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quarta-feira, 3 de setembro de 2014

Evangelho – XXIII Domingo do Tempo Comum – Ano A – Mt 18, 15-20

Continuação dos comentários ao Evangelho – XXIII Domingo do Tempo Comum – Ano A – Mt 18, 15-20
Já não pertencem ao Rebanho
Se ele não der ouvidos à voz da Igreja, deverá ser considerado como um publicano ou gentio. Será indispensável haver um rompimento de relações. Nenhum vínculo nos unirá a ele. Ver-se-á excluído tal qual os pagãos ou os publicanos, que não eram admitidos pelos judeus na comunicação do culto e das orações. A consideração de todos a seu respeito será como a de uma pessoa perniciosa que poderia colocar em risco a perseverança dos demais; daí a necessidade de evitarem o seu convívio.
Pobre daquela pessoa que não ouve a voz da Igreja ou que despreza o timbre e a sonoridade dessa voz. Poderá ela levantar-se contra sua autoridade, discutir sobre seus deveres, menosprezar suas correções ou condenações. A palavra do Senhor, porém, é firme como uma rocha: “O Céu e a Terra passarão, mas as minhas palavras não passarão” (Mt 24, 35). Tal pessoa já não pertencerá ao Rebanho do Bom Pastor; não mais terá direito ao nome de católico, apostólico e romano... Quem dá as costas à Igreja de Jesus Cristo será considerado como um gentio ou publicano aos olhos de Deus.
Essa denúncia deve ser feita com espírito cristão. Assim procederam os criados da parábola quando, com tristeza, comunicaram a falta do seu companheiro ao rei (cf. Mt 18, 31). Se os acusadores se movessem por espírito de ódio ou de vingança, por puro egoísmo ou por inveja, deveriam ser tidos por delatores rasteiros; mas, procedendo assim, eles não podem ser vistos como personagens abjetos e mal conceituados.
Deus manda que os repreendamos e afastemos
O católico, quando acusa, o faz por amor e com amor. Levando em consideração que o pecador não poucas vezes poderá vir a constituir um perigo para o bem comum e, portanto, para a própria sociedade, não denunciá-lo será uma omissão contra a caridade, ou até mesmo comodidade egoísta e covarde. Não é incomum encontrarmos essa omissão como vício praticado até no interior de algumas comunidades religiosas; omissão que acaba por transformar-se em desabafo e se desdobra, muitas vezes, em comentários difundidos entre os demais sobre as infrações destes ou daqueles culpados, verdadeiras murmurações que às vezes ultrapassam os limites da calúnia.
Essa falta de caridade tem conseqüências maléficas sobre o próprio infrator, que muito lucraria se fosse conhecido como tal. Pois a situação de repudiado por todos os seus conhecidos faria crescer nele o senso de vergonha e poderia servir-lhe de um bom meio de conversão, conforme ensina São Jerônimo: “Entretanto, se tampouco a esses ele quer escutar, então deve-se dizer isso a muitos, para que o detestem e, assim, aquele que não pôde ser salvo pela vergonha salve-se pelas afrontas”.8
Por isso mesmo, é um dever denunciar o pecador, e assim o sublinha a Glosa: “Ou dize-o também a toda a Igreja, para fazê-lo passar maior vergonha. Depois de tudo isso deve seguir-se a excomunhão, a qual precisa ser feita pela boca da Igreja, isto é, pelo sacerdote que, quando excomunga, toda a Igreja excomunga com ele”.9
Vale aqui também o princípio latino: corruptio optimi, pessima. Vemos o quanto é mais pernicioso um cristão que enverede pelos caminhos do mal do que, às vezes, os próprios maus, como assevera São Jerônimo: “Pelas palavras ‘seja ele para ti como um pagão e um publicano’, o Senhor nos dá a entender que devemos detestar mais quem com o nome de cristão pratica obras de infiéis do que quem é claramente pagão. Dá-se o nome de publicanos àqueles que buscam as riquezas do mundo e exigem impostos por meio de tráficos, fraudes, furtos e perjúrios horríveis”.10
Ou, ainda, como ressalta São João Crisóstomo: “Contudo, nunca o Senhor nos mandou, a respeito dos que estão fora da Igreja, uma coisa parecida com a que nos manda aqui sobre a correção dos irmãos. Porque no tocante aos estranhos diz Ele: ‘Se alguém te ferir a face direita, oferece-lhe também a outra’ (Mt 5, 39); e São Paulo: ‘Pois que tenho eu de julgar os que estão fora?’ (I Cor 5, 12). Com relação aos irmãos, porém, nos manda que os repreendamos e os afastemos”.11
Virtude da parte do acusador e do acusado
Nunca será demasiado insistir que a nota não só tônica, mas essencial, dessa denúncia deverá ser o amor ao próximo por amor a Deus, pois quem se encoleriza contra o seu irmão será réu no tribunal de Deus (cf. Mt 5, 22). A indignação egoísta e malfazeja, o sarcasmo, a zombaria, a vingança, etc., não podem penetrar nem sequer as zonas ocultas de nosso coração, pois ali está Deus para analisar nossos sentimentos e intenções. Eles são a fonte de nossos atos, e por isso todo rancor deve ser erradicado com intransigência.
Da parte do acusado, também será exigida a virtude para sua conversão, pois não lhe fará pouca resistência a mesma soberba que o levou a andar mal. “Quem encontrará um homem que deseja ser repreendido? Onde encontraremos aquele sábio, de quem diz Salomão nos Provérbios: ‘Repreende o justo e ele te amará’? (Prov 9, 8)”.12 A manifestação de arrependimento e emenda da parte do corrigido é saudada com uma bela exclamação do Eclesiástico (cf. Eclo 20, 4), afirmando que por esse meio se consegue mais facilmente fugir do pecado. E São Basílio faz uma analogia entre a disposição de um enfermo que aceita os penosos tratamentos indicados pelo médico para obter sua cura, e a humildade de um homem que realmente deseja sua salvação eterna, pois este também aceita com gáudio a correção que se lhe faça, por mais amarga e áspera que esta possa ser.13
O receber mal as repreensões constitui não só uma ofensa a Deus, mas até mesmo conduz a rejeitar toda semelhança com Nosso Senhor Jesus Cristo. Quem assim procede não tardará em perder todas as suas virtudes e, por orgulho, caminhará de queda em queda, aproximando-se a cada passo do espírito de satanás.
O poder dado a Pedro
“Em verdade vos digo: tudo o que ligardes sobre a Terra será ligado no Céu, e tudo o que desligardes sobre a Terra será também desligado no Céu”.
Devemos manifestar nossa gratidão cheia de júbilo por essa concessão feita pelo Redentor aos primeiros Pastores da Igreja e estendida a todos os seus sucessores.
Trata-se de um nobilíssimo poder, elevado, amplo e necessário para a perpetuidade do depósito da Fé, a conservação dos bons costumes e da tradição, em suma, da boa ordem. Ele foi concedido em plenitude a Pedro (cf. Mt 16, 18-19) e é em decorrência da autoridade dele que os outros o têm. “Esses vastíssimos poderes que tocam tanto ao foro externo quanto ao interno — quer dizer, o direito de pronunciar sentenças judiciais e o de absolver os pecados — não são confiados, como é natural, à massa dos fiéis mas aos superiores regularmente instituídos. E se a fórmula pela qual eles lhes são conferidos assemelha-se à que Jesus usou quando nomeou São Pedro chefe supremo da Igreja, é natural também que não lhes conceda senão uma jurisdição subordinada à autoridade do Supremo Pastor”.14
Orígenes faz uma interessante observação sobre o plural: “nos céus”, usado por Jesus quando se refere aos poderes dados a Pedro, e o singular ao dirigir-se aos Apóstolos: no céu, “porque este poder não é tão perfeito quanto aquele dado a Pedro”.15
É de muito valor a apreciação de São Jerônimo a respeito desta passagem: “Como o Senhor havia dito: ‘E se recusar ouvir também a Igreja, seja ele para ti como um pagão e um publicano’ (Mt 18, 17), e poderia acontecer que o irmão, assim desprezado, respondesse ou pensasse da seguinte maneira: ‘se vós me desprezais, eu também vos desprezo, se vós me condenais, eu também vos condeno’, o Senhor deu aos Apóstolos um poder tal que não pode restar dúvida aos condenados por eles de que a sentença humana está confirmada pela sentença divina. Por isso diz: ‘Em verdade vos digo que tudo quanto ligardes’, etc.”.16

Cabe aqui também reproduzir as sábias considerações feitas por São João Crisóstomo: “E não disse àquele que preside na Igreja: ‘Liga quem assim peca’, mas: ‘Tudo quanto ligares’. O que era deixar tudo em mãos do ofendido. E os vínculos permanecem indestrutíveis. Logo, o pecador terá de sofrer os últimos castigos; a culpa disso, porém, não a terá quem o denunciou, mas quem não quis submeter-se. Vê-se como o Senhor condena o pecador a uma punição aqui na Terra e a outra no além. Porém, se ameaça com o castigo na Terra é para não chegar ao suplício no além, mas antes para que o obstinado se abrande pelo temor da ameaça, pela expulsão da Igreja, pelo perigo de ser atado na Terra e ficar ligado também nos céus. Sabendo disso, é natural que o homem — se não no princípio, ao menos ao passar por tantos tribunais — desista de sua ira. De onde ter o Senhor estabelecido um, dois e até três juízos, e não expulsar imediatamente o culpado, pois, caso se recuse a ouvir o primeiro tribunal, pode ceder ao segundo; se rechaça também o segundo, ainda lhe resta o terceiro. Se rejeita também este, podem ainda assustá-lo o castigo futuro e a sentença e justiça de Deus”.17
Continua no próximo post

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