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quinta-feira, 6 de março de 2014

Evangelho 1º Domingo da Quaresma - Mt 4, 1 -11 - Ano A

Continuação dos comentários ao Evangelho 1º Domingo da Quaresma - Ano A -Mt 4, 1 - 11
NOSSO SENHOR QUIS SER TENTADO
A tentação de Jesus se deu no início de sua vida pública, logo depois de ter recebido o Batismo de São João. Estendeu-se ao longo de quarenta dias no deserto de Judá, região isolada, inóspita e habitada por feras selvagens. Segundo a tradição, Ele permaneceu em oração e rigoroso jejum numa elevação existente nas proximidades de Jericó, hoje chamada Monte da Quarentena. Encontramos uma pré-figura desse acontecimento nas vidas de Moisés e Elias, que também se retiraram pelo mesmo período durante o desempenho de sua missão profética (cf. Ex 34, 28; I Rs 19, 5-8).
Deus permite a tentação para o nosso bem
Naquele tempo, 1 o Espírito conduziu Jesus ao deserto, para ser tentado pelo diabo.
Neste primeiro versículo, chama-nos especial atenção o fato de Nosso Senhor ter sido conduzido pelo Espírito Santo. No Batismo do Jordão Ele fora glorificado pelo Pai, cuja voz se ouviu enquanto o Paráclito descia sob a forma de uma pomba, em circunstâncias que à primeira vista diríamos muito propícias para inaugurar seu período de pregação. Ao invés disso, quis Se dirigir ao deserto. Sua atitude nos mostra que quando somos chamados a realizar alguma obra importante devemos rezar antes, tal como a Igreja recomenda fazer, no início de todas as atividades.
Disso nos dá exemplo o Filho de Deus ao escolher o isolamento. E não somente com vistas à contemplação, mas também para “ser tentado pelo diabo”, como deixa claro São Mateus. Por que motivo isso teria sido permitido por Deus? Ora, enquanto Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, Nosso Senhor era incapaz de sofrer a menor tentação; como Homem, todavia, quis padecê-la para vencer o demônio e quebrar seu poder. Assim, o anjo decaído seria derrotado por uma criatura humana.
Satanás, por sua vez, não tinha conhecimento de que Nosso Senhor Jesus Cristo era Deus, e apenas julgava que fos se seu Filho, sem possuir a mesma natureza do Pai. Ignorava também o mistério da união hipostática, embora reconhecesse que Jesus estava na graça de Deus. Em suma, o maligno arrastava uma forte insegurança a respeito da identidade de Cristo, e daí o interesse em tentá-Lo para descobrir quem era, na realidade. Seu objetivo, porém, terminará frustrado e ele se verá obrigado a partir sem saber o que desejava, pois Nosso Senhor não lhe dará possibilidade de chegar a uma conclusão, segundo comenta São Jerônimo: “Em todas as tentações o diabo faz isto para saber se é Filho de Deus, mas o Senhor mede a resposta de modo a deixá-lo na dúvida”.4 E evidente que Jesus jamais poderia ser logrado pela astúcia do demônio, uma vez que era seu Criador.
Quando a tentação se abate sobre nós, temos a tendência de perguntar: “Por que Deus a permite?”. Certamente para o nosso bem, caso contrário Nosso Senhor não a teria experimentado. Lembremo-nos de que Jesus é conduzido pelo Espírito Santo, e quem permite a tentação é o Pai, o qual dissera pouco antes: “Eis meu Filho muito amado em quem ponho minha afeição” (Mt 3, 17). Se o Pai manifesta sua complacência pelo Filho e, em seguida, consente em sua ida para o deserto, por que não quererá que nós, que recebemos a vida divina por meio d’Ele, sigamos o mesmo caminho?
De fato, o Pai quis que tivéssemos um paradigma, Cristo Jesus, e, ao passarmos por tentações, agíssemos em conformidade com Ele. Não podemos tomar a provação como um desastre ou um sinal de decadência na vida espiritual, pois se assim fosse deveríamos concluir que Nosso Senhor havia passado por uma crise espiritual nesse episódio, o que é absurdo e até blasfemo. Muito pelo contrário, deitemos especial empenho em analisar o procedimento de Jesus, tendo presente que o relato das tentações é tão só uma síntese do que na realidade aconteceu. Vários Santos mostraram-se favoráveis à hipótese de que Ele tivesse sido provado inúmeras vezes e de todos os modos, no decorrer dos quarenta dias, como já tivemos oportunidade de comentar.5
O demônio se aproveita das fraquezas humanas
2 Jesus jejuou durante quarenta dias e quarenta noites, e, depois disso, teve fome.
O recolhimento de Nosso Senhor no deserto atinge seu auge ao cabo de quarenta dias, e é esse o momento escolhido por satanás para tentá-Lo de forma particular, o que novamente encerra um ensinamento, pois muitas vezes as piores provações se abatem sobre nós nas melhores fases da vida espiritual. Quando começamos a dar passos firmes nas vias da virtude, o demônio costuma intensificar as tentações, visando impedir a nossa santificação. Este versículo mostra ainda como Jesus padecia as contingências físicas próprias à natureza humana, das quais o demônio tirou proveito para pô-Lo à prova. Depois de enfrentar longos dias sem comer nem beber, só uma sustentação sobrenatural O mantinha vivo. Ele estava exangue, consumindo suas últimas energias, e o tentador, por sua vez, encontrava-se à espreita para agir. Tal é o artifício que conosco emprega satanás: ele se aproveita das debilidades humanas. No nosso caso, de maneira diversa ao que se passava com Nosso Senhor, sofremos as fraquezas decorrentes do pecado, como a concupiscência, a inclinação para o mal e as paixões desregradas. Se consentimos nas propostas do espírito das trevas, ele alcança o objetivo desejado ao nos tentar, fazendo-nos morrer para a vida sobrenatural.
A tentação tem seu início na sensibilidade
3 Então, o tentador aproximou-se e disse a Jesus: ‘Se és Filho de Deus, manda que estas pedras se transformem em pães!”
O demônio, conforme vimos, não sabia ao certo se Jesus Cristo era o Messias. E provável que possuísse uma vaga noção a respeito disso, por ter-lhe sido revelado quando era um Anjo de luz no Céu, mas, ainda neste caso, nem todo o plano divino sobre a Encarnação chegou a ser de seu conhecimento. Recordemo-nos de que São Paulo afirmou ter sido chamado a ensinar verdades ignoradas inclusive pelo mundo angélico (cf. Ef 3, 10).
Dado o impasse no qual estava, o tentador decidiu investir contra o Homem-Deus, tanto para descobrir quem Ele era quanto para induzi-Lo a cair no apego à matéria. Como no Paraíso, deu Início à conversa usando um método muito velhaco, de acordo com a necessidade da ocasião e os elementos existentes no local. Observam os exegetas que o deserto onde Nosso Senhor Se encontrava tinha pedras de aspecto muito aprazível, com formato arredondado e cor dourada, parecido ao dos deliciosos pães ázimos consumidos naquele tempo no Oriente.6 Portanto, em certo sentido, semelhantes ao fruto proibido do Paraíso, que era “atraente para os olhos e desejável” (Gn 3, 6), dando a ideia, sobretudo para quem tinha poder para isso, de serem transformáveis em pão. Bastaria um ato de sua vontade e Jesus as converteria num magnifico alimento saído do forno de sua palavra criadora, suficiente para Lhe saciar a fome. Ele, que ainda multiplicaria pães e peixes, transmutaria a água em vinho e operaria outros milagres sobre a comida, estava em condições favoráveis de transformar aquelas pedras. E satanás O estimula, em sua humanidade, para que use de suas capacidades sobrenaturais.
Eis a tática empregada pelo anjo das trevas na hora da tentação: começa por excitar a sensibilidade. Ao agir assim, atinge grande número de almas, sobretudo fomentando o interesse pelos bens materiais. Estes, e em especial o dinheiro, são simbolizados pela pedra e pelo pão, e constituem o maior empecilho para a santificação dos que põem sua esperança nos valores deste mundo.
O demônio mente ao fazer esta proposta a Nosso Senhor, pois promete a vida — comer, naquela circunstância, era uma questão de subsistência —, mas é à morte que quer conduzi-Lo, ao sugerir que use seu poder divino para satisfazer uma mera necessidade humana. Na verdade, Ele tinha direito de operar o milagre, mas o demônio não o sabia. Esta passagem nos confirma como satanás nunca promove a vida nem produz união, pois só se empenha em levar as almas ao pecado e, após lograr a queda de muitas delas, visa o aniquilamento da sociedade.

Uma vez lançado o desafio, iria Nosso Senhor dialogar com o tentador?
Continua no próximo post.

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