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quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Comentário ao Evangelho – XXV Domingo do Tempo Comum Ano B Mc 9, 30-37,


Um novo conceito de autoridade ( Continuação dos comentários ao Evangelho Mc 9, 30-37)

35“Sentando-se, chamou os Doze e disse-lhes: ‘Se alguém quer ser o primeiro, seja o último de todos e o servo de todos’”.

O Mestre conhecia bem aqueles que escolhera, pois, conforme comenta o padre Lagrange, Ele “não se espanta com a preocupação dos discípulos, nem contesta o princípio da hierarquia, mas insinua o espírito novo do qual deve estar animado quem tem cargo de direção. Há certamente aqui a previsão de outra ordem de coisas”.12

Com Suas palavras, Jesus não condena o desejo de obter a primazia, mas põe uma condição: para ser o primeiro, é preciso ser “o último de todos e o servo de todos”. Essa afirmação abria um panorama completamente novo para os Apóstolos, os quais compartilhavam do conceito de autoridade comum e corrente naquela época: quem é mais forte, mais capaz, mais inteligente, mais rico, ou mais esperto, esse manda e os outros obedecem.

Perante essa visão, Nosso Senhor declara qual é a regra de governo que deverá vigorar na Era Cristã: “O novo Reino que quero instaurar não será como os reinos da terra. O que deve animar Meus discípulos não é o espírito de ambição, a procura das grandezas. Pelo contrário, a primeira condição, a condição fundamental, para almejar o primeiro posto no Reino messiânico é a humildade, o menosprezo das honras, o desinteresse de quem se esquece de si mesmo para dedicar-se ao serviço dos irmãos”.13

Humildade, menosprezo das honras, desinteresse por si mesmo e dedicação aos irmãos: são estas as características de quem deve mandar de acordo com o espírito de Jesus. É a precedência da virtude e da inocência na sociedade. Nada mais oposto à ira, à inveja e às rivalidades que tanto atormentam o homem depois do pecado original!

A esse respeito, transcreve o padre Maldonado expressivo comentário do Bispo e mártir São Cipriano: “Com Sua resposta, cortou Jesus qualquer emulação e extirpou toda ocasião e pretexto da mordaz inveja. Não é lícito ao discípulo de Cristo ter essas rivalidades e invejas, nem pode existir entre nós peleja para sobressair-se, pois aprendemos que o caminho para a primazia é a humildade”.14

Convém notar, por fim, que Jesus “sentou-Se” antes de fazer esta solene declaração, “como para julgar no Seu Tribunal e ensinar aos Apóstolos, da Sua Cátedra, algo grave e importante que merecia ser dito não de pé e como que de passagem, mas sentado e de propósito, com plena advertência e consideração”.15

Governar em função da inocência

36“E tomando um menino, colocou-o no meio deles; abraçou-o...”.

Comentam extensamente os exegetas este episódio no qual Jesus chama para junto de si uma criança, relacionando-o com a narração de São Lucas, que no final do seu relato reproduz estas palavras do Salvador: “Pois quem dentre vós for o menor, esse será grande” (Lc 9, 48).

As crianças estão isentas de inveja e vanglória

Ressalta-se, em geral, como o Divino Mestre serve-Se deste eloquente recurso pedagógico para fazer ver aos discípulos, cegos pelo desejo de supremacia, a necessidade de serem simples e humildes. Pois, como observa o Crisóstomo, “o menino está isento de inveja, de vanglória e de qualquer ambição de primazia”.16

Por sua vez, Beda o Venerável ressalta o quanto Deus tem em alta estima a virtude da humildade: “Pelo qual, ou simplesmente aconselha aos que querem ser os primeiros que recebam, em honra dEle, os pobres de Cristo, ou que sejam como meninos, a fim de conservarem a simplicidade sem arrogância, a caridade sem inveja e a dedicação sem ira. O fato de abraçar o menino significa que os humildes são dignos de Seu abraço e de Seu amor”.17

Mostra assim Jesus, neste episódio, quanto o verdadeiro discípulo não deve estar preocupado se será, ou não, maltratado, esquecido, posto de lado. Ele precisa apresentar-se sem qualquer pretensão, nem orgulho, mas, pelo contrário, admirando as qualidades alheias. Quem assim age será o primeiro a receber a misericórdia de Deus. Aquele que se tem por último e se considera o menor será quem mais recebe da Divina Providência.

Pode-se conjecturar a profunda perplexidade dos Doze naquele momento. Queriam eles ocupar posição de destaque, Jesus aponta-lhes a necessidade de procurar o último lugar. Aspiravam a um reino messiânico glorioso, Jesus alerta-os sobre Sua Paixão e morte na Cruz... O choque de mentalidades vai-se tornando cada vez mais patente. Porém, tudo é dito com doçura, sem acrimônia, no momento oportuno, de forma a que as divinas palavras do Mestre penetrem beneficamente nos espíritos. Manifesta Ele aqui, uma vez mais, a admirável e delicada arte de corrigir, que servirá de modelo a todos quantos tiverem o encargo da direção das almas.

Continua no próximo post.

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