CONTINUAÇÃO DOS COMENTÁRIOS AO EVANGELHO 2º DOMINGO DA PÁSCOA – ANO A – Jo 20, 19-31
Uma ação divina para entender a ressurreição
São João conclui aqui o relato
desta primeira aparição. Como narra São Lucas, nessa circunstância Nosso Senhor
agiu na inteligência dos Apóstolos com uma intervenção direta de seu poder
divino, abrindo-lhes “o espírito, para que compreendessem as Escrituras” (Lc
24, 45). Sem tal ação, eles não teriam entendido nada acerca de sua Paixão e
Ressurreição, pois, formados segundo a mentalidade judaica da época, tinham uma
série de conceitos fixos em função de um Messias adaptado a seus interesses
pessoais, que não se identificava com Cristo. Este —o Messias real — era
infinitamente superior à figura daquele herói político e dotado de prestígio
social que o povo eleito havia concebido, ao longo dos tempos, como sendo o
Salvador de Israel.
Os Apóstolos ficaram admiradíssimos
com o que viram e comprovaram a Ressurreição — o Senhor inclusive “comeu à vista
deles” (Lc 24, 43) —, mas sua fé ainda não havia atingido a plenitude do
fervor, entusiasmo e arroubamento que alcançaria na descida do Espírito Santo,
depois da Ascensão de Jesus,
“NÃO SEJAS INCRÉDULO, MAS FIEL”
Nosso Senhor deixou passar uma
semana para lhes aparecer de novo, pois quis que as impressões daquele primeiro
encontro se sedimentassem em suas almas, Nesse intervalo, porém, Deus usou
de uma curiosa didática para firmá-los na missão de testemunhas da
Ressurreição, em face de uma dúvida surgida no próprio Colégio Apostólico.
A dureza de Tomé: pretexto para a ação de Deus
24 Tomé, chamado Dídimo, que era um dos Doze, não estava com eles quando
Jesus veio.
25 Os outros discípulos contaram-lhe depois: “Vimos o Senhor!” Mas Tomé
disse-lhes: ‘Se eu não vir a marca dos pregos em suas mãos, se eu não puser o
dedo nas marcas dos pregos e não puser a mão no seu lado, não acreditarei”.
Tomé, ausente do Cenáculo
quando Jesus ali estivera junto aos discípulos, não havia se beneficiado do
convívio com o Senhor, e, ao ouvir a notícia, recalcitrou em não acreditar,
declarando que só se convenceria se comprovasse por si mesmo a Ressurreição.
Ora, nada acontece por acaso. O fato de o túmulo ter sido arrombado de maneira
estrepitosa à vista dos guardas, o relato das Santas Mulheres e dos discípulos
de Emaús, atestando que o Mestre estava vivo e lhes aparecera, nada disso havia
sido suficiente para persuadir aqueles homens eleitos por Deus para serem os
fundamentos da Igreja. Era preciso que eles vissem e tocassem com as próprias
mãos o Ressuscitado, e ainda sustentassem uma semana de discussão com um irmão
de vocação. E São Tomé era a pessoa ideal para isso, pois, como se pode inferir
da narração, possuía um caráter obstinado, aferrado às suas ideias, que ninguém
mudava; era um espírito positivo, quase cartesiano.
Deus permitiu isso também para
que os outros Apóstolos, já trabalhados por Nosso Senhor, tivessem um choque
com atitude tão incrédula, e ficasse patente para eles a diferença entre quem
ouvira duas vezes “A paz esteja convosco” e quem não fora objeto deste favor.
Tomé vinha com a agitação da atividade, com as aflições de quem está alheio à
contemplação e, em consequência, fraquejou na fé.
Jesus aparece pela segunda vez
26 Oito dias depois, encontravam-se os discípulos novamente reunidos em
casa, e Tomé estava com eles. Estando fechadas as portas, Jesus entrou, pôs-Se
no meio deles e disse: A paz esteja convosco”.
É interessante notar que Jesus
escolhe o mesmo dia da semana em que havia se dado a Ressurreição para Se manifestar
novamente. De acordo com os costumes judaicos que observavam o repouso sabático,
correspondia à nossa atual segunda-feira. Devido ao fato de Nosso Senhor ter
ressuscitado no primeiro dia, este substituiu o sábado, passando a ser comemorado
pelos cristãos com a celebração da Eucaristia e denominado domingo, ou seja,
dia do Senhor— dies Dominica, conforme encontramos mencionado já no Apocalipse (cf.
Ap 1, 10), por São João.
Apesar de todas as graças recebidas
na ocasião anterior, os Apóstolos ficam mais uma vez amedrontados. E é
compreensível, pois, se a aparição de um Anjo incute temor, como não causaria a
de um Deus feito Homem, ostentando em seu Corpo marcas de glória? Por isso
Nosso Senhor lhes deseja outra vez a paz. Paz sobrenatural que Ele próprio
comunica à alma de cada um.
É na paz que as virtudes se desenvolvem
27Depoi disse a Tomé: ‘Põeo teu dedo aqui e olha as minhas mãos. Estende
a tua mão e coloca-a no meu lado. E não sejas incrédulo, mas fiel”. 28 Tomé
respondeu: “Meu Senhor e meu Deus!”
Assim como fizera aos outros,
Jesus apre sentou as mãos a Tomé e afastou a túnica, de modo a mostrar a chaga
do lado, para que o Apóstolo incrédulo também se tornasse testemunha da
Ressurreição. O felix culpa! Ao tocar nas sagradas chagas, São Tomé deu-nos a prova
de que era realmente o Corpo do Divino Mestre, curando “em nós as chagas de
nossa incredulidade. De maneira que a incredulidade de Tomé foi mais proveitosa
para nossa fé do que a fé dos discípulos que acreditaram, porque, decidindo
aquele apalpar para crer, nossa alma se afirma na fé, descartando toda dúvida”.6
E naquele momento Nosso Senhor Jesus Cristo, Criador da graça e em quem estão
todas as graças, agiu em sua inteligência, infundindo-lhe uma fé extraordinária
que o levou a reconhecer a sua divindade. Ele teve uma experiência mística de
que ali estava a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, a natureza divina unida
à natureza humana, e de seus lábios brotou uma exclamação que era o máximo que
ele poderia dizer, um verdadeiro ato de adoração: “Meu Senhor e meu Deus!”.
Bastou tocar no Homem-Deus para alcançar a fidelidade que lhe faltava!
Há ainda nesta passagem outro
aspecto que merece nossa atenção: tudo isto aconteceu depois de São Tomé
receber a paz de Nosso Senhor. Do contrário, embora ele pusesse a mão na chaga
de nada aproveitaria, porque é na paz que a fé, a esperança, a caridade enfim,
todas as virtudes se desenvolvem.
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