CONTINUAÇÃO DOS COMENTÁRIOS AO EVANGELHO DO V DOMINGO DA QUARESMA
Porém,
ao acrescentar: “Nosso amigo, Lázaro, dorme; mas vou despertá-lo” (v. 11), deu
aos Apóstolos nova esperança de não ser necessário retornar à Judéia pois,
segundo a forte experiência da época, a retomada do sono ao longo de uma
enfermidade grave era indício de boa convalescença, e por isso exclamam:
“Senhor, se ele dorme, também se há-de levantar” (v. 12).
Diante
dessa situação era indispensável falar-lhes às claras, revelando-lhes a morte de
Lázaro. Só este particular já seria suficiente para melhor crerem nas propostas
de Jesus, pois, até aquele instante, ninguém ali sabia do falecimento de
Lázaro, que Ele lhes comunica com toda segurança. E ademais, aproveita para
estimular a confiança dos Apóstolos, manifestando sua alegria pelo fato de eles
não terem estado em Betânia durante a enfermidade de Lázaro, pois, nesse caso,
Jesus se veria na contingência de curá-lo antes de sua morte, diminuindo, assim,
a grandeza do milagre da ressurreição que iria operar.
Vê-se
pela narração o quanto os próprios Apóstolos estavam sendo formados na fé,
passo a passo, através dos milagres, conforme Ele mesmo afirma: “para que
acrediteis” (v. 15). Jesus iria selar o término de sua vida pública — os
últimos momentos das doze horas do dia — com o mais portentoso milagre. Ele a
iniciara com a transformação da água no melhor dos vinhos, em Caná, e agora,
antes do anoitecer, traria à vida um morto já em franca decomposição. Nessa
ocasião, o mais débil — São Tomé — solta o gemido que estava no fundo da alma
de todos: “Vamos nós também, para morrer com Ele” (v. 16). O Espírito Santo
ainda não os confirmara na vocação e o instinto de conservação disputava com as
virtudes no interior de cada um.
Encontro com Marta e Maria (vv. 17-37)
Betânia,
segundo a própria narração (v. 18), ficava a menos de 3 km de distância de
Jerusalém. Essa propriedade pertencente à família de Lázaro havia sido
utilizada por Jesus com freqüência, quase todas as vezes que devia ir a
Jerusalém, não só por sua proximidade, mas até mesmo pelo conforto. Essa é
também a razão de ali se encontrarem muitos judeus (v. 19). O luto era
observado ao longo de sete dias, sendo os três primeiros reservados para o
pranto e os quatro outros para receber as visitas de pêsames. O costume
rabínico era estrito e rigoroso, comportando até mesmo o jejum (I Sam 31, 13),
em meio às lágrimas (Gen 50, 10). Em essência, ao retornar do enterro — que,
aliás, devia ser no próprio dia do falecimento — o ritual ordenava cobrir a
cabeça e sentar-se ao chão com os pés descalços. As visitas não pronunciavam
nenhuma palavra, pois essa iniciativa cabia somente aos parentes dos falecidos.
O convívio, nessas circunstâncias, era silencioso.
Assim
permaneceu Maria, por não ter ideia da chegada de Jesus à aldeia, enquanto
Marta foi ao seu encontro (v. 20) a fim de Lhe noticiar todo o ocorrido. Uma vez
mais os fatos nos revelam as características próprias a cada uma das duas
irmãs. Marta é mais dada à administração, às relações sociais, etc., e Maria
mais ao fervor amoroso. Por isso Marta não avisa sua irmã, pois seria
impossível retê-la junto às visitas enquanto se desenrolasse seu diálogo com o
Mestre. Aliás, esse diálogo não poderia ter transcorrido com maior ternura e
delicadeza. Não há a menor sombra de queixa da parte de Marta ao afirmar:
“Senhor, se estivesses cá, meu irmão não teria morrido” (v. 21), pelo
contrário, trata-se da manifestação de um pesaroso sentimento feito de
confiança no poder de Jesus.
Maria,
por sua vez, repetirá exatamente essa mesma frase (v. 32), permitindo-nos
perceber o teor das conversas havidas entre ambas naqueles últimos dias.
Entretanto,
a fé de uma e outra ainda não havia atingido sua plenitude, pois não podiam
imaginar o grande milagre que iria ser operado por Jesus. Marta não tem noção
do poder absoluto de Jesus, e daí o condicionar as ações do Divino Mestre aos pedidos
que Ele faça a Deus (v. 22): “Tudo o que pedires a Deus, Deus to concederá”.
Marta
externa sua firme crença na ressurreição final e nessa ocasião espera rever seu
irmão em corpo e alma (v. 24), sem jamais imaginar a possibilidade de
reencontrá-lo naquele mesmo dia. Jesus, o Divino Didata, vê chegado o momento
de proferir uma das mais belas afirmações do Evangelho. Em outros trechos Ele
terá revelado: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida” (Jo 14, 6); “Eu sou a luz
do mundo” (Jo 8, 12); “Eu sou o pão da vida” (Jo 6, 35), mas nenhuma atinge a
altura teológica desta, em questão: “Eu sou a Ressurreição e a Vida; aquele que
crê em Mim, ainda que esteja morto, viverá; 26 e todo aquele que vive e crê em
Mim, não morrerá eternamente” (vv. 25-26). E com uma paternalidade comovedora
pergunta a Marta: “Crês nisto?”, para movê-la a um ato explícito de fé e fazê-la
crescer em méritos.
O
diálogo dera seus melhores frutos, era necessário consolar a outra irmã. Marta
a avisa “em segredo” (v. 28) que o Mestre chegara. Conforme seu temperamento
arrojado, saiu a toda pressa para encontrá-Lo. Seu gesto levou todos os
visitantes a imitá-la; imaginando que ela iria chorar junto ao túmulo,
seguiram-na (vv. 29-31).
Especialmente
digna de nota é a cena de seu encontro com Jesus. Marta era mais controlada em
suas emoções, determinada em seus objetivos e, portanto, capaz de expor em
palavras todos os seus sentimentos. Maria, bem diferente de sua irmã, tem
arroubos de fervor sensível pelo Mestre, seu amor não conhece fronteiras e nem
permite ser freado em suas manifestações, sua alma realmente seráfica a leva a
lançar-se aos pés de Jesus, e o máximo que consegue exprimir é sua dor, em
breves termos. De resto era chorar, soluçar, e com tal substância que todos se
viram tocados por sua reação, acompanhando-a no pranto (vv. 32-33).
Maria
era tão carismática em sua fé, no ardor de seus desejos e na comunicação de sua
benquerença por Jesus, que Ele próprio “comoveu-Se profundamente e
perturbou-Se” (v. 33). Bem
dizia Lacordaire: “L´intelligence ne fait que parler; c´est l´amour qui
chante!” Nossas palavras podem convencer, mas nosso amor poderá até
mesmo tocar o Sagrado Coração de Jesus. Quão humano, sem deixar de ser divino,
Ele se mostra nessa ocasião, sobretudo ao derramar, também Ele, suas
preciosíssimas lágrimas, santificando, assim, as lágrimas roladas de todos os
corações sofredores por amor a Deus, ou arrependidos de suas faltas.
Era
essa a maior prova de amor externada pelo Salvador, até aquele instante, em
relação ao seu amigo Lázaro.
Sempre
“pedra de escândalo”, os campos se dividem em vista de suas lágrimas. Alguns
são tomados de admiração, outros O recriminam por ter deixado morrer Lázaro.
Hipocrisia pura, segundo autores clássicos, pois se põem a julgar Jesus antes
mesmo de qualquer ação sua. Esse é o efeito de uma antipatia preconcebida,
radicada, talvez, no vício da inveja (vv. 36-37).
Continua no próximo post
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