Continuação dos comentários ao Evangelho 18º Domingo do Tempo Comum – Ano C – 2013 - Lc 12, 13-21
Um homem abençoado por Deus
16 E contou-lhes uma parábola: ‘A terra de um homem rico
deu uma grande colheita’.
O Divino Mestre frisa, já no
princípio, a fortuna desse homem da parábola. Era rico, bem estabelecido e
atendido com largueza em todas as suas necessidades. De fato, a pecuária e a
agricultura eram as principais fontes de riqueza na Palestina daquele tempo. E
ele estava, pois, lucrando, porque a generosidade de Deus lhe havia
proporcionado a alegria de viver na abundância. Tanto tinha sido favorecido,
que sua terra lhe dera uma grande colheita e, segundo podemos supor pela
continuação da narrativa, com um resultado muito superior ao normal.
Ora, essa terra, a quem
pertence? Sem dúvida é propriedade do agricultor, mas quem a criou? Quem a fez
produzir frutos? E certo que foi a semente, entretanto... quem engendrou asemente?
E se formûs mais adiante, chegaremos à conclusão de que, no fundo, tudo é de
Deus e só a Ele pertence! “De Deus procedem todos esses benefícios, a boa
terra, a boa temperatura do céu, a abundância de sementes, a ajuda dos bois e
de tudo o que a agricultura necessita para produzir com abundância. E o que descobrimos
nesse homem?” 10 Descobrimos que, diante de tal bondade da Providência Divina,
sua reação não foi de reciprocidade.
Egoísmo e ganância sempre vão de mãos dadas
17 “Ele pensava consigo mesmo: ‘O que vou fazer? Não
tenho onde guardar minha colheita’. 18 Então resolveu: ‘Já sei o que vou fazer!
Vou derrubar meus celeiros e construir maiores; neles vou guardar todo o meu
trigo, junto com os meus bens. Então poderei dizer a mim mesmo: Meu caro, tu
tens uma boa reserva para muitos anos. Descansa, come, bebe, aproveita!”
A atitude inicial do
proprietário é a daquele que, de repente, se depara com uma situação de fartura
inesperada. “Que vou fazer? Não tenho onde guardar minha colheita!”. Lamentável
foi a intenção, cheia de egoísmo, subjacente a este seu primeiro pensamento. Ao
encontrar os campos floridos e prontos para deles tirar o rendimento de uma
safra como jamais lograra imaginar, o homem sentiu efervescer em si o elixir da
“limbolatria”, isto é, o desejo de permanecer nesta Terra por toda a eternidade,
sem infortúnios, como demonstram as palavras do versículo seguinte.
Deus desapareceu de seus
planos, e quando isso acontece, entra o desastre. Como efeito, quando O
retiramos do centro de nossas preocupações, nossa própria pessoa assume com rapidez
o papel principal de nossa vida, pois para nós só existem dois amores: ou
amamos a Deus até o esquecimento de nós mesmos, ou amamos a nós mesmos até o
esquecimento de Deus.”
O personagem da parábola quer
guardar o produto da boa colheita de modo exclusivo para sua satisfação.
Conforme advertia Nosso Senhor pouco antes, ele é ganancioso e avarento; deseja
tudo para si e só para si! Partindo de um princípio errado — o da egolatria —,
nem sequer se lembra de fazer algum bem aos outros. Havendo recebido com copiosidade
das mãos do Criador aquela colheita, e numa quantidade tão superior à esperada,
de forma a nem ter onde armazená-la, ele deveria, segundo o desejo divino,
utilizá-la também para o bem do próximo. Mas não lhe passara pela cabeça
semelhante possibilidade! Se uma alma não tem a Deus como centro de suas cogitações,
entra-lhe uma sofreguidão própria ao apego e, com ela, a perturbação. “Non in commotione Dominus — o Senhor não
está na agitação” (I Re 19, 11). O espírito de ganância faz-nos perder a paz.12
Do mesmo modo como o já
comentado monge-ferreiro não se preocupara em fazer novas fechaduras para todas
as celas do mosteiro — embora fosse notável na profissão e tivesse sobrada
habilidade para fazê-las —, aquele proprietário da parábola pretende construir
os celeiros pensando em uma estabilidade baseada no mero gozo da vida pessoal.
Em ambos sobressai uma profunda atitude egoísta.
Por outro lado, o Mestre não
afirma haver uma intenção explícita de pecado em tudo isso. No entanto, ao pôr
na boca daquele agricultor as palavras “descansa, come, bebe e aproveita...”,
aponta para um esquecimento do Primeiro Mandamento da Lei de Deus: ‘Amarás o
Senhor teu Deus sobre todas as coisas”. Quem causara aquela situação de fartura
fora agora posto de lado e não mais lembrado.
É por esse motivo que tal
proprietário nem acha suficiente o considerável sustento reservado nos celeiros
já existentes. No ano seguinte e nos próximos, iria colher de novo, quiçá ainda
mais. Contudo, a avareza e o desejo de fruir tornavam-no cego. Este é o
pensamento de todos quantos são dominados pela ganância. Nunca se satisfazem
com os dons recebidos das mãos de Deus, ansiando por algo a mais. “A razão pela
qual a cobiça nunca se sacia é que o coração do homem está feito para receber a
Deus. [...] Assim sendo, não pode enchê-lo aquilo que e menos que Deus”.’3 Essa
insatisfação traz um desequilíbrio emocional, traduzindo-se seus frutos na falta
de virtude, devido ao desejo desordenado de querer cada vez mais. E a ganância
qualificada por São Bernardo de “mal sutil, secreta peçonha, peste oculta,
artífice da dor, mãe da hipocrisia, pai da inveja, origem dos vícios, semente
de excessos, [...] traça da santidade que torna cegos os corações, converte em
doenças os próprios remédios e em novos achaques a medicina”.’4
Ai de quem erige sua vida
espiritual ou temporal — só para si mesmo! Mais cedo ou mais tarde ouvirá a
mesma advertência saída dos lábios de Nosso Senhor ao homem desta parábola.
No fim da vida, de nada nos servirá a ganância
20 “Mas Deus lhe disse: ‘Louco! Ainda nesta noite,
pedirão de volta a tua vida. E para quem ficará o que tu acumulaste?’ 21 Assim
acontece com quem ajunta tesouros para si mesmo, mas não é rico diante de
Deus”.
Continuava a acumular trigo e
bens materiais, pretendendo construir um novo celeiro seguro, pois fizera da
vida no tempo seu último fim, julgando prolongá-la eternamente. Sua loucura
consistiu em um ato de desamor em relação ao eterno. Esse pobre coitado talvez
até tenha visto a demolição da antiga despensa. Sem embargo, nem sequer pôde
ver os fundamentos da nova construção.
Quem não cumpre o Primeiro
Mandamento da Lei de Deus encontra-se no caso desse infeliz. Tal é a atitude de
muitas pessoas, as quais, “obscurecidas com a cobiça, nas coisas espirituais
servem o dinheiro e não a Deus, e movem-se pelo dinheiro e não por Deus, pondo
à frente o preço e não o divino valor e prêmio, fazendo de muitos modos seu
principal deus e fim o dinheiro, antepondo-o ao último fim que é Deus”.’5
Esquecem-se das duas vidas presentes dentro de si: a humana e a divina, e
cuidam com todo o zelo da primeira, deixando de cuidar da última, que é o
estado de graça.
Ora, quem de nós não sofreu a
tentação de acumular outros tipos de bens, apesar de eles nos afastarem de Deus
e da eternidade, esquecendo a breve duração da nossa vida? Quantos e inúmeros
casos há, na História, de pessoas cuja vida foi arrancada precisamente quando
passavam pelo auge de uma realização terrena! Com efeito, afirma com severidade
São João da Cruz: “todas as vezes que gozamos de maneira vã, Deus está nos
olhando, traçando algum castigo e trago amargo, segundo o merecido”.16 Não
sejamos loucos! Quem pode assegurar o dia e a hora da própria morte, se até os
médicos são incapazes de determiná-las com exatidão? Quem pode garantir a
duração de sua vida até o fim da noite de hoje? Quem pode certificar-se de que
continuará existindo amanhã? Para morrer, basta uma única condição: estar vivo!
Portanto, é mil vezes melhor
estar, a todo instante, com a principal atenção posta no que é eterno. Depois
da morte viveremos para sempre e, em um determinado momento, recuperaremos
nossos corpos, em estado de glória ou de horror, dependendo de nossas obras. Se
formos para o Céu receberemos a glória, mas se formos para o inferno será o
perpétuo sofrimento.
Valerá a pena, pois, ficar
perturbado, vivendo na aflição das coisas concretas, esquecendo-se das eternas?
Ao proceder desse modo, por mais que possuamos incontáveis colheitas, desejemos
construir inúmeros celeiros ou tenhamos propriedades sem fim; ou, em situação
oposta, ainda que sejamos pobres, sentados à beira de um caminho pedindo
esmola, o resultado será o mesmo: ficaremos amargurados, como o triste homem da
parábola, dispostos a com ele construir um celeiro para esta Terra e não para a
eternidade.
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