e os irracionais, de forma instintiva. Ele é Senhor de
todas as nossas faculdades e, sobretudo, de nosso entendimento e vontade. Daí
ter afirmado São João da Cruz que no entardecer desta vida seremos julgados
segundo o amor, pois estamos obrigados a querer o que Deus deseja que queiramos
(21).
Ora, na
ordem do universo está incluída a vontade do homem a qual, livremente, deve
estar em harmonia com a de Deus através da virtude da obediência (22). Esta
última não é uma virtude superior às teologais: Fé, Esperança e Caridade.
Entretanto, é um meio veloz para unirmo-nos a Deus e sermos agradabilíssimos a
Ele. Através dela fazemos uma entrega em suas adoráveis mãos com mais valor do
que se fizéssemos qualquer sacrifício (23): “Aquele que diz conhecê-Lo e não
guarda os seus mandamentos, é mentiroso (...) Mas quem guarda sua palavra,
neste o amor de Deus é verdadeiramente perfeito. Nem sofrer o martírio, nem
distribuir aos pobres todos os bens, têm mérito algum, se não se ordenam ao
cumprimento da vontade divina” (24).
Aí está
bem focalizado o convite à prática da obediência que nos é feito na Liturgia
deste 21º Domingo do Tempo Comum: na primeira Leitura, com as palavras de
Josué: “Quanto a mim e à minha família, nós serviremos ao Senhor” (Js 24, 15),
obtendo do povo a resposta: “Nós também serviremos ao Senhor, porque Ele é
nosso Deus” (24,18); também na epístola de Paulo: “Submetei-vos uns aos outros,
no temor de Cristo (...) Cristo também é a cabeça da Igreja, seu Corpo (...)
como a Igreja se submete a Cristo (...) como Cristo também amou a Igreja e Se
entregou por ela” (Ef 5, 21-25); e, sobretudo, no Evangelho, a propósito da fé,
causando-nos perplexidade aquela apostasia de “muitos discípulos”, que se
recusaram a crer e, em consequência, a obedecer.
Excelente
ocasião de um exame de consciência para quem vive em nossa época, que deve se
perguntar: qual o grau de fé e de submissão a Deus, à Igreja e ao Evangelho, do
homem dos tempos presentes?
1) Suma Teológica III, q.
75, a. 1.
2) Idem, a. 4.
3) Id. ibid.
4) Cfr. Suma Teológica III, q. 76, a. 4.
5) Id., a. 1.
6) Apud São Tomás de
Aquino, Catena Áurea.
7) Evangelho de São João comentado por Santo
Agostinho, Gráfica de Coimbra, Coimbra, 1954, pp. 266267.
8) Suma Teológica III, q. 73 a.3 ad 2.
9) CIC, n. 2.837.
10) Serm. 58, en la oct. del
Corp., in Obras del Beato Avila, BAC, Madrid, t. 2, p. 921.
11) Id. p. 922.
12) “O cristão é um outro
Cristo”.
13) Cfr. Suma Teológica, III, q. 79, art. 1 a 6. 1
14) “Operando por si mesmo”.
15) Suma Teológica, II-II,
q. 123.
16) S. João Crisóstomo, apud
S. Tomás de Aquino, Catena Aurea.
17) Cfr. Evangelho de São
João comentado por Santo Agostinho, Coimbra, Gráfica de Coimbra, 1954, vol. II,
p. 269.
18) ) Op. cit. p. 449.
19) Bíblia Comentada, BAC, Madrid, 1964, v. II,
pp. 1.116-1.117.
20) Cfr. op. cit. p. 272.
21) Cfr. Suma Teológica
II-II, q. 104 a.4 ad 3.
22)
Id. a. 1 e 4.
23)
Id. a. 3 ad 1.
24)
Id.. a. 3.
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