Comentários ao Evangelho Natal do Senhor ( Missa da Vigília) – Mt 1,
1-15
Davi gerou Salomão, daquela que tinha
sido mulher de Urias. Salomão gerou Roboão; Roboão gerou Abias; Abias
gerou Asa; 8Asa gerou Josafá; Josafá gerou Jorão. Jorão gerou Ozias; 9Ozias
gerou Jotão; Jotão gerou Acaz; Acaz gerou Ezequias; 10Ezequias gerou Manassés;
Manassés gerou Amon; Amon gerou Josias. 11Josias gerou Jeconias e seus irmãos,
no tempo do exílio na Babilônia.
12 Depois do exílio na Babilônia,
Jeconias gerou Salatiel; Salatiel gerou Zorobabel; 13Zorobabel gerou Abiud;
Abiud gerou Eliaquim; Eliaquim gerou Azor; 14Azor gerou Sadoc; Sadoc gerou
Aquim; Aquim gerou Eliud; 15 Eliud gerou Eleazar; Eleazar gerou Matã; Matã
gerou Jacó. 16 Jacó gerou José, o esposo de Maria, da qual nasceu Jesus chamado
o Cristo. 17Assim, as gerações desde Abraão até Davi são quatorze; de Davi até
o exílio na Babilônia, quatorze; e do exílio na Babilônia até Cristo, quatorze.
18 A origem de Jesus Cristo foi
assim: Maria, sua Mãe, estava prometida em casamento a José, e, antes de
viverem juntos, Ela ficou grávida pela ação do Espírito Santo.
19 José, seu marido, era justo e, não
querendo denunciá-I.a, resolveu abandonar Maria,em segredo. 20 Enquanto José
pensava nisso, eis que o Anjo do Senhor apareceu-lhe, em sonho, e lhe disse:
“José, Filho de Davi, não tenhas medo de receber Maria como tua esposa, porque
Ela concebeu pela ação do Espírito Santo. 21 Ela dará à luz um Filho e tu lhe
darás o nome de Jesus, pois Ele vai salvar o seu povo dos seus pecados”.
22 Tudo isso aconteceu para se
cumprir o que o Senhor havia dito pelo profeta: 23 “Eis que uma Virgem conceberá
e dará à luz um Filho. Ele será chamado pelo nome de Emanuel, que significa:
Deus está conosco”. 24 Quando acordou, José fez conforme o Anjo do Senhor havia
mandado: e aceitou sua esposa. 25 E sem ter relações com Ela, Maria deu à luz
um Filho. E José deu ao Menino o nome de Jesus (Mt I, I -25).
Ele veio
salvar os pecadores...
Ao apresentar a genealogia de Nosso
Senhor Jesus Cristo, São Mateus ressalta que o Verbo assumiu a carne da
humanidade pecadora para sanar todas as suas deficiências
A PREPARAÇÃO IMEDIATA PARA O NASCIMENTO
DE DEUS
Depois do período das quatro semanas do
Advento, a Missa da véspera do Natal do Senhor propicia que, na perspectiva da
comemoração da chegada do Menino Jesus à meia-noite, as graças já comecem a se
fazer sentir, enchendo de alegria os nossos corações. Estas graças,
distribuídas no mundo inteiro em torno do altar, quando Ele vem até nós todos
os dias na Eucaristia, tornam-se mais intensas nesta grande Solenidade na qual
celebramos, litúrgica e misticamente, o Verbo que se fez carne entre nós,
jubiloso acontecimento que nos é anunciado pelo cântico dos Anjos.
Devemos, portanto, arder do desejo de
que o Divino Infante venha não apenas ao Presépio da Gruta de Belém, mas ao
nosso interior para aí estabelecer sua morada, e que Ele também possa nascer, o
quanto antes e de maneira eficaz, no fundo da alma de cada um dos habitantes da
Terra, realizando o que Ele próprio nos ensinou a pedir na oração perfeita,
repetida pela Igreja ao longo de dois mil anos: “venha a nós o vosso Reino;
seja feita a vossa vontade, assim na Terra como no Céu” (Mt 6, 10).
UM DEUS DE ASCENDÊNCIA HUMANA
Qual o momento histórico escolhido por
Deus para Se encarnar?
Segundo São Tomás de Aquino,1 não
convinha que o Salvador viesse logo depois da queda de Adão e Eva no Paraíso.
Uma vez que a raiz do pecado foi a soberba, era mister que o homem, humilhado
diante do espetáculo de sua miséria, reconhecesse a necessidade de um
libertador, porque se recebesse de imediato o remédio teria desprezado o
Criador, ignorando sua enfermidade. Acrescenta ainda o Doutor Angélico2 que
também não seria adequado adiar a Encarnação até o fim do mundo, para não
desaparecer totalmente da face da Terra o conhecimento e a reverência devida a
Deus, bem como a honestidade dos costumes.
A plenitude dos tempos
Concluímos então que, como “Deus tudo
definiu segundo sua sabedoria”,3 Cristo nasceu na “plenitude dos tempos” (Gal
4, 4), no auge da História, na época reservada para Ele por ser a mais oportuna
e a mais necessitada. E, pois, em função d’Ele, e não apenas observando um
critério cronológico, què se dividem as eras e tudo se organiza e se ajusta.
Dado que o agir da Providência sobre o mundo se cifra em governar tendo em vista
sua própria glória e a salvação dos homens, o papel de Nosso Senhor, enquanto
Salvador, O põe mais ainda no centro dos acontecimentos.
Esta missão de Jesus, exercida numa
determinada quadra histórica, é posta em especial destaque pela primeira parte
do Evangelho — irrelevante na aparência — que a Santa Igreja propõe à nossa
consideração nesta Vigília. Tendo já explicado em detalhe os versículos 18-25
desta passagem no artigo precedente a este,4 limitar-nos-emos a comentar os
versículos 1-17.
Deus e Homem numa só Pessoa
1a Livro da origem de Jesus Cristo...
Um dos principais mistérios da nossa Fé
é a união da natureza divina com a humana na Pessoa única do Verbo. Jesus é
verdadeiramente Homem, com inteligência, vontade e sensibilidade, além de ter
assumido um corpo padecente; e é plenamente Deus, Segunda Pessoa da Santíssima
Trindade. Em virtude da união hipostática, foi comunicada à humanidade de
Cristo, tanto à Alma quanto ao Corpo, a santidade menada, substancial e
infinita do Filho de Deus, como ensina o Apóstolo: “Nele habita corporalmente
toda a plenitude da divindade” (Col 2, 9). Por essa graça de união, seu Corpo é
adorável, e até mesmo os ossos, os cabelos ou as unhas d’Ele, tudo é divino!
Ora, parece desnecessário expor toda a
ancestralidade de Nosso Senhor Jesus Cristo desde Abraão, enumerada com cuidado
exímio pelo Evangelista, se já sabemos quem Ele é. Para que considerar a
natureza humana do Messias, uma vez que o princípio ativo de sua concepção no
seio de Maria é o próprio Espírito Santo5 e que, portanto, sua geração é obra
divina? Porque incluir esta relação dos antepassados de Jesus, semelhante a um
registro de tabelião? Tudo na Sagrada Escritura tem sua razão de sabedoria e
foi o Espírito Santo quem inspirou São Mateus a assim escrever, como também São
Lucas, o qual, ao contrário do método usado pelo primeiro, parte de São José e
remonta até Adão (cf. Lc 3, 23-38).
Quando a Igreja Católica começou a se
expandir pela pregação dos Apóstolos, ao ensinar a doutrina era indispensável
preparar muito bem os neófitos. Enquanto hoje as verdades da Religião nos são
apresentadas com toda naturalidade, naquele tempo, defender certos conceitos
parecia um absurdo. A alguns era fácil admitir que o Salvador fosse Homem;
enquanto a outros, como os judeus convertidos, a fé os levava a receber
prontamente o dogma da divindade de Nosso Senhor. O grande problema estava em
aceitar que Ele fosse Homem e Deus ao mesmo tempo! E surgiam, nos primeiros
séculos, questões profundas a esse respeito e objeções contra a Pessoa de Jesus
que perturbavam aquela gente, a quem os Apóstolos tinham de instruir: “Será
Homem?”; “Onde nasceu Ele?”; “De quem é Filho?”; “Como pode Deus ser Filho de
uma mulher?”; “De onde Lhe advém tanta força?”.
A intenção de São Mateus foi, pois,
mostrar, sublinhar e ressaltar a humanidade de Cristo, provando por essas
quarenta e duas gerações que Ele é Homem, nascido de mulher. Homem com
genealogia, Homem filho de Adão e de Eva, possuindo a natureza humana íntegra,
concebido na carne, mas por mão de Deus, de modo completamente milagroso e
inefável. Desta forma, Nossa Senhora, mera criatura, por ter dado seu
consentimento e ter fornecido a matéria para a formação do Corpo de Jesus, é
Mãe de Deus.
O simbolismo dos números
O número quarenta e dois é simbólico,
pois, na verdade, estas gerações abrangem uma enorme faixa de tempo — em torno
de uns 2130 anos, segundo Fillion6 — e devem ter sido muito mais. O Evangelista
as divide em três conjuntos de quatorze: a partir de Abraão até Davi, de Davi
até o exílio da Babilônia, e deste até o Messias. “Os judeus gostavam de
dividir suas genealogias em grupos mais ou menos fictícios, conforme cifras
místicas fixadas de antemão”.7 Neste caso, se explica a escolha de quatorze
pelo fato de ser duas vezes sete, número tido na literatura judaica como o
algarismo simbólico de multiplicidade, de universalidade e de perfeição. Assim,
o número perfeito duplicado se repete três vezes, porque três é também um
número de perfeição.8 A este respeito é interessante a aplicação de São
Remígio: “Dividiu as gerações em séries de quatorze cada uma, porque o número
dez significa o Decálogo, e o número quaternário os quatro livros do Evangelho,
mostrando nisto a conformidade da Lei com o Evangelho, e repetiu três vezes o
número quatorze para nos ensinar que a perfeição da Lei, da profecia e da graça
consiste em crer na Trindade Santa”.9
Outra interpretação proposta pelos
exegetas baseia-se no intuito que animava o primeiro Evangelista de provar a
ascendência davídica de Jesus, pois, “o número quatorze tinha a vantagem de
encerrar eminentemente o sete, número sagrado, e de representar o valor
numérico do nome de Davi, verdadeira fonte desta genealogia” 10 Com efeito,
“dado que as letras hebraicas têm, além do significado verbal, outro numérico,
resulta que o nome das letras de Davi em algarismos é o seguinte: Davi = 4+6+4,
cuja soma dá quatorze”.11
O depositário da promessa feita a Abraão
1b …filho de Davi, filho de Abraão.
2aAbraão gerou Isaac; Isaac gerou Jacó,..
Tendo Deus amaldiçoado a serpente logo
após a queda de Adão e Eva, prometeu-lhes enviar um Salvador (cf. Gn 3, 15),
sem ainda fazer uma aliança concreta com eles. Expulsos do Paraíso, durante sua
longa existência nossos primeiros pais viram o drama se estabelecer na face da
Terra, a partir do fratricídio perpetrado por Caim contra seu irmão Abel, bem
como todas as desgraças que depois se abateram sobre a humanidade, decorrentes
de um mal de que eles mesmos eram os culpados: o pecado!
Somente mais tarde firmará Deus uma
aliança com Abraão, anunciando-lhe uma descendência mais numerosa que as
estrelas do céu e as areias do mar (cf. Gn 15, 18; 22, 17). A primeira vista,
pareceria tratar-se aqui de uma posteridade quanto ao sangue, mas, na
realidade, ao fazer tal juramento, Deus prometia a Abraão sobretudo filhos na
linha sobrenatural, pois de sua estirpe nasceria um Varão extraordinário, o
Salvador esperado. Por isso, ao descrever a ascendência de Jesus, São Mateus
começa, muito a propósito, no santo patriarca e conclui dizendo:
16Jacó gerou José, o esposo de Maria,
da qual nasceu Jesus, que é chamado o Cristo.
Cristo era justamente o Desejado, vindo
para redimir. Excogitar um Deus que se faz Homem supera de tal modo qualquer
inteligência — até angélica — que se não fosse a revelação feita pelo próprio
Nosso Senhor, nem sequer entraria na especulação dos judeus. Todavia, este
insólito acontecimento veio a suceder.
Quatro mulheres estrangeiras
2b…Jacó gerou Judá e seus irmãos. 3a
Judá gerou Farés e Zara, cuja mae era Tamar.[…] 5ª Salmon gerou Booz, cuja mãe
era Raab. Booz gerou lobed, cuja mãe era Rute. […]6b Davi gerou Salomão,
daquela que tinha sido mulher de Urias.
Em contraposição à destacada referência
a Abraão, patriarca do povo eleito, chama a atenção o fato de São Mateus
inserir quatro mulheres estrangeiras dentro dessas quarenta e duas gerações:
Tamar, que provavelmente era cananeia; Raab, também cananeia; Rute, a moabita;
e Betsabeia, mulher do hitita Urias, a qual tudo indica que fosse da mesma
origem do marido. Conforme a opinião do padre Manuel de Tuya,12 o intuito do
Evangelista era sugerir, de maneira indireta, o caráter universal da Encarnação
e da Redenção, e de toda a obra messiânica, não circunscrita aos judeus, mas
que abarcava as nações pagãs.
Uma genealogia de pecadores
Torna-se praticamente impossível
comentar no reduzido espaço de um artigo a genealogia completa. Escolhamos,
portanto, um aspecto para maior proveito de nossa vida espiritual. Dentro desta
sequência surpreende um ponto, que vai contra um perfeccionismo mal entendido.
Segundo este, a linha gem de Nosso Senhor deveria ser a mais elevada e mais
excelente em matéria de virtude. Porém, ao analisar alguns nomes à luz da
História Sagrada, o número e a gravidade dos seus pecados nos arrepiam.
Um patriarca dominado pela inveja
2b …Jacó gerou Judá e seus irmãos. 3a
Judá gerou Farés e Zara, cuja mãe era Tamar.
Judá, um dos doze filhos do patriarca
Jacó, deu origem à principal tribo do povo hebreu e é um dos mais ilustres
ancestrais de Jesus. Ora, foi por inveja de seu jovem irmão José que ele
cometeu um grande crime. Urdiu com todos os outros irmãos a trama para fazer
desaparecer o inocente José. Judá apenas defendeu a vida do menino, mas não sua
liberdade; pelo contrário, teve inclusive a ideia de vendê-lo como escravo a
mercadores ismaelitas (cf. Gn 37, 26-27).
Também, é conhecido o desagradável
episódio ocorrido entre ele e sua nora Tamar, a qual, por meios fraudulentos,
lhe deu dois filhos, Farés e Zara (cf. Gn 38, 13-30), nomeados igualmente no
Evangelho de hoje.
Uma mulher de maus costumes
5a Salmon gerou Booz, cuja mãe era
Raab.
O mesmo observamos no caso de Salmon,
príncipe dos judeus, casado com a cananeia Raab, mulher de péssimos costumes
dos tempos de Josué (cf. Js 2, 1-21). Para tomar posse da Terra Prometida era
imprescindível aos israelitas a conquista da cidade de Jericó, considerada
inexpugnável. De fato, eles não podiam negligenciar esta fortaleza e seguir
adiante, porque seriam atacados pela retaguarda. Josué, então, mandou dois
espiões para examinar as possibilidades de dominar a cidade. Estes foram
protegidos e bem informados por essa mulher, que habitava numa casa sobre as
muralhas, com a condição de ser salva junto com toda sua família quando os
judeus assaltassem Jericó.
Tendo chegado à residência de Raab
emissários do rei de Jericó à procura dos exploradores que lá se hospedavam,
ela os escondeu em meio às palhas de linho que tinha no terraço e os fez descer
pela janela, servindo-se de uma corda. Por esta razão, quando o Senhor entregou
Jericó nas mãos de Josué, a mulher e seus parentes foram poupados da morte e
ela passou a morar no seio de Israel (cf. J5 6, 25). “Justificada pelas obras”
(Tg 2, 25), Raab, embora estrangeira, abraçou a verdadeira Religião e desposou
Salmon, de quem nasceu Booz, bisavô do rei Davi.
Dois pecados terríveis reunidos num rei
santo
6b Davi gerou Salomão, daquela que tinha
sido mulher de Urias.
A Sagrada Escritura ressalta que o rei
Davi gerou Salomão, daquela que foi mulher de Urias: Betsabeia. Urias era um
famoso general dos exércitos de Davi. Enquanto ele se achava em campanha, o
rei, que ficara em Jerusalém, cometeu adultério com Betsabeia, a qual concebeu
um filho. Tendo chamado o militar à Cidade Santa, para que sua presença
justificasse os fatos, e não sendo bem sucedido em seu intento, o rei enviou,
então, uma carta ao comando militar, ordenando que pusessem Urias no lugar mais
arriscado do combate, a fim de que fosse ferido e viesse a morrer. Executada
sua determinação, Urias tombou heroicamente na batalha, como era de se prever,
e Davi, avisado do ocorrido, acolheu Betsabeia como esposa. O profeta Natã
repreendeu o soberano, anunciando-lhe que o menino nascido daquele pecado
morreria, e foi o que sucedeu. Contudo, Davi teve com ela um segundo filho, ao
qual chamou Salomão (cf. TI Sm 11—12, 1-24). É verdade que este não foi o fruto
do crime, mas Deus poderia evitar que um antepassado de Jesus fosse filho de
Betsabeia, reservando tal honra a outra mulher. Não! Ele permitiu essa
infidelidade de um rei santo e quis que o Messias proviesse da descendência
dela.
Uma sequência de reis prevaricadores
7a Salomão gerou Roboão; […] 9b Jotão
gerou Acaz; Acaz gerou Ezequias; 10a Ezequias gerou Manassés; Manassés gerou
Amon.,,
O rei Salomão, galardoado por Deus com
o dom da sabedoria, decaiu a ponto de se relacionar com numerosas mulheres
pagãs, até acabar, em certo momento, ele mesmo entregue à idolatria (cf. I Re
11, 4-10). Uma de suas esposas, Naama, de origem amonita (cf. I Re 14, 21),
deu-lhe Roboão por filho, o qual herdou o reino.
Este jovem monarca “abandonou a Lei do
Senhor” (II Cr 12, 1), e durante seu reinado o povo de Judá edificou “para si
lugares altos, estelas e ídolos Asserás sobre todas as colinas e debaixo de tudo
que fosse árvore verde” (I Re 14, 23), para lhes oferecer culto. Igual
procedimento seguiram a maior parte dos reis de Judá que lhe sucederam.
Acaz, por exemplo, chegou a fazer
passar seu filho pelo fogo numa cerimônia em honra a Moloc, “segundo o abominável
costume dos povos que o Senhor tinha expulsado diante dos filhos de Israel” (II
Re 16, 3). Também ousou confiscar os bens e objetos sagrados do Templo para
dá-los de presente ao rei da Assíria e substituiu o altar de bronze por outro,
mandado construir conforme o modelo do altar de Damasco.
Manassés, neto de Acaz, foi ainda pior
que todos os seus antecessores, pois, além de adorar as divindades dos pagãos e
decair em horrorosos pecados de impureza e de magia, “derramou também tanto
sangue inocente, que inundou Jerusalém de uma extremidade a outra” (II Re 21,
16).
Amon, seu filho, seguiu as pegadas do
pai, prostrando-se diante dos falsos deuses (cf. II Re 21, 21) e mantendo,
inclusive, pessoas de má vida dentro do próprio Templo de Jerusalém, as quais não
apenas exerciam execráveis funções, mas teciam vestes para o ídolo Asserá (cf.
II Re 23, 7).
A lista de pecados cometidos por estes
reis infiéis poderia ser muito alongada. Não obstante, parecem suficientes os
fatos acima descritos para compreendermos a “qualidade” de alguns dos
ancestrais de Nosso Senhor Jesus Cristo, que São Mateus não julgou dever deixar
de lado na genealogia, e, por inspiração do Espírito Santo, mencionou
explicitamente.
FEZ-SE HOMEM PARA NOS DIVINIZAR
Ao constatar todas essas abominações
ficamos impressionados e logo nos perguntamos qual a razão de Deus as haver
tolerado. Por que teria o Salvador consentido e querido que na sua linhagem
constasse gente de vida dissoluta? Ele conhecia esses horrores desde toda a
eternidade e podia eliminá-los num instante.
Ele veio reparar e salvar
No entanto, não os eliminou e permitiu
sua realização para tornar mais clara a ação da Providência: Jesus, nascendo de
uma Virgem concebida sem pecado original, sob os cuidados de São José, varão
santíssimo, veio reparar as iniquidades de Adão e Eva, de todos os seus
antepassados e da humanidade inteira. Ele veio, sobretudo, para salvar os
pecadores e, admitindo-os na sua ancestralidade, quis dar a entender o quanto
Deus não aceita só os inocentes, como também os que incorrem em faltas.
“Ele veio à Terra” — diz São João
Crisóstomo — “não para fugir de nossas ignomínias, senão para tomá-las sobre
Si. [...] Não só é justo que nos maravilhemos de que Ele assumisse a carne e Se
fizesse Homem, mas de que Se dignasse ter tais parentes, sem em nada
envergonhar-Se de nossas misérias. Desde o berço, pois, proclamou que não Se
envergonha de nada do que é nosso”.13
Assim, Ele põe um ponto final nesse
encadeamento de misérias com uma glória extraordinária, porque se os homens
fossem perfeitos não se justificaria a Redenção, conforme canta a Igreja na
Liturgia da Páscoa: “Ó pecado de Adão indispensável, pois o Cristo o dissolve
em seu amor; ó culpa tão feliz que há merecido a graça de um tão grande
Redentor!”.14
Para ser perdoado, é mister reconhecer as
próprias miserias
Entre esses pecadores está Davi, que
por meio de um sublime arrependimento mereceu passar para a História como o
penitente.
Portanto, da nossa parte o que é
preciso? Humildade, reconhecimento dos próprios defeitos, pedido de perdão e
penitência. Devemos confiar na bondade infinita e no desejo de perdoar de Nosso
Senhor, pois nisso Ele Se alegra. Nunca desesperemos caso o pecado venha a
tisnar nossa vida, porque, ainda que tenhamos errado, se soubermos implorar misericórdia
e reparar a ofensa, daí sairão maravilhas, tal como da ascendência de Jesus
nasceu Deus! Se formos inteiramente inocentes, estejamos certos de que esta
inocência provém da graça; se cairmos em alguma falta, lembremo-nos de que
Nossa Senhora pode nos purificar, cobrindo-nos com seu manto e tornando-nos
capazes de obras grandiosas.
Quantos Padres e Doutores 15 comentam
o mistério de Deus Se ter feito Homem a fim de nos fazer deuses! Com efeito, é
o que se dá no instante em que as águas do Batismo são derramadas sobre nossa
cabeça: a natureza divina é infundida em nós.
Nosso coração, gruta inóspita na qual
Deus quer nascer
O Natal do Menino Jesus, máximo
acontecimento em toda a História da criação, vem penetrado pelo pensamento da
misericórdia, da bondade e do perdão concedido a quem pede. A Missa da Vigília,
que dá início à Solenidade, traz este ponto à nossa lembrança, apresentando-nos
uma genealogia na qual encontramos a marca do insuperável amor de Deus para com
a humanidade. Por isso permaneçamos na expectativa de sua chegada que se
verificará nesta noite santa. Ele nascerá liturgicamente, mas descerá também ao
coração de cada um de nós. Entretanto, nós não podemos dizer-Lhe: “Vinde agora,
Senhor, nascer dentro do palácio de meu coração!...”. Antes, para que Ele possa
vir com todo esplendor, é preciso que nossa alma se reconheça como é: uma gruta
fria, inóspita, oferecendo-Lhe apenas uma pobre manjedoura cheia de palha,
símbolo de nossa miséria e de nossas deficiências, escolhidas por Ele para ser
recebido e que tanto deseja transformar!
1) Cf. SÃO TOMÁS DE AQUINO. Suma
Teológica. III, q.1, a.5.
2) Cf. Idem, a.6.
3) Idem, a.5.
4) Cf. CLA DIAS, EP, João Scognamiglio.
Dois silêncios que mudaram a História. In: Arautos do Evangelho. São Paulo.
N.108 (Dez., 2010); p.10-17; Comentário ao Evangelho do IV Domingo do Advento —
Ano A, neste mesmo volume.
5) Cf. SÃO TOMÁS DE AQUINO, op. cit.,
q.32, a.2; a.3, ad 1.
6)Cf. FILLION, Louis-Claude. Vida de
Nuestro Señor Jesucristo. Infancia y Bautismo. Madrid: Rialp, 2000, v.1, p.172.
7) Idem, p.173.
8) Cf. TUYA, OF, Manuel de. Biblia
Comentada. Evangelios. Madrid: BAC, 1964, v.V, p.418; 878; SCHUSTER, Ignacio;
HOLZAMMER, Juan B. Historia Bíblica. Antiguo Testamento. Barcelona: Litúrgica
Española, 1934, tI, p.88-89; 586-587, nota 7; TUYA, OP, Manuel de; SALGUERO,
OP, José. Introducción a Ia Biblia. Madrid: BAC, 1967, v.11, p.37-38.
9) SÃO REMÍGIO, apud SÃO TOMÁS DE
AQUINO. Catena Aurea. In Matthæum, cI, v.17.
10) LE CAMUS, Emile. La vita di N S.
Gesù Cristo. 3.ed. Brescia: Vescovile Queriniana, 1908, v.1, p.130.
11) TUYA; SALGUERO, op. cit., p.38. No
alfabeto hebraico antigo não havia registro de vogais, além de receber cada
letra um valor numérico. E sendo o nome David — nr — escrito em hebraico com as
letras dalet (7) e waw (i), respectivamente com o valor de 4 e 6, somavam o
simbólico resultado de 14.
12) Cf. TUYA,
op. cit., p.24.
13) SÃO JOÃO CRISÓSTOMO. Homilía III,
n.2. In: Obras. Homilías sobre el Evangelio de San Mateo (1-45). 2.ed.
Madrid: BAC, 2007, vI, p.42.
14) VIGÍLIA PASCAL. Proclamação da Páscoa.
In: MISSAL ROMANO. Trad. Portuguesa da 2a. edição típica para o Brasil
realizada e publicada pela CNBB com acréscimos aprovados pela Sé Apostólica. 9.ed.
São Paulo: Paulus, 2004, p.275.
15) Cf. SANTO AGOSTINHO. Sermo CXCII.
In Natali Domini, IX, c.1, nl; SAO LEAO MAGNO. Sermo XXVI. In Nativitate
Domini, VI, c.2; SANTO IRINEU DE LYON. Contra hæreses. L.III, c.19, n.1; SANTO
ATANASIO DE ALEXANDRIA. Oratio De Incamatione Verbi, 54; SAO CIPRIANO DE
CARTAGO. Quod idola dii non Sint, 11; SANTO HILARIO DE POITIERS. De Trinitate.
L.IX, n.3; SAO GREGORIO NAZIANZENO. Oratio XL. In Sanctum Baptisma, n.45;
SAOCIRILO DE ALEXANDRIA. Thesaurus de Sancta et consubstantiali Trinitate.
Assertio XXIV; SAO TOMAS DE AQUINO. Officium Co1poris Christi “Sacerdos’ Vesp. I, lect.1.
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