Comentário ao Evangelho – IV Domingo da Quaresma – Domingo Laetare – Jo 9, 1-41
Má vontade diante do milagre
patente
8 “Os vizinhos e os que costumavam ver o
cego — pois ele era mendigo — diziam: ‘Não é aquele que ficava pedindo
esmola?’. 9 Uns diziam: ‘Sim, é ele!’. Outros afirmavam: ‘Não é ele, mas alguém
parecido com ele’. Ele, porém, dizia: ‘Sou eu mesmo!’. 10 Então lhe
perguntaram: ‘Como é que se abriram os teus olhos?’. 11 Ele respondeu: ‘Aquele
homem chamado Jesus fez lama, colocou-a nos meus olhos e disse-me: ‘Vai a Siloé
e lava-te’. Então fui, lavei-me e comecei a ver’. 12 Perguntaram-lhe: ‘Onde
está ele?’. Respondeu: ‘Não sei’”.
Um fato
tão extraordinário como este foi motivo de grande sensação, comentários e
discussões entre “os vizinhos e os que costumavam ver o cego” pedindo esmolas.
O sintético relato evangélico não especifica se houve manifestações de
entusiasmo, de incredulidade ou de ódio. Contudo, parece certo que a primeira
reação de alguns foi, pelo menos, de “ignorar” a evidência da cura milagrosa.
Indício disso é o tom reservado das respostas do feliz beneficiário do milagre.
Má-fé e dureza de coração dos
fariseus
13 “Levaram então aos fariseus o homem que
tinha sido cego. 14 Ora, era sábado, o dia em que Jesus tinha feito lama e
aberto os olhos do cego. 15 Novamente, então, lhe perguntaram os fariseus como
tinha recuperado a vista. Respondeu-lhes: ‘Colocou lama sobre meus olhos, fui
lavar-me e agora vejo!’. 16 Disseram, então, alguns dos fariseus: ‘Esse homem
não vem de Deus, pois não guarda o sábado’. Mas outros diziam: ‘Como pode um
pecador fazer tais sinais?’. 17 E havia divergência entre eles. Perguntaram
outra vez ao cego: ‘E tu, que dizes daquele que te abriu os olhos?’. Respondeu:
‘É um profeta’. 18 Então, os judeus não acreditaram que ele tinha sido cego e
que tinha recuperado a vista”.
A par
do desentendimento instalado entre os fariseus a propósito do acontecimento,
esses versículos tornam patentes dois aspectos do estado de espírito deles. A
má-fé: pouco se importando com o favor dispensado por Nosso Senhor ao
infortunado cego, proferem contra Ele a desgastada censura de violação do
sábado. E a dureza de coração: mesmo diante da evidência, negam-se a acreditar
em Jesus e inquirem o mendigo, não para apurar a verdade, mas na esperança de
conseguir um testemunho hostil ao Divino Mestre. “Interrogam-no acerca da visão
obtida, não para saber, mas para forjar uma calúnia e impor falsidade”,9
comenta São Tomás. O ex-cego, pelo contrário, faz diante deles um ato de fé em
Jesus: “É um profeta”.
Como se esquivam os pais do cego
18b “Chamaram os pais dele 19 e
perguntaram-lhes: ‘Este é o vosso filho, que dizeis ter nascido cego? Como é
que ele agora está enxergando?’. 20 Os seus pais disseram: ‘Sabemos que este é
nosso filho e que nasceu cego. 21 Como agora está enxergando, isso não sabemos.
E quem lhe abriu os olhos também não sabemos. Interrogai-o, ele é maior de
idade, ele pode falar por si mesmo’. 22 Os seus pais disseram isso, porque
tinham medo das autoridades judaicas. De fato, os judeus já tinham combinado
expulsar da comunidade quem declarasse que Jesus era o Messias. 23 Foi por isso
que seus pais disseram: ‘É maior de idade. Interrogai-o a ele’”.
Não
tiveram dificuldade os pais do cego em perceber a malícia e o ódio que
imperavam nesse inquérito dos fariseus. E tinham motivos de sobra para
temê-los, pois a expulsão da sinagoga poderia ter graves consequências no campo
civil, como o desterro e o confisco dos bens. Por isso preferiram cortar
qualquer possibilidade de fazer algum pronunciamento a respeito de Jesus: Não
sabemos, perguntai ao nosso filho, ele é maior de idade.
Contraste entre o ódio dos
fariseus e a sabedoria do mendigo
24 “Então, os judeus chamaram de novo o
homem que tinha sido cego. Disseram-lhe: ‘Dá glória a Deus! Nós sabemos que
esse homem é um pecador’. 25 Então ele respondeu: ‘Se ele é pecador, não sei.
Só sei que eu era cego e agora vejo’. 26 Perguntaram-lhe então: ‘Que é que ele
te fez? Como te abriu os olhos?’. 27 Respondeu ele: ‘Eu já vos disse, e não
escutastes. Por que quereis ouvir de novo? Por acaso quereis tornar-vos
discípulos d’Ele?’. 28 Então insultaram-no, dizendo: ‘Tu, sim, és discípulo
d’Ele! Nós somos discípulos de Moisés. 29 Nós sabemos que Deus falou a Moisés,
mas esse, não sabemos de onde é’. 30 Respondeu-lhes o homem: ‘Espantoso! Vós
não sabeis de onde ele é? No entanto, ele abriu-me os olhos! 31 Sabemos que
Deus não escuta os pecadores, mas escuta aquele que é piedoso e que faz a sua vontade.
32 Jamais se ouviu dizer que alguém tenha aberto os olhos a um cego de
nascença. 33 Se este homem não viesse de Deus, não poderia fazer nada’. 34 Os
fariseus disseram-lhe: ‘Tu nasceste todo em pecado e estás nos ensinando?’. E
expulsaram-no da comunidade”.
Grande
era a contumácia dos dirigentes da sinagoga. Nota-se nesses versículos, mais
uma vez, sua malévola insistência na tentativa de obter do miraculado uma
declaração contra o Senhor. “Os fariseus procuravam em sua resposta somente um
motivo para desvirtuar os fatos e negar que Cristo o havia curado”, observa o
padre Tuya.10 Mas, assistido pelo Espírito Santo, o mendigo respondeu-lhes com
acerto, tal como o próprio Jesus teria feito em iguais circunstâncias. “Que
contraste entre o ódio, a astúcia e a violência dos fariseus, reprimida no
início, mas logo depois declarada, e, de outro lado, a calma, a habilidade e a
fina ironia do mendigo que, embora aparentemente vencido, conseguirá a
vitória!”,11 comenta bem a propósito Fillion. Prevaleceu a sabedoria do homem
simples fiel à graça sobre a pretensiosa ciência dos fariseus, ficando patente
que o milagre beneficiara mais profundamente a visão da alma do que a visão do
corpo.
Quanto
aos fariseus, estes reagiram de acordo com sua obstinação: após insultar
grosseiramente o homem que uma autoridade justa deveria tratar com toda a
benevolência, decretaram contra ele a sentença de excomunhão.
Uma
razão a mais para Jesus o atrair a Si com sua divina bondade. Comenta, a esse
respeito, Santo Agostinho: “Depois de muitas coisas, foi excluído da sinagoga
dos judeus aquele que era cego e agora enxergava. Enfureceram-se contra ele e o
expulsaram. E era isso que temiam seus pais, conforme foi declarado pelo
Evangelista. [...] Temiam, pois, eles serem enxotados da sinagoga; ele não
temeu e foi enxotado; os pais permaneceram nela. Mas ele é acolhido por Cristo
e pode dizer: ‘Porque meu pai e minha mãe me abandonaram’. Que acrescentou? ‘O
Senhor, porém, tomou-me sob a sua proteção’. Vem, ó Cristo, e recebe-o; eles o
excomungaram, acolhe-o tu. Tu, o Enviado, acolhe o excluído”.12
Continua no próximo post
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