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quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Evangelho 3º Domingo do Advento Ano C Lc 3, 10-18

Continuação dos comentários ao Evangelho Lc 3, 10-18 - 3º Domingo do Advento

O impacto produzido pelo Batista
15 O povo estava na expectativa e todos perguntavam no seu íntimo se João não seria o Messias.
A retidão de São João, considerado um verdadeiro luminar em meio à notória decadência moral, religiosa e política do povo eleito, produzia no fundo da alma de seus seguidores o bem-estar decorrente da sincera paz de consciência, e logo seu prestígio começou a aumentar. Afinal, uma voz desinteressada substituía, sem medo nem fraqueza, os erros dos poderosos. A opinião pública se inclinava, com facilidade, diante de um homem devorado pelo amor ao bem, e ele aparecia a seus olhos, cada vez mais, investido de uma autoridade vinda do próprio Deus.
Assim, não demorou muito para o povo israelita imaginar ser o Batista aquele Messias esperado pelas almas retas como a solução para a situação na qual viviam. Contribuía também para isso, entre outros fatores, o conhecimento geral de terem sido completadas as setenta semanas de anos da profecia de Daniel (cf. Dn 9, 24), a crescente insatisfação comum pelo domínio estrangeiro, ao qual se acrescentava a profecia sobre o cetro de Judá (cf. Gn 49, 10), e a vaga lembrança dos misteriosos acontecimentos ocorridos em Belém e Jerusalém, trinta anos antes.
Se João não fosse uma alma despretensiosa e cheia de desejo de restituir tudo a Deus, esse era o momento propício de se autoprojetar dentro das estruturas sociais judaicas da época, atribuindo a si uma aura de grandeza — a qual já possuía naturalmente perante todos — e atraindo as atenções para si mesmo, deixando de lado quem ele deveria anunciar. Se agisse desse modo não seria mais distinguido como meio, precursor ou profeta, mas como fim único e exclusivo. Muito pelo contrário, compenetrado da elevada missão a ele confiada pela Providência, a situação punha em realce sua ilibada humildade.
Sempre apontava para Aquele a quem precedia
16 Por isso, João declarou a todos: “Eu vos batizo com água, mas virá aquele que é mais forte do que eu. Eu não sou digno de desamarrar a correia de suas sandálias. Ele vos batizará no Espírito Santo e no fogo”.
Aquela personalidade, tão impactante, conclamava todos para um batismo de conversão, simbolizado pela imersão nas águas do Jordão. Esse mesmo homem anunciava a vinda de alguém mais forte do que ele... Como seria isso possível?! Haveria alguém capaz de ultrapassar o próprio Batista, o inquietador das consciências, o ascético Profeta?... E-nos fácil imaginar a interrogação surgida na mente das pessoas, ao pensar em alguém superior àquele que até consideravam como Messias.
Para frisar de forma mais acentuada esse contraste, porém, o Precursor recorre a uma figura de insuperável eloquência. Desamarrar a correia das sandálias era, naquele tempo, função dos menos qualificados entre os servos, O habitual meio de transporte daquela época era o próprio pé, protegido apenas pela exígua cobertura da sandália, exposto a sofrer todas as durezas e sujeiras dos caminhos. Ao chegar a qual quer lugar, era comum presenciar a cena de um escravo retirando o calçado de alguém para limpá-lo, enquanto os pés eram lavados e até perfumados. Tal imagem, presente no cotidiano de todos, é levantada por São João para res saltar a infinita distância que o separava do verdadeiro Messias, professando em seu interior profundos sentimentos de total sub missão e devoção, quase rezando: “Na realidade, eu não mereço contar-me entre o número de seus escravos — nem sequer entre os seus mais ínfimos escravos —, nem desempenhar a parte mais humilde de seu serviço’. Por isso ele não só falava simplesmente de sua sandália, mas da correia de sua sandália, o que parecia o último extremo a que se podia chegar”.9
Esse adorável Redentor, a quem o Batista precedia, deveria trazer, com toda propriedade, o verdadeiro Batismo, já não simbólico nem penitencial, mas transformante, pela acção do Espírito Santo. Com efeito, enquanto a água lava o corpo, a alma é purificada de seus pecados pela ação do Espírito, da mesma forma como, em contato com o fogo, derrete-se o ouro para separá-lo da ganga que o macula. E o que afirma Fillion: “Com isso, demonstrava João a máxima inferioridade de sua pessoa e de seu batismo. A água apenas lava o exterior, a face ou a superfície; o fogo do Espírito Santo penetra até o fundo dos corações para limpá-los. Somente o Batismo conferido em nome do Messias devia produzir a verdadeira remissão dos pecados”.10
O Messias vem trazendo o prêmio e o castigo
17‘Ele virá com a pá na mão: vai limpar sua eira e recolher o trigo no celeiro; mas a palha ele a queimará no fogo que não se apaga”. 18E ainda de muitos outros modos, João anunciava ao povo a Boa-nova.
O Evangelista procura destacar, nestes últimos versículos, a ideia de prêmio e de castigo, sempre presente nos anúncios feitos pelo Batista a respeito do futuro Messias, bem como a necessidade de mudança de vida. Com uma linguagem impactante para aquelas multidões, revelava João alguns dos divinos atributos do Salvador, com traços reconfortantes para uns e terríveis para outros. Para os que se assemelhassem ao bom grão, tais palavras teriam a suavidade de um bálsamo; mas, para os que a consciência acusava implacavelmente de ter a inutilidade da palha seca, a expectativa de sua chegada apresentava-se ameaçadora. Como diz São João Crisóstomo, “se permaneceis trigo puro, por mais que vos assalte a tentação, nenhum mal sofrereis por sua ação. Tampouco as rodas do trilho com seus dentes, na eira, cortam o trigo. Porém, se vierdes a cair na fraqueza da palha, não só sofrereis nesta vida males irremediáveis, ao serdes esmagados por todo o mundo, mas logo vos esperará um castigo eterno”.’11
Mais uma vez, o Precursor deixava patente a necessidade da abertura das almas para uma constante e eficiente conversão da vida concreta de cada um, único caminho para a verdadeira felicidade. Alegria eterna ou tormento sem fim: eis a inevitável escolha daquelas multidões que acorriam ao encontro de São João, eis a terrível opção oferecida de modo tão evidente a nós, dois mil anos depois...
9) SÃO JOÃO CRISÓSTOMO Homilía XI, n.4. In: Obras. Homilías sobre el Evangelio de San Mateo (1-45). 2.ed. Madrid: BAC, 2007, vI, p.207.
10) FILLION, Louis-Claude. Nuestro Señor Jesucristo según los Evangelios. Madrid: Edibesa, 2000, p.100.
11) SÃO JOÃO CRISÓSTOMO, op. cit., n.5, p.212.

Continua no próximo post

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