Continuação dos comentários ao Evangelho — 2º Domingo da Páscoa Jo 20, 19-31 Ano C 2013
20 Dito isto, mostrou-lhes as mãos e o lado. Os
discípulos alegraram-se muito ao ver o Senhor.
Tudo leva a crer que estavam
dez Apóstolos no Cenáculo, e, como anteriormente comentávamos, um forte medo
dominava a todos. Embora João omita a afirmação de Lucas: “Acreditavam estar
vendo um espírito”, a pergunta que Jesus lhes faz mostra o estado de espírito
em que se encontravam: “Por que vos perturbais? (24, 37-38). Compreende-se o
temor de todos, vendo o Senhor entrar quando estavam bem fechadas as portas e
janelas, pois não conheciam ainda o ensino teológico a respeito das
características dos corpos gloriosos, e nem sequer lhes cruzava a mente uma
consideração que seria formulada por Santo Agostinho nos seguintes termos: “As
portas fechadas não podiam impedir a passagem a um corpo no qual habitava a
Divindade; assim pôde penetrar as portas Aquele que, ao nascer, deixou
imaculada sua Mãe” (4).
“Mostrou-lhes as mãos e o lado”
Essa é a razão pela qual Ele
chama a atenção dos Apóstolos para suas chagas, ou seja, para tornar patente
tratar-se de Quem foi crucificado, morreu e ressuscitou. Os autores são
unânimes a propósito dessa observação, como, por exemplo, Santo Agostinho: “Os
cravos haviam transpassado as mãos, a lança havia aberto o costado, e as
feridas foram conservadas para curar o coração dos que duvidavam” (5).
Três questões emergem deste
versículo:
1) Como foi possível aos Apóstolos contemplar a
glória de Jesus ressurrecto, sendo que, no Tabor, três deles não haviam
suportado vê-Lo em sua transfiguração?
A isso responde Santo
Agostinho: “É de crer-se que a claridade com a qual, como o sol, resplandecerão
os justos em sua ressurreição, foi velada no corpo de Cristo ressurrecto aos
olhos dos discípulos, porque a debilidade do olhar humano não a teria podido
suportar, e era necessário que eles O reconhecessem e ouvissem” (6).
2) Sendo as cicatrizes um defeito produzido por
ferimentos, como puderam se conservar no Sagrado Corpo do Senhor?
Das mais variadas formas se
expressam os autores a esse respeito, mas são concordes em observar que se
trata de cicatrizes de triunfo e, portanto, gloriosas e não defectivas. No Céu,
todos os mártires trarão à mostra suas cicatrizes como símbolo triunfante de
seu testemunho, tal qual na terra o fazem os militares vencedores em suas
batalhas.
3) Os Apóstolos apenas viram as chagas, ou
também as tocaram? Tomé terá sido o único a apalpar as cicatrizes do Senhor?
O Evangelista João afirma
apenas que Jesus mostrou suas chagas. Lucas vai mais longe: “Apalpai e vede,
porque um espírito não tem carne nem osso” (24, 39).
Entretanto, o dito de São João
em sua primeira Epístola: “O que vimos com os nossos olhos, o que contemplamos,
o que tocamos com as nossas mãos relativamente ao Verbo da Vida” (1, 1), e a
condição posta por São Tomé para dar sua adesão de fé: “Se não vir nas suas
mãos ... se não meter a minha mão” (v. 25), levam os autores à conclusão de
que, de fato, não só Tomé, mas também os outros tocaram nas Santas Chagas de
Jesus.
Qual não deve ter sido a
consolação dos Apóstolos ao tocarem no Sagrado Corpo do Salvador? Nós hoje
temos a graça, não de tocá-Lo, mas, muito mais, de recebê-Lo em Comunhão.
Oh! sacrossantas chagas,
manancial de toda santidade, quantos dons receberam os Apóstolos ao tocá-las!
Sem embargo, o fato de Jesus as
haver mostrado nessa ocasião não significa que Ele deva sempre ostentar os
sinais de sua Paixão. Apareceu como um peregrino aos discípulos de Emaús, e,
para a fé robusta de Madalena, não só Se apresentou sem as chagas, como não lhe
permitiu que O tocasse, para não diminuir os seus méritos. Aos Apóstolos,
convida-os a apalparem-nas por razões didáticas. A forma de apresentar-Se
depende de sua vontade e conveniência.
A alegria que sentiram eles,
nessa ocasião, era o cumprimento da promessa do próprio Salvador: “Outra vez
vos verei e alegrar-se-á vosso coração” (Jo 16, 22).
Jesus lhes dá o Espírito Santo
21 Ele disse-lhes novamente: “A paz esteja
convosco. Assim como o Pai Me enviou, também vos envio a vós”.
Jesus deseja-lhes novamente a
paz. Ele os quer serenos e confiantes para receberem a grande missão que lhes
outorgará. Com a mesma autoridade com a qual o Pai enviou o Filho, este envia
seus discípulos. Essa autoridade reside n’Ele enquanto Homem: “Foi-me dado todo
o poder no céu e na terra” (Mt 28, 18); e enquanto Deus, Ele a possui por
natureza. Os Apóstolos são “enviados”, portanto, possuem um poder por
delegação.
“ Tendo dito estas palavras, soprou sobre eles e
disse-lhes: “Recebei o Espírito Santo”.
A exegese se inclina a
interpretar esta passagem no sentido de que Cristo não soprou sobre cada um dos
Apóstolos, mas o fez somente de modo genérico, o que era suficiente para todos,
incluindo o próprio Tomé, ausente naquele momento.
Como entender a anterior afirmação
de Jesus: “A vós convém que Eu vá, porque, se não for, o Paráclito não virá a
vós; mas, se for, Eu vo-Lo enviarei” (Jo 16, 7)?
É preciso distinguir entre
“enviar” e “dar”. No presente versículo, Jesus “dá” aos Apóstolos o Espírito
Santo com o único objetivo — conforme veremos a seguir — de conferir-lhes o
poder de perdoar os pecados, um dos vários dons do mesmo Espírito. Em
Pentecostes, sim, foi “enviado” sobre Maria e as demais pessoas reunidas no
Cenáculo, o Espírito Santo, com seus dons.
A esse propósito diz Santo
Agostinho: “O sopro corporal da boca [de Cristo] não foi a substância do
Espírito Santo, mas uma conveniente demonstração de que o Espírito Santo não
procede somente do Pai, mas também do Filho” (7).
E São Gregório Magno
acrescenta: “Por que razão Ele O dá a seus discípulos, primeiro quando ainda
está na terra, para depois o enviar do Céu? Porque são dois os preceitos da
caridade: o do amor a Deus e o do amor ao próximo. Na terra foi dado o Espírito
de amor ao próximo, e do Céu, o Espírito de amor a Deus; (...) porque o amor ao
próximo nos ensina como podemos chegar ao amor a Deus” (8).
O Sacramento da Reconciliação
23 “ Àqueles a quem perdoardes os pecados, ser-lhe-ão
perdoados, àqueles a quem retiverdes, ser-lhe-ão retidos”.
É em função destas palavras do
Sumo e Eterno Sacerdote que os presbíteros são constituídos ministros do
Sacramento da Penitência e juízes dos pecados, com a faculdade de retê-los ou
de perdoá-los. Ministério de indizível elevação, mas que exige luzes,
prudência, pureza de coração e, sobretudo, zelo pelas almas. “Noblesse oblige!”,
dizem os franceses. E isso a tal ponto que São João Crisóstomo chega a opinar:
“Um sacerdote que levasse uma vida bem ordenada, mas não cuidasse com
diligência da dos outros, seria condenado com os réprobos” (9).
Por outro lado, esse ministério
pervade de consolação o coração dos fiéis, pois, apesar de tornar-lhes
necessária a confissão, confere-lhes a certeza do perdão. E mesmo se retiver
algum pecado, o sacerdote assim procederá para melhor proveito do penitente,
quando, de futuro, este se vir perdoado. Nós hoje tomamos com naturalidade essa
incomensurável dádiva de termos à disposição nossa o Sacramento da
Reconciliação, mas é ele tão extraordinário que nossa limitada inteligência não
alcança circundá-lo inteiramente.
Continua no próximo post.
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