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quinta-feira, 1 de agosto de 2013

Evangelho XVIII Domingo do Tempo Comum – Ano C – 2013 - Lc 12, 13-21

Continuação dos comentários ao Evangelho 18º  Domingo do Tempo Comum – Ano C – 2013 -  Lc 12, 13-21
Um homem abençoado por Deus
16 E contou-lhes uma parábola: ‘A terra de um homem rico deu uma grande colheita’.
O Divino Mestre frisa, já no princípio, a fortuna desse homem da parábola. Era rico, bem estabelecido e atendido com largueza em todas as suas necessidades. De fato, a pecuária e a agricultura eram as principais fontes de riqueza na Palestina daquele tempo. E ele estava, pois, lucrando, porque a generosidade de Deus lhe havia proporcionado a alegria de viver na abundância. Tanto tinha sido favorecido, que sua terra lhe dera uma grande colheita e, segundo podemos supor pela continuação da narrativa, com um resultado muito superior ao normal.
Ora, essa terra, a quem pertence? Sem dúvida é propriedade do agricultor, mas quem a criou? Quem a fez produzir frutos? E certo que foi a semente, entretanto... quem engendrou asemente? E se formûs mais adiante, chegaremos à conclusão de que, no fundo, tudo é de Deus e só a Ele pertence! “De Deus procedem todos esses benefícios, a boa terra, a boa temperatura do céu, a abundância de sementes, a ajuda dos bois e de tudo o que a agricultura necessita para produzir com abundância. E o que descobrimos nesse homem?” 10 Descobrimos que, diante de tal bondade da Providência Divina, sua reação não foi de reciprocidade.
Egoísmo e ganância sempre vão de mãos dadas
17 “Ele pensava consigo mesmo: ‘O que vou fazer? Não tenho onde guardar minha colheita’. 18 Então resolveu: ‘Já sei o que vou fazer! Vou derrubar meus celeiros e construir maiores; neles vou guardar todo o meu trigo, junto com os meus bens. Então poderei dizer a mim mesmo: Meu caro, tu tens uma boa reserva para muitos anos. Descansa, come, bebe, aproveita!”
A atitude inicial do proprietário é a daquele que, de repente, se depara com uma situação de fartura inesperada. “Que vou fazer? Não tenho onde guardar minha colheita!”. Lamentável foi a intenção, cheia de egoísmo, subjacente a este seu primeiro pensamento. Ao encontrar os campos floridos e prontos para deles tirar o rendimento de uma safra como jamais lograra imaginar, o homem sentiu efervescer em si o elixir da “limbolatria”, isto é, o desejo de permanecer nesta Terra por toda a eternidade, sem infortúnios, como demonstram as palavras do versículo seguinte.
Deus desapareceu de seus planos, e quando isso acontece, entra o desastre. Como efeito, quando O retiramos do centro de nossas preocupações, nossa própria pessoa assume com rapidez o papel principal de nossa vida, pois para nós só existem dois amores: ou amamos a Deus até o esquecimento de nós mesmos, ou amamos a nós mesmos até o esquecimento de Deus.”
O personagem da parábola quer guardar o produto da boa colheita de modo exclusivo para sua satisfação. Conforme advertia Nosso Senhor pouco antes, ele é ganancioso e avarento; deseja tudo para si e só para si! Partindo de um princípio errado — o da egolatria —, nem sequer se lembra de fazer algum bem aos outros. Havendo recebido com copiosidade das mãos do Criador aquela colheita, e numa quantidade tão superior à esperada, de forma a nem ter onde armazená-la, ele deveria, segundo o desejo divino, utilizá-la também para o bem do próximo. Mas não lhe passara pela cabeça semelhante possibilidade! Se uma alma não tem a Deus como centro de suas cogitações, entra-lhe uma sofreguidão própria ao apego e, com ela, a perturbação. “Non in commotione Dominus — o Senhor não está na agitação” (I Re 19, 11). O espírito de ganância faz-nos perder a paz.12
Do mesmo modo como o já comentado monge-ferreiro não se preocupara em fazer novas fechaduras para todas as celas do mosteiro — embora fosse notável na profissão e tivesse sobrada habilidade para fazê-las —, aquele proprietário da parábola pretende construir os celeiros pensando em uma estabilidade baseada no mero gozo da vida pessoal. Em ambos sobressai uma profunda atitude egoísta.
Por outro lado, o Mestre não afirma haver uma intenção explícita de pecado em tudo isso. No entanto, ao pôr na boca daquele agricultor as palavras “descansa, come, bebe e aproveita...”, aponta para um esquecimento do Primeiro Mandamento da Lei de Deus: ‘Amarás o Senhor teu Deus sobre todas as coisas”. Quem causara aquela situação de fartura fora agora posto de lado e não mais lembrado.
É por esse motivo que tal proprietário nem acha suficiente o considerável sustento reservado nos celeiros já existentes. No ano seguinte e nos próximos, iria colher de novo, quiçá ainda mais. Contudo, a avareza e o desejo de fruir tornavam-no cego. Este é o pensamento de todos quantos são dominados pela ganância. Nunca se satisfazem com os dons recebidos das mãos de Deus, ansiando por algo a mais. “A razão pela qual a cobiça nunca se sacia é que o coração do homem está feito para receber a Deus. [...] Assim sendo, não pode enchê-lo aquilo que e menos que Deus”.’3 Essa insatisfação traz um desequilíbrio emocional, traduzindo-se seus frutos na falta de virtude, devido ao desejo desordenado de querer cada vez mais. E a ganância qualificada por São Bernardo de “mal sutil, secreta peçonha, peste oculta, artífice da dor, mãe da hipocrisia, pai da inveja, origem dos vícios, semente de excessos, [...] traça da santidade que torna cegos os corações, converte em doenças os próprios remédios e em novos achaques a medicina”.’4
Ai de quem erige sua vida espiritual ou temporal — só para si mesmo! Mais cedo ou mais tarde ouvirá a mesma advertência saída dos lábios de Nosso Senhor ao homem desta parábola.
No fim da vida, de nada nos servirá a ganância
20 “Mas Deus lhe disse: ‘Louco! Ainda nesta noite, pedirão de volta a tua vida. E para quem ficará o que tu acumulaste?’ 21 Assim acontece com quem ajunta tesouros para si mesmo, mas não é rico diante de Deus”.
Continuava a acumular trigo e bens materiais, pretendendo construir um novo celeiro seguro, pois fizera da vida no tempo seu último fim, julgando prolongá-la eternamente. Sua loucura consistiu em um ato de desamor em relação ao eterno. Esse pobre coitado talvez até tenha visto a demolição da antiga despensa. Sem embargo, nem sequer pôde ver os fundamentos da nova construção.
Quem não cumpre o Primeiro Mandamento da Lei de Deus encontra-se no caso desse infeliz. Tal é a atitude de muitas pessoas, as quais, “obscurecidas com a cobiça, nas coisas espirituais servem o dinheiro e não a Deus, e movem-se pelo dinheiro e não por Deus, pondo à frente o preço e não o divino valor e prêmio, fazendo de muitos modos seu principal deus e fim o dinheiro, antepondo-o ao último fim que é Deus”.’5 Esquecem-se das duas vidas presentes dentro de si: a humana e a divina, e cuidam com todo o zelo da primeira, deixando de cuidar da última, que é o estado de graça.
Ora, quem de nós não sofreu a tentação de acumular outros tipos de bens, apesar de eles nos afastarem de Deus e da eternidade, esquecendo a breve duração da nossa vida? Quantos e inúmeros casos há, na História, de pessoas cuja vida foi arrancada precisamente quando passavam pelo auge de uma realização terrena! Com efeito, afirma com severidade São João da Cruz: “todas as vezes que gozamos de maneira vã, Deus está nos olhando, traçando algum castigo e trago amargo, segundo o merecido”.16 Não sejamos loucos! Quem pode assegurar o dia e a hora da própria morte, se até os médicos são incapazes de determiná-las com exatidão? Quem pode garantir a duração de sua vida até o fim da noite de hoje? Quem pode certificar-se de que continuará existindo amanhã? Para morrer, basta uma única condição: estar vivo!
Portanto, é mil vezes melhor estar, a todo instante, com a principal atenção posta no que é eterno. Depois da morte viveremos para sempre e, em um determinado momento, recuperaremos nossos corpos, em estado de glória ou de horror, dependendo de nossas obras. Se formos para o Céu receberemos a glória, mas se formos para o inferno será o perpétuo sofrimento.

Valerá a pena, pois, ficar perturbado, vivendo na aflição das coisas concretas, esquecendo-se das eternas? Ao proceder desse modo, por mais que possuamos incontáveis colheitas, desejemos construir inúmeros celeiros ou tenhamos propriedades sem fim; ou, em situação oposta, ainda que sejamos pobres, sentados à beira de um caminho pedindo esmola, o resultado será o mesmo: ficaremos amargurados, como o triste homem da parábola, dispostos a com ele construir um celeiro para esta Terra e não para a eternidade.

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