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quarta-feira, 30 de abril de 2014

Evangelho III Domingo da Páscoa – Lc 24, 13-35 – Ano A

CONCLUSÃO DOS COMENTÁRIOS AO EVANGELHO DO 3º DOMINGO DA PÁSCOA - Lc 24, 13-35 - ANO A
Ora, nós esperávamos que Ele fosse o que havia de libertar Israel; depois de tudo isto, é já hoje o terceiro dia, depois que estas coisas sucederam.
O verbo “esperar”, empregado no passado, dá bem ideia da decepção na qual se encontravam ambos. Suas atenções estavam concentradas, sobretudo, na possível libertação do domínio dos romanos. Ademais, julgando Jesus destinado a ser um Rei deste mundo, não podiam admitir que Ele não tivesse poder para libertar-se da sentença de morte que Lhe fora infligida. Entretanto, se bem estivessem com a virtude da fé um tanto abalada, restava-lhes ainda uma esperança, era a promessa proferida por Jesus em várias ocasiões sobre sua ressurreição ao terceiro dia.
É verdade que algumas mulheres, das que estavam entre nós, nos sobressaltaram porque, ao amanhecer, foram ao sepulcro 23 e, não tendo encontrado seu corpo, voltaram dizendo que tinham tido a aparição de anjos que disseram que Ele está vivo. 24 Alguns dos nossos foram ao sepulcro e acharam que era assim como as mulheres tinham dito; mas a Ele não O encontraram.
É patente o quanto a tristeza, a perplexidade e até a perturbação, penetravam o âmago de suas almas. A narração é toda ela hipotética, nada feita de certeza. De fato, o povo eleito sempre foi privilegiado por uma robusta lógica, e, diante da pura inteligência humana, como explicar aqueles acontecimentos todos?
Segundo os cânones do pensamento humano, com a trágica morte do Divino Mestre, todas as esperanças haviam terminado, por mais que as melhores testemunhas afirmassem ter desaparecido seu corpo. O próprio São Paulo diria mais tarde: “E, se Cristo não ressuscitou, é vã a nossa pregação, é também vã a nossa fé” (I Cor. 15,14). Mas, a prova de sua ressurreição ainda não se havia consumado oficialmente. Assim sendo, quais os elementos para crerem? Só as palavras dos profetas e do próprio Jesus? Sendo afirmações e promessas feitas pela Verdade Absoluta, era preciso admiti-las como reais. Entretanto, longe dos acontecimentos é sempre mais fácil o exercício da virtude da fé, e a proximidade dos mesmos lhes turvava a compreensão e dificultava a inteira adesão da inteligência e da vontade. Apesar de discípulos, ambos haviam se olvidado do que lhes tinham dito seus ancestrais na Religião.
Então Jesus disse-lhes: “Ó estultos e lentos do coração para crer tudo o que anunciaram os profetas! 26 Porventura não era necessário que o Cristo sofresse tais coisas, para entrar na sua glória?”
Sim, era-lhes necessário crer na Escritura, como São Pedro diria mais tarde: “Atendei antes de tudo a isto: que nenhuma profecia da Escritura é de interpretação particular. Com efeito, a profecia nunca foi proferida por vontade humana, mas, movidos pelo Espírito Santo, certos homens falaram da parte de Deus” (II Ped 1, 20-21). Por isso, mais vale crer no testemunho dos profetas do que em nossos sentidos. Aqueles não falham, estes porém, não raras vezes nos enganam. Para crer, não lhes era indispensável ter acompanhado ao túmulo as santas mulheres, nem Pedro e João, bastava-lhes recordarem as assertivas das Escrituras sobre a Ressurreição, tanto mais que as da Paixão já se haviam cumprido tais quais. E, sobretudo, não podia pairar a menor fímbria de dúvida na palavra do Salvador. “Verbum Domini manet in aeternum” (I Pd 1, 24), a palavra de Deus permanece eternamente.
Em seguida, começando por Moisés e discorrendo por todos os profetas, explicava-lhes o que d’Ele se encontrava dito em todas as Escrituras.
Pode-se, às vezes, conhecer as Escrituras todas de cor, mas, nem por isso, saber conjugar seus trechos a fim de melhor entender sua aplicação aos casos concretos. Quanto às citações, nada era novo aos dois discípulos. Quanto à interpretação das mesmas, porém, as explicações de Jesus constituíram certamente uma atraentíssima e magistral aula de exegese. Quem não desejaria assistir a ela? Que grande privilégio o daqueles dois! Certamente, o Divino Mestre deve ter-lhes mostrado, através de luminosas palavras e de especiais graças, o quanto era errôneo o conceito unânime no povo eleito a respeito de um Messias triunfante, restaurador de seu poder político-social e instaurador de uma influente e prestigiosa supremacia sobre as outras nações. A Escritura Lhe serviu de argumento irrefutável para os objetivos da formação que desejava dar-lhes.
Aproximaram-se da aldeia para onde caminhavam. Jesus fez menção de ir para mais longe. 29 Mas os outros insistiram com Ele, dizendo: “Fica conosco, porque faz-se tarde e o dia já declina”. Entrou para ficar com eles.
A delicadeza e a didática em substância se unem nesse gesto do Salvador ao “fazer menção” de ir adiante. Assim, incentiva-os não só a convidá-Lo a permanecer com eles, como também a conferir à sua companhia o devido valor. Eles O convidam e até insistem, apresentando como argumento a hora tardia. Exemplo para nós: quando rezamos, trata-se de usar de pertinácia, pois, dessa forma, “Jesus entrará para ficar conosco”. Caso contrário, Ele seguirá adiante.
Estando com eles à mesa, tomou o pão, abençoou-o, partiu e lho deu. 31 Abriram-se os seus olhos e reconheceram-No; mas Ele desapareceu da vista deles.

Terá Jesus, nessa hora, operado a transubstanciação? Eis uma questão muito debatida nos séculos XVI e XVII entre duas correntes teológicas. Uma conclusão clara a esse respeito ainda está por fazer-se, entretanto, por mais que não se tivesse dado a consagração eucarística, estava ela ali figurada. E é indiscutível ser esse Sacramento fundamental para nos fortalecer na fé e fazê-la crescer, sobretudo no tocante ao mysterium fidei que enfeixa a Paixão e a Ressurreição do Redentor. A Eucaristia nos dá a vida sobrenatural que tem seu fundamento na fé. Crer na ressurreição de Cristo é absolutamente necessário para nossa salvação e, sem essa crença, é impossível nosso próprio progresso na vida espiritual. Quanto mais se torne efetiva e robusta nossa fé em Cristo ressurrecto, maior será nosso afervoramento e união com o Redentor, como também mais superabundantes serão os frutos dessa belíssima festa instituída pela Santa Igreja.
Disseram então um para o outro: “Não é verdade que nós sentíamos abrasar-se-nos o coração, quando Ele nos falava pelo caminho e nos explicava as Escrituras?” 33 Levantando-se no mesmo instante, voltaram para Jerusalém. Encontraram juntos os onze e os que estavam com eles, 34 que diziam: “Na verdade o Senhor ressuscitou e apareceu a Simão”. 35 E eles contaram também o que lhes tinha acontecido no caminho, e como O tinham reconhecido ao partir o pão.
Os versículos finais nos retratam com muita viveza e piedade os efeitos dessa primeira aparição de Jesus a dois fiéis da Igreja nascente, sendo especialmente digno de nota o testemunho da ação da graça mística nas almas de ambos, enquanto Jesus lhes discorria sobre as Escrituras (v. 32).
É tal o apreço de Deus por sua própria Palavra que Ele sempre faz acompanhar de generosos auxílios o estudo, interesse e piedade aplicados ao conhecimento amoroso dos textos sagrados.
1 ) Cf. Mt 18, 20.
2 ) Cf. Jo 20, 14-17.
3 ) Cf. Jo 21, 4-22.
4 ) Teología de la Salvación, BAC, Madrid,
1997, p. 486.
5 ) Cf. Is 49,10; Ap 7, 15; Mt 21, 43; São Tomás de Aquino, Suma contra os Gentios, IV, 86.
6 ) Cf. Pe. Royo Marín, OP, op. cit., p. 507.
7 ) Professores de Salamanca, Bíblia Comentada, Vol. II, BAC, Madrid, 1994, p. 930.
8 ) Apud Catena Áurea, in Lucam.

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