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terça-feira, 9 de dezembro de 2014

III DOMINGO DO ADVENTO (DOMINGO GAUDETE) – ANO B – Jo I, 6-8. I 9-28

CONTINUAÇÃO DOS COMENTÁRIOS AO EVANGELHO III DOMINGO DO ADVENTO (DOMINGO GAUDETE) – ANO B – Jo I, 6-8. I 9-28

Insegurança entre as autoridades de Israel
19 Este foi o testemunho de João, quando os judeus enviaram de Jerusalém sacerdotes e levitas para perguntar: “Quem és tu?”
São João redigiu seu Evangelho com o objetivo, entre outros, de contrapô-lo às calúnias e desvios dos chefes da sinagoga, inimigos da incipiente Religião Cristã. Por esta razão, nele estabelece uma clara distinção entre Nosso Senhor e seus discípulos, de um lado, e os membros da classe dirigente de Israel, de outro lado. A estes — e em particular os fariseus, neste versículo — designa com o termo “judeus”.4
Jerusalém estava abalada. O burburinho popular em torno da pessoa de São João fez com que o Sinédrio — composto pelas elites israelitas, sempre muito empenhadas em manter o controle sobre o establishment e não se descolar das suas respectivas bases na opinião pública da época — ficasse preocupado. Pairava uma interrogação tremenda sobre aquele que estava pregando na outra margem do Jordão, num local onde controlá-lo ouprendê-lo para ser examinado no Templo não era tão fácil como seria na própria Cidade Santa.
Segundo o conceito deles, parecia evidente que se São João batizava, o fazia porque era o Messias, ou Elias ou o Profeta. A crença dos judeus em geral era que o Messias esperado abriria perspectivas grandiosas e traria a supremacia do povo
judeu sobre todos os outros. Era possível que Ele viesse batizando, mas seria um batismo de glória e salvação meramente humanas. Elias, por sua vez, constituía uma figura ímpar entre todos os profetas e, enquanto tal, também tinha o direito de batizar. O mesmo se diga do Profeta acima mencionado. Qual dos três era João? Assaltava-os um grande receio pelo fato de personagem tão misterioso não ter passado pela escola deles. Então, a inteligência desses homens punha-se a campo para descobrir sua origem, seus objetivos, e o porquê daqueles gestos, daquela atitude e simbologia.

A pregação de São João se opunha aos desígnios do Sinédrio
Com efeito, a ideia que tinham do Messias não correspondia a São João Batista. Este “seguia uma via precisamente oposta. Afirmava que filhos de Abraão podiam surgir inclusive das pedras; não prometia domínios e supremacia; não portava nem invocava armas; não se ocupava de política; não fazia milagres; era pobre e desnudo; mas, em compensação, toda a sua pregação se resumia numa admoestação moral” . Ele ensinava uma série de princípios que obrigavam quem o aceitasse como um enviado de Deus a mudar de vida. E isto era justamente o que não queriam os fariseus, cujas doutrinas se opunham às do Precursor. Contudo, pensavam eles, quiçá esta fosse apenas uma primeira fase de apresentação do Messias e, uma vez que ele adquirisse poder e influência política, com o domínio da opinião pública, se declarasse como eles desejavam. Era, portanto, vantajoso agir com diplomacia para que este homem ficasse do lado deles.
Assim, resolveram expedir uma comissão formada pelos mais capazes dentre os chefes religiosos israelitas, para saber ao certo quem ele era e decidir que atitude tomar. Por conseguinte, precisavam de uma informação clara. Sem dúvida estavam inseguros, porque se a missão de São João fosse oficial, a fama deles ficaria comprometida. Como explicar, então, que não tivessem sido avisados de sua vinda nem o tivessem descoberto até aquele momento? Na verdade, eles deviam ter noção de que já viviam no tempo do Messias, pois alguns anos antes, quandoanos antes, quando Herodes mandou perguntar aos príncipes dos sacerdotes e aos doutores da Lei onde Ele deveria nascer (cf. Mt 2, 3-6), foi-lhe dada a resposta correta, prova de que se aplicavam ao estudo e à interpretação das Escrituras, e este Esperado era tema de com versas entre eles. E não é de todo impossível que o Espírito Santo ainda lhes tenha concedido luzes a respeito da proximidade do advento do Salvador.
Outro motivo que os levava a não menosprezar a figura de São João Batista era que, depois de séculos de ausência de profetismo, Israel sentia-se apetente de uma voz que se pronunciasse acerca do Messias futuro, O próprio Deus punha nas almas uma sofreguidão, dando a entender que sua vinda era iminente. Se os animais têm instintos inerrantes para pressentir certos fenômenos da natureza, com maior razão existem na alma humana instintos que lhe permitem discernir o sobrenatural. E difícil de conjecturar que Nosso Senhor Jesus Cristo, estando no meio deles, já com 30 anos de idade, não tenha sido anunciado por inúmeros sinais. Um Deus que Se encarna para viver em sociedade não causará nada na natureza? E evidente que a presença de um Homem que não possui personalidade humana, mas é a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, e de sua Mãe, criatura sem pecado original, deve ter exercido um vigoroso influxo sobre o povo eleito, suscitando ações, imponderáveis, insatisfações, anseios e suspenses que criavam uma expectativa crescente.
Ou controlar, ou destruir…
O clima reinante no Jordão era acirrado devido ao entrechoque do poder constituído, em toda a sua força, com um homem que havia aparecido abruptamente. Não nos esqueçamos de que um ato sobrenatural feito com toda fé e compenetração tem três alcances: um é a alegria no Céu; outro, o tremor no inferno; e também repercute na Terra, onde as almas boas se sentem fortalecidas, os medíocres se tornam mais confusos e nos ruins cresce a amargura, a aflição, a insegurança. Este último era o efeito provocado no Sinédrio por São João Batista. Nicodemos e José de Arimateia deveriam experimentar maior apetência para o bem do que antes, mas a cúpula estava, havia algum tempo, temerosa, inquieta e agitada, mais ou menos como alguém que está com as mãos elevadas para impressionar o público, quando nota um outro revistando seu bolso para lhe tirar o dinheiro. Fica sem saber como agir, porque quereria pôr as mãos no bolso e não pode fazê-lo pelo medo do ridículo.
Como homens perversos que eram os membros do Sinédrio, se João fosse o Messias, Elias ou um profeta, talvez aparentassem aceitá-lo para tentar entrar em confabulação com ele. Planejariam um modo de trazê-lo para si, a fim de dominá-lo e evitar que tomasse atitudes opostas aos seus interesses. Se não o conseguissem, moveriam uma guerra contra ele, procurariam silenciá-lo ou até matá-lo, como seus pais haviam feito a muitos profetas ao longo dos séculos e, dentro de alguns anos, eles próprios haveriam de fazer a Jesus. Ninguém sabe se a posterior prisão de São João Batista, ordenada por Herodes, não terá sido articulada por mãos ocultas...
Meticulosamente restituidor
20 João confessou e não negou. Confessou: “Eu não sou o Messias”.
Este encontro, entre a delegação dos representantes da Religião verdadeira e São João Batista, proporcionava a este último a possibilidade de afirmar de forma oficial o que não havia dito de maneira tão clara até então.
Ao narrar o testemunho do Precursor, o Evangelista intencionalmente usa dois verbos: “confessou e não negou”, um afirmativo e outro negativo. Apenas um seria suficiente, mas ele quis ressaltar que houve uma confissão, ou seja, uma declaração solene, uma manifestação da sua fé, e, ao mesmo tempo, São João “não negou a verdade porque disse que não era o Cristo; de outra forma teria negado a verdade [...]. Não negou a verdade porque, por maior que fosse considerado, não se entregou à soberba usurpando para si a honra alheia”.6
É comum vermos no decorrer da História que o homem, posto diante de dois valores espirituais, um maior e outro menor, tende a preferir o inferior. Por exemplo, quando Gedeão venceu os 135 mil madianitas com apenas 300 homens (cf. Jz 7—8, 12), os hebreus lhe ofereceram os adornos de ouro obtidos como despojos da batalha, e Gedeão fez com eles um riquíssimo efod, que expôs em Efra, sua cidade. Pois bem, pouco tempo depois os judeus caíram na idolatria, adorando este objeto (cf. Jz 8, 24-27). E a lei da gravidade espiritual.
Por isso, antes mesmo de ser inquirido explicitamente sobre a sua missão, São João exclui por completo a ideia de ser o Messias. De fato, todo aquele que é enviado para anunciar alguém que lhe é superior tem verdadeiro pânico — posto por Deus e fruto da honestidade de alma — de que o tomem por esse que anuncia. “E dever do bom servidor não só não defraudar seu senhor na glória que lhe é devida, como também rejeitar as honras que a multidão lhe queira tributar”.7 Em São João esta impostação era um sexto sentido, e ele nem sequer cogitava na possibilidade de se apresentar como o Cristo.
Bem podemos imaginar que o Precursor tenha dito isso com alegria, porque no fundo de sua alma havia esperança! Elesabia, por inspiração mística, que estava próxima a manifestação pública do Messias, batizado por ele pouco antes. Toda a movimentação que vinha crescendo às margens do Jordão, a ponto de chamar a atenção das autoridades e estas decidirem interrogá-lo, indicava que havia chegado a hora da revelação do Salvador.
Neste sentido, é oportuno tratarmos aqui de um pormenor. Alguns comentaristas apresentam São João Batista brincando com Jesus, num celestial convívio, durante a infância. Outros creem que São João não O conheceu e, ainda menino, separou-se dos pais, pois é provável que tenha ficado órfão cedo devido à idade avançada de Zacarias e Isabel. Partiu, então, rumo ao deserto onde receberia inspirações do Espírito Santo e seria preparado por Deus para a grande missão que lhe estava destinada. Somos desta última opinião e cremos, portanto, que ele viu Nosso Senhor pela primeira vez j á na idade adulta. Pode-se presumir o motivo que terá levado a Providência a dispor as coisas desta forma.
São João Batista representa toda a tradição; ele simbolizava, como numa síntese, o Antigo Testamento e, enquanto tal, vinha anunciando a abertura do Novo. Se o Precursor conhecesse previamente o Divino Mestre, a sua ação teria um mérito muito menor, porque ele viria dando testemunho daquilo que já pudera comprovar. Pelo contrário, ao participar tanto quanto possível da expectativa do povo eleito, que há séculos implorava a vinda do Messias, seu anúncio tinha uma força sobrenatural extraordinária para converter as multidões.
Neste momento, registrado pela narração do Evangelista, São João falava depois de ter batizado Nosso Senhor e, no dia seguinte, ao vê-Lo aproximar-Se, dirá aos seus discípulos: “Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo. É este de quem eu disse: Depois de mim virá um Homem, que me é superior, porque existe antes de mim. Eu não O conhecia, mas, se vim batizar em água, é para que Ele Se torne conhecido em Israel” (Jo 1, 29-31). Por conseguinte, ele apontará o Messias, não como um profèta que diz “Acontecerá!”, e sim como alguém que proclama: “Já aconteceu!”.
É muito mais emocionante, nesta perspectiva, além de possuir maior substância intelectual, e até cognitiva, o fato de São João ter tido o primeiro contato com o Redentor quando este chega para ser batizado: “Eu devo ser batizado por Ti e Tu vens a mim!” (Mt 3, 14). O discernimento de quem é o Cordeiro de Deus é exatamente o elo entre o Antigo e o Novo Testamento, e foi naquele instante que se deu a faísca de união entre um e outro.
Quem era, pois, este homem?
21 Eles perguntaram: “Quem és, então? És tu Elias?” João respondeu: “Não sou”. Eles perguntaram: “És o Profeta?” Ele respondeu: “Não”.
Os enviados de Jerusalém julgavam que São João se apresentaria como o Messias, mas a sua primeira resposta os deixou desarvorados. E prosseguiram com novas perguntas. A notoriedade do Precursor era tal que tinha propósito os sacerdotes e os levitas indagarem se ele era Elias ou não. E o faziam com certo medo, porque Elias é o varão que mandara abrir a terra, cair fogo do céu, parar a chuva (cf. Edo 48, 3), etc. Assim, à sua negativa deve ter-se seguido um alívio imediato, que não tardou a ser sufocado por crescente insegurança, porque João já era uma figura mítica, um homem que espantava e, decerto, tinha voz forte e segura. Podia ser que fosse o Profeta; neste caso, iam pedir um sinal, segundo o costume judaico. Ele não era o Profeta por excelência, isto é, Nosso Senhor Jesus Cristo, mas sim um profeta.
São João não se dobra aos interesses do mal
22 Perguntaram então: “Quem és, afinal? Temos que levar uma resposta para aqueles que nos enviaram, O que dizes de ti mesmo?”

As respostas do Precursor mostraram aos emissários que com ele não valia a pena perder tempo em tratativas diplomáticas, uma vez que não seria fácil iniciar uma amizade a fim de aliciá-lo para o partido deles. Gostariam que São João se declarasse o Messias, o que serviria de pretexto para convidá-lo afazer parte do Sinédrio. Se ele fosse um político sagaz, faria uma carreira brilhante com o apoio das autoridades, que promoveriam uma forte propaganda a seu favor e lhe dariam o dinheiro e o prestígio necessários para se tornar o homem mais benquisto e elogiado de toda a nação. Ora, se não era o Messias, nem Elias nem o Profeta, quem era afinal? Eles quase suplicam uma definição, pois deviam levar alguma informação que livrasse sua missão de ser julgada um fracasso. Mas perceberam que partiriam de mãos vazias, com as consequências que isso lhes traria ao se apresentarem perante seus chefes.
Continua

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