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sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Comentário ao Evangelho – 25º Domingo do Tempo Comum Ano B Mc 9 30-37,

Comentário final ao Evangelho Mc 9, 30-37


Jesus externa seu amor por quem jamais pecou
“...e disse-lhes: 37 ‘Todo o que recebe um destes meninos em Meu nome, a Mim é que recebe; e todo o que recebe a Mim, não Me recebe, mas Aquele que Me enviou’”.
Embora os Evangelistas sejam muito sintéticos ao narrar esta passagem, podemos bem imaginar o quanto Nosso Senhor deve ter-Se demorado com esse menino, fazendo belíssimas considerações sobre a infância. Podemos supor também com quanto ardor elogiou sua humildade e desprendimento, pondo em realce as virtudes próprias a quem jamais pecou.
Transparece assim, neste último versículo do Evangelho hoje comentado, todo o amor de Jesus pela inocência, representada na criança por Ele abraçada. Esse menino — o futuro mártir Santo Inácio de Antioquia, segundo refere Eusébio de Cesareia18 — simboliza a pessoa que se entrega a Deus, sem reservas nem racionalizações, com reta intenção.
Cristo é modelo de inocente, enquanto Homem, e a Inocência em essência, enquanto Deus. Ele chama para junto a Si aquela criança porque, como ensina São Leão Magno, “ama a infância, mestra de humildade, norma de inocência, modelo de mansidão. Cristo ama a infância, sobre a qual quer modelados os costumes dos adultos, e à qual quer reconduzida a idade senil; e leva a seguir seu humilde exemplo àqueles que depois eleva ao Reino eterno”.19
Sobre este versículo, comenta o Crisóstomo: “E acrescenta ‘em Meu nome’ para que os discípulos, guiados pela razão, adquiram em nome de Cristo a virtude que o menino pratica guiado pela natureza. Entretanto, para não se pensar que Ele se referia só àquele menino quando ensinava que Ele era honrado nos meninos, acrescenta: ‘E todo o que recebe a Mim, não Me recebe, mas Aquele que Me enviou’, etc., querendo ser considerado em grau igual ao de Seu Pai”.20
Todo o que recebe um destes meninos em Meu nome, a Mim é que recebe”. Jesus mostra-se assim igual ao Pai, indicando, ao mesmo tempo, que quem recebe o inocente, o afaga e o protege, abraça na realidade ao próprio Deus.
Nessa perspectiva, lembra Maldonado que São Marcos “aduz esta razão em lugar da conclusão posta por São Mateus: Em verdade vos digo que, se não vos converterdes e vos tornardes como crianças, não entrareis no Reino dos Céus. Prova-se implicitamente esta conclusão com o que diz aqui São Marcos, que ninguém entrará no Reino de Deus se não for semelhante a Deus. Nenhuma coisa manchada poderá entrar naquela cidade (como escreve São João no Apocalipse, 21, 27). Não podeis ser semelhantes a Deus se não O recebeis; e não O podeis receber se não Me recebeis, a Mim que fui enviado pelo Pai. E não Me podeis receber se não recebeis em Meu nome os meninos e não vos assemelhais a eles. Portanto, se não vos converterdes e vos tornardes como meninos, não entrareis no Reino dos Céus”.21
Uma nova forma de governar e se relacionar
De acordo com o espírito do Evangelho, pouco antes declarado pelo Divino Mestre, quem quiser ter autoridade deve estar disposto a servir. Jesus acaba de ensinar aos Apóstolos essa verdade, chocando inteiramente a mentalidade pagã que dominava os seus espíritos, segundo a qual se deve dominar os outros à base da força.
Em uma sociedade marcada pela inocência, a autoridade deve governar o súdito como quem governa uma criança. Ela não tem delírios de mando; é despretensiosa, flexível e humilde; está sempre à disposição dos outros. Sendo ela tenra e frágil, pede ser conduzida com carinho e afeto. E, para isso, o governante tem de se pôr ao serviço dos seus subordinados, criando um regime que busque mais atrair do que impor, procurando despertar neles o entusiasmo pela prática do bem.
O bem mais precioso que o homem pode receber
Preservar a inocência batismal — ou recuperá-la, caso tenha tido a desgraça de perdê-la — deve ser a meta de todo cristão. Porque quem a possui conserva na alma Nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai e o Espírito Santo.
A inocência é o bem mais precioso que o homem pode receber. A união com a Santíssima Trindade de quem jamais pecou outorga-lhe uma autoridade que nem o poder, nem o dinheiro, nem as manobras diplomáticas são capazes de conceder.
Em sua primitiva inocência, o homem era inerrante, pois como ensina São Tomás: “Não era possível, enquanto durasse a inocência, que o intelecto humano desse sua aquiescência a algum erro como se fosse verdade”.22 De forma análoga, o homem que mantém sua inocência batismal será infalível na medida que em se deixe guiar pela graça, pelas virtudes infusas e os dons do Espírito Santo. Assim o afirma o padre Garrigou-Lagrange: “Na ordem da graça, a fé infusa faz-nos aderir à palavra divina e ao que esta exprime. […] Enquanto os sábios dissertam longamente e levantam todo tipo de hipóteses, Deus faz Sua obra naqueles que têm o coração puro”.23
Devemos, portanto, envidar todos os esforços para manter sem pecado a nossa alma, ainda que seja necessário, para isto, sacrificar a própria vida. E se, por infelicidade, tivermos perdido a inocência batismal, empenhemo-nos ao máximo em recuperá-la, como o fez Santa Maria Madalena, através de um ardente amor ao Divino Mestre. E tanto amou que se assemelhou ao Amado a ponto de ser venerada como a primeira das virgens na ladainha de todos os Santos.
1“Como toda a integridade do estado harmônico de que acabamos de falar era produzida pela submissão da vontade humana a Deus, resultou da subtração da vontade humana a essa submissão divina uma alteração da submissão perfeita das potências inferiores à razão, e do corpo à alma. Em consequência, o homem sentiu no apetite sensitivo inferior os movimentos desordenados da concupiscência, da cólera e das outras paixões estranhas à ordem da razão, e mesmo contrárias à razão, envolvendo-a nas trevas, na maior parte das vezes, e perturbando-a em suas faculdades” (SÃO TOMÁS DE AQUINO. Compêndio de Teologia. c. 192).
2Cf. AQUINO, São Tomás de. Suma Teológica. I-II, q. 2 e 3.
3Cf. MALDONADO, SJ, Pe. Juan de. Comentarios a los cuatro Evangelios – II San Marcos y San Lucas. Madrid: BAC, 1951, p. 146.
4DIDON, Henri, OP. Jesus Cristo. Porto: Liv. Int. de Ernesto Chardron, 1895, V. 2, p. 227.
5Idem, p. 228.
6Apud ODEN, Thomas C. e HALL, Cristopher A. La Biblia comentada por los Padres de la Iglesia – Nuevo Testamento 2 San Marcos. Madrid: Ciudad Nueva, 2000, p. 184. 7LAGRANGE, OP, P. M.J. Evangile selon Saint Marc. 5. ed. Paris: Gabalda et Fils, 1929, p. 244.
8TUYA, OP, Pe. Manuel de. Biblia Comentada – II Evangelios. BAC: Madrid, 1964, p. 695.
9Cf. AQUINO, São Tomás de. Suma Teológica. I-II q. 78, a. 1.
10GOMÁ Y TOMÁS, Card. Isidro. El Evangelio explicado. Barcelona: Rafael Casulleras, 1930, V. 3, p. 83.
11La Sagrada Escritura. Texto y comentarios por Profesores de la Compañía de Jesus. Nuevo Testamento.– Evangelios. Madrid: BAC, 1961, Vol. 1, p. 450.
12LAGRANGE, OP, P. M.J. Op. cit., p. 244-245.
13DEHAULT. L’Evangile expliqué, défendu, médité – tome troisième. Paris: Lethielleux, 1867, p. 290.
14MALDONADO. Op. cit., p. 151.
15Idem, ibidem.
16JUAN CRISÓSTOMO, San. Homilías sobre el Evangelio de Mateo, hom. 58, 3.
17BEDA, São. In Marci Evangelium Expositio, l. 3, c. 9: PL 92, 0224.
18Cf. DEHAUT, Op. cit., p. 290.
19LEÃO MAGNO, São. Sermones in præcupuis totius anni festivitatibus ad romanam plebem habiti. Serm. 37, c. 3: PL 54, 0258.
20 BEDA, São. Op. cit., PL 92, 0225.
21MALDONADO. Op. cit., p. 152-153.
22AQUINO, São Tomás de. Suma Teológica. I, q. 94, a. 4.
23GARRIGOU-LAGRANGE, OP, P. Réginald Marie. El sentido común. La filosofía del ser y las fórmulas dogmáticas. Buenos Aires: DEDEBEC y Ediciones Desclée, De Brouwer, 1945, p. 340-344.

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