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quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Comentários ao Evangelho XXX Domingo do Tempo Comum - Ano B - Mc 10, 46-52


Continuação dos comentários ao Evangelho XXX Domingo do Tempo Comum - Ano B Mc 10, 46-52,



46 Chegaram a Jericó. Ao sair Jesus de Jericó, com os seus discípulos e grande multidão, Bartimeu, mendigo cego, filho de Timeu, estava sentado junto ao caminho. 47 Quando ouviu dizer que era Jesus Nazareno, começou a gritar: “Jesus, Filho de Davi, tem piedade de mim!”
Segundo a narração de São Marcos, Jesus encontra-se em viagem rumo a Jerusalém, deixando atrás de si Cesaréia de Filipe, ao norte da Galiléia. Como nunca perdia um só segundo nem oportunidade, Ele aproveitará esse percurso para ir instruindo seus discípulos, a fim de torná-los aptos à grande missão que lhes caberá, uma vez fundada a Igreja. Ao iniciar-se essa caminhada, uma grande multidão se junta aos discípulos, sempre desejosa de assistir a mais algum milagre, ou de ouvir as maravilhas transbordantes dos lábios do Mestre. Como primeiro ato desse trajeto, está a cura de um cego. São Mateus (20, 29-34) narra o fato como tendo se passado com dois cegos, e não somente um. São Marcos diz-lhe o nome: Bartimeu, ou seja, “filho de Timeu”. Ademais, à diferença de São Mateus, acrescenta outros dados muito interessantes: o empenho das pessoas do povo em estimular o pobre cego a se aproximar de Jesus, logo após terem ouvido que o chamava. Como também a prontidão deste, ao lançar fora seu manto e saltar procurando acercar-se de Jesus. Mateus, por sua vez, afirma ter-se dado a cura quando Jesus tocou os olhos do cego, e Lucas (18, 35-43) menciona uma forma imperiosa empregada por Ele.
A conjugação das três narrativas nos dá um quadro minucioso do acontecido. O título de “Filho de Davi”, segundo bons autores, deve-se ao fato de já, a essa altura, estar difundida entre todos a noção — e da parte de alguns até a crença — de que Jesus era, verdadeiramente, o Messias. Descarta-se, portanto, a hipótese de que o cego (ou, segundo Mateus, os dois cegos), usando essa expressão, desejasse captar a benevolência de Jesus em favor de sua cura.
Há quem levante a hipótese de serem três os milagres efetuados por Jesus naquela ocasião, inteiramente distintos, cada um deles narrado por um desses três Evangelistas. Outros, porém — e é a quase a totalidade — julgam que os dados em comum idênticos tornam impossível não se tratar de um mesmo e único milagre.
E por que Marcos e Lucas fazem referência a um só cego? Uma boa maioria dos exegetas opina ser provável que os cegos eram dois, conforme Mateus indica, mas um deles devia ser muito conhecido, a ponto de Marcos tê-lo posto em cena com seu nome próprio.
Quanto ao lugar onde se teria dado o milagre, as explicações, se bem que diversas, visam fazer uma aproximação entre os Evangelistas, concluindo em favor de um único acontecimento.
48Muitos repreendiam-no para que se calasse. Mas ele cada vez gritava mais forte: “Filho de Davi, tem piedade de mim
Quase nunca faltam a essas cenas evangélicas os aspectos carregados de cores, característicos do Oriente. Os costumes, marcados por um temperamento borbulhante e nada retraído, se refletem tanto na atitude do cego Bartimeu como na reação da multidão contra os gritos dele. É interessante percorrer os comentários tecidos a esse respeito pelos santos e padres da Igreja, como São Beda, São Jerônimo, São João Crisóstomo e outros. Este último, por exemplo, assim se exprime: “Permitia Cristo que o repreendessem para que o desejo dele se acendesse mais. Daí podemos concluir que, qualquer que seja a forma de desprezo que caia sobre nós, podemos alcançar o que pedimos, desde que nos aproximemos de Cristo com autêntico desejo” (6).
Seja como for, essa disputa entre os acompanhantes de Jesus e o cego tem um lado pitoresco, muito próprio a uma sociedade orgânica, na qual nem se chegara a sonhar com um mundo dominado pela máquina. Nela, o relacionamento humano é não só intenso, mas constitui até a essência da vida comum e quotidiana. Todos querem tirar partido da presença de um homem incomum, transbordante de sabedoria e que multiplica bondosamente os milagres por onde passa. A multidão não deseja perder a menor oportunidade de vê-lo e ouvi-lo. A comitiva, ao se deslocar, evita ao máximo os empecilhos, para apanhar todos os comentários do Mestre, e a gritaria de um cego torna difícil seguir o fio das exposições. Contudo, para Bartimeu, era a única e exclusiva chance de sua vida. Assim, enquanto uns o repreendem, mais alto ainda ele grita.
Jesus, parando, disse: “Chamai-o”. Chamaram o cego, dizendo-lhe: “Tem confiança, levanta-te, Ele te chama.” Ele, lançando fora a capa, levantou-se de um salto e foi ter com Jesus.
A certa altura, o Salvador interrompe a marcha e manda chamar o cego. Segundo Mateus, Ele mesmo toma sobre si a iniciativa de fazê-lo aproximar-se. Marcos é mais preciso: Jesus, dando ordem à multidão, ao mesmo tempo impede, implicitamente, que continuem repreendendo o pobre Bartimeu. Com tais e tantos gritos, era evidente que Cristo já o ouvira, porém agradava-Lhe aquela insistência. É bem exatamente o que se passa conosco em nossas orações. Deus quer nossa constância. A determinação de Jesus criou uma expectativa na multidão, e essa reação psicológica transformou a anterior acidez em empenho de estimular o cego a encher-se de ânimo. Este — como sói acontecer com quem perde o sentido da visão — por instinto discerniu onde estava Aquele que tinha o poder de curá-lo e, num salto, a Ele se dirigiu, pouco se importando com seu próprio manto, lançando-o de lado.
Continua no próximo post

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