Comentário ao Evangelho — 2º Domingo da Páscoa Jo 20, 19-31 Ano C 2013
19 Chegada a tarde daquele mesmo dia, que era o primeiro da semana,
e estando fechadas as portas da casa onde os discípulos se encontravam juntos,
por medo dos judeus, foi Jesus, colocou-Se no meio deles e disse-lhes: “A paz
esteja convosco!” 20 Dito isto, mostrou-
lhes as mãos e o lado. Os discípulos alegraram-se muito ao ver o Senhor.
21 Ele disse-lhes novamente: “A paz esteja convosco. Assim como o
Pai Me enviou, também vos envio a vós”. 22 Tendo dito estas palavras, soprou sobre eles e disse-lhes: “Recebei
o Espírito Santo. 23 Àqueles a quem
perdoardes os pecados, ser-lhes-ão perdoados, àqueles a quem os retiverdes, ser-lhes-ão
retidos”.
24 Tomé, um dos doze, chamado Dídimo, não estava com eles quando
veio Jesus. 25 Os outros
discípulos disseram-lhe: “Vimos o Senhor!” Mas ele respondeu-lhes: “Se não vir
nas suas mãos a abertura dos cravos, se não meter a minha mão no seu lado, não
acreditarei”. 26 Oito dias depois,
estavam os discípulos outra vez em casa e Tomé com eles. Veio Jesus, estando as
portas fechadas, colocou-Se no meio deles e disse: “A paz esteja convosco”. 27 Em seguida disse a Tomé:
“Mete aqui o teu dedo e vê as minhas mãos, aproxima também a tua mão e mete-a
no meu lado; e não sejas incrédulo, mas fiel!” 28 Respondeu-Lhe Tomé: “Meu Senhor e meu Deus!” 29 Jesus disse-lhe: “Tu acreditaste, Tomé, porque Me viste; bem-aventurados os que
acreditaram sem terem visto”.
30 Outros muitos prodígios fez ainda Jesus na presença de seus
discípulos, que não foram escritos neste livro. 31 Estes, porém, foram escritos a fim de que acrediteis que Jesus é
o Messias, Filho de Deus, e para que, acreditando, tenhais a vida em seu nome
(Jo 20, 19-31).
A fé e a verdadeira paz
É para nosso benefício que os
Apóstolos viram Jesus ressurrecto, creram na Ressurreição e dela deram
testemunho: para que nós, acreditando, tenhamos a vida eterna.
“Estando
fechadas as portas”
19 Chegada a tarde daquele mesmo dia,
que era o primeiro da semana, e estando fechadas as portas da casa onde os
discípulos se encontravam juntos, por medo dos judeus, foi Jesus, colocou-Se no
meio deles e disse-lhes: “A paz esteja convosco!”
Medo e insegurança dos Apóstolos
Muitos são os comentaristas que
ressaltam esse particular. Beda mostra que o motivo da dispersão dos Apóstolos,
por ocasião da Paixão — o temor dos judeus —, é o mesmo que os mantém depois
reunidos e com as portas fechadas. Segundo Crisóstomo, o medo entre eles
deveria ter aumentado de intensidade, ao cair da tarde. E, realmente, é
provável que a insegurança tenha pervadido as almas de todos a partir da
comunicação de Madalena e da constatação de Pedro e João, ou seja, de que o
Corpo do Divino Mestre desaparecera do sepulcro. Na certa o Sinédrio tomaria
medidas de represálias ao ser informado do acontecimento pelos guardas.
O medo é quase sempre um fator
de aglutinação, e às vezes de dispersão. Esta última já se havia verificado.
Entretanto, perseguidos pela dor de consciência e pela perda completa de rumo
na qual haviam mergulhado, só mesmo reunidos poderiam eles obter uma certa
sustentação moral. O instinto de sociabilidade exigia essa junção de todos
diante da grande perplexidade causada pelos trágicos acontecimentos daqueles
dias.
Esses são os aspectos de ordem
natural e psicológica que explicam aquela situação. Entretanto, de maior
relevância são os desígnios de Deus.
Demonstração irrefutável da Ressurreição
O medo que, por uma eficaz ação
da graça, não encontrara acolhida no coração de Maria Madalena nem nos dos
Discípulos de Emaús, penetra no âmago dos Apóstolos, mesclando-se com as
angústias de tantos sofrimentos acumulados. Qual a razão disso? Se para uns a
Providência reservava provas de muito consolo e carinho, para outros estava
destinada a demonstração de uma irrefutável e autêntica ressurreição. Portas
trancadas e intransponíveis tornavam evidentes as qualidades do glorioso estado
do corpo do Salvador. Dessa opinião compartilham autores de peso, como, por
exemplo, Teófilo, ao fazer notar como Jesus penetrou naquele recinto fortemente
trancado usando a mesma capacidade pela qual havia saído do sepulcro. Santo
Agostinho faz uma aproximação entre o nascer do Divino Infante, que deixou o
claustro materno de Maria Santíssima sem tocar em sua Virgindade, e esta
penetração no ambiente dos Apóstolos, afirmando que nada poderia impedir a
passagem de um corpo habitado pela Divindade.
Características do corpo glorioso
De fato, a Teologia nos ensina
que a glória do corpo encontra sua causa na glória da alma, pois, sendo o homem
uma criatura mista, é indispensável que tanto o corpo quanto a alma sejam
objeto da glorificação celeste; portanto, é essencial que quando a alma é
glorificada, também o corpo o seja. Essa é a doutrina claramente expressa por
São Tomás de Aquino:
“Vemos que da alma quatro
coisas provêm ao corpo, e tanto mais perfeitamente quanto mais vigorosa é a
alma. Primeiramente lhe dá o ser; portanto, quando a alma alcançar o sumo da
perfeição, dar-lhe-á um ser espiritual. Segunda, preserva-o da corrupção (...);
logo, quando ela for perfeitíssima, conservará o corpo inteiramente impassível.
Terceira, lhe dá formosura e esplendor (...); e quando chegar à suma perfeição,
tornará o corpo luminoso e refulgente. Quarta, lhe dá movimento, e tanto mais ligeiro
será o corpo quanto mais potente for o vigor da alma sobre ele. Por isso,
quando a alma já estiver no extremo de sua perfeição, dará ao corpo agilidade”
(1).
Eis aí o resultado dessa
entranhada união, na qual a alma é a forma do corpo. Neste estado de prova em
que nos encontramos, quase sempre o corpo é um lastro e um obstáculo para os
vôos da alma, tal qual nos diz o Evangelho: “O espírito está pronto, mas a
carne é fraca” (Mt 26, 41). Mas, na bem-aventurança eterna, o corpo
espiritualizado estará plenamente harmonizado com a alma, a qual terá um domínio
absoluto sobre todos os movimentos corpóreos, e nisso consistirá sua agilidade.
Os próprios sentidos físicos, dentro de sua natureza, poderão ser usados pela
alma conforme queira deles dispor. Por isso, após nossa ressurreição, poderemos
passear pelos astros e estrelas sem auxílio de nenhuma nave espacial; e, no extremo
oposto, ser-nos-á facílimo contemplar as moléculas ou os átomos constitutivos
de uma bela pedra preciosa.
Deixando de lado as outras
características dos corpos gloriosos — aliás, também elas extraordinariamente
maravilhosas —, para nos encantar bastaria considerarmos esta: a sutileza,
utilizada pelo Salvador, ao entrar no recinto do Cenáculo através das “portas
fechadas”. Explica-nos São Tomás que os corpos gloriosos terão “cada vez e
sempre que o queiram” a faculdade de passar, ou não, através de outros corpos
(2). Cita a este propósito precisamente a saída de Jesus ressurrecto do Santo
Sepulcro, como também sua entrada no Cenáculo com portas fechadas, que ora
analisamos, além de seu Nascimento (3).
Jesus os cumprimenta desejando-lhes a paz
Os Apóstolos estavam
mergulhados numa dolorosa orfandade e Jesus tinha pena do grande sofrimento que
lhes ocasionava aquela circunstância, por isso não deixa o dia terminar sem Se
mostrar mais uma vez aos homens. Anteriormente fizera-Se ver pelas santas
mulheres, por Pedro e pelos discípulos de Emaús. Dessa vez, à noite,
apresenta-Se aos Apóstolos reunidos, “estando fechadas as portas”, e assim
torna patente sua miraculosa ressurreição.
Jesus aproveitou a chegada da
noite, pois era o momento em que todos estariam juntos, e colocou-Se no meio
deles, para assim poder ser mais bem analisado por todos.
Segundo um belo comentário de
São Gregório Nazianzeno, Jesus os cumprimenta desejando-lhes a paz — o que,
aliás, era comum entre os judeus — não só para ser por eles reconhecido
imediatamente como também para servir-nos de exemplo. Só mesmo àqueles que
fecham as portas da alma às deletérias influências do mundo, Cristo aparece
oferecendo-lhes os consolos da verdadeira paz.
Continua no próximo post.
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