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segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

Evangelho – I Domingo da Quaresma - Mc 1, 12-15 - Ano B

Comentário ao Evangelho – I Domingo da Quaresma
Naquele tempo, 12 o Espírito levou Jesus para o deserto. 13 E Ele ficou no deserto durante quarenta dias, e aí foi tentado por Satanás. Vivia entre animais selvagens, e os anjos O serviam. 14 Depois que João Batista foi preso, Jesus foi para a Galileia, pregando o Evangelho de Deus e dizendo: 15 ‘O tempo já se completou e o Reino de Deus está próximo. Convertei-vos e crede no Evangelho!’” (Mc 1, 12-15).
Adequar o nosso pensamento, desejos, ações e sentimentos conforme Nosso Senhor Jesus Cristo é o único meio de correspondermos condignamente ao amor que Deus manifesta por cada um de nós.
Mons. João Scognamiglio Clá Dias, EP

I – Um amor levado ao extremo limite
É insondável o amor do Criador em relação a cada um de nós em particular. Por isso, às vezes, nos confunde a consideração de todos os benefícios que d’Ele recebemos.
Podendo simplesmente permanecer em sua plena e eterna felicidade, quis Deus criar o universo, com o objetivo de manifestar sua infinita bondade: “Ele criou por bondade. Não necessitava de coisa alguma daquilo que fez”1 — ensina Santo Agostinho.
A todos os homens e mulheres, Ele deu o ser, escolhendo-os um a um dentre as infinitas criaturas racionais que poderia criar. Ademais, nos redimiu do pecado, nos sustenta e favorece com seus dons, nas mais variadas circunstâncias. Mas, sobretudo, dá-nos a oportunidade de participar de sua vida divina já nesta Terra, como primícias da felicidade sem fim que nos está reservada no Céu, em inefável convívio com a Santíssima Trindade.
Deus faz aliança com os homens
Em contrapartida a tanta bondade, repete-se invariavelmente uma constante no comportamento dos homens: em determinado momento, eles se desviam dos caminhos traçados pelo Criador; a Providência, então, intervém a fim de evitar sua perdição, proporcionando-lhes os meios necessários para a salvação. Assim, quando Adão e Eva cometeram o primeiro pecado, Deus os castigou com a expulsão do Paraíso, mas fez ao mesmo tempo uma aliança com o gênero humano, prometendo-lhe a Redenção e o restabelecimento do estado de graça perdido.2
Contudo, não tardaram os homens a recair no pecado. Logo depois de nossos primeiros pais começarem a povoar o orbe com sua descendência, o Senhor constatou “o quanto havia crescido a maldade das pessoas na Terra e como todos os projetos dos seus corações tendiam para o mal” (Gn 6, 5). Arrependido, então, de ter criado o gênero humano, o Senhor o teria extirpado por completo da face da Terra se Noé não encontrasse graça diante de seus olhos (cf. Gn 6, 8).
Assim, conforme narra a primeira leitura deste domingo (Gn 9, 8-15), terminado o terrível castigo do Dilúvio, Deus abençoou Noé e seus filhos, e estabeleceu com eles e com sua descendência uma aliança que “permanece em vigor durante todo o tempo das nações, até a proclamação universal do Evangelho”.3
Essa aliança será mais tarde renovada com Abraão, em quem “serão abençoadas todas as famílias da Terra” (Gn 12, 3); através da Lei de Moisés, no Sinai (cf. Ex 19, 5-6); ou na promessa messiânica feita a Davi (cf. II Sm 8, 16), para citar apenas alguns dos principais episódios da história da Salvação.
Cristo, auge da história da Salvação
Passam-se os séculos e a humanidade atinge um auge de decadência que marca simultaneamente o fim do Antigo Testamento e a “plenitude dos tempos” de que nos fala o Apóstolo (Gal 4, 4). Jesus cumpre de maneira superabundante as promessas feitas aos patriarcas e profetas, assumindo a humana natureza sem deixar de ser Deus. Culmina, assim, com uma perfeição toda divina, a história da Salvação.
A Encarnação do Verbo é um mistério que ultrapassa por completo nossa capacidade intelectiva. Para tentar compreendê-lo em alguma medida, imaginemos um anjo nos propondo assumir a natureza de uma minhoca, sem deixarmos a condição humana, com a missão de salvar da morte todas as minhocas do mundo. Qual seria nossa resposta?
Ora, a diferença entre um homem e uma minhoca é insondavelmente menor do que a existente entre Deus e as criaturas racionais. No primeiro caso, há uma desproporção enorme; no segundo, nem sequer se pode falar de desproporção, porque a distância é infinita. Entretanto, a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade assumiu a natureza humana para nos salvar, manifestando por nós um amor extraordinário, fora de toda medida.
De uma “loucura” de amor nasce a Santa Igreja
No alto do Calvário, a bondade e a misericórdia do Verbo Encarnado pelos pecadores são levadas, por assim dizer, até à loucura (cf. I Cor 1, 18). E São Pedro nos lembra, na segunda leitura deste domingo: “Cristo morreu, uma vez por todas, por causa dos pecados, o justo pelos injustos, a fim de nos conduzir a Deus. Sofreu a morte na sua existência humana, mas recebeu nova vida pelo Espírito. No Espírito, Ele foi também pregar aos espíritos na prisão, aos que haviam sido desobedientes outrora, como nos dias em que Noé construía a arca” (I Pd 3, 18-20a).
Na Aliança estabelecida por Deus com a humanidade após o Dilúvio, Ele prometeu não mais castigar a Terra por meio das águas (Gn 9, 11). Ora, bem se poderia dizer que a história da Salvação culmina num “dilúvio de Sangue”, de acordo com a expressiva fórmula de São Luís Maria Grignion de Montfort.4 Porque — se não bastassem a flagelação, a coroação de espinhos e todos os sofrimentos ao caminho do Calvário — Ele permitiu que, na Cruz, uma lança Lhe perfurasse o peito sagrado. Verteram-se nessa hora as últimas gotas de sangue e linfa que ainda restavam no seu Sacratíssimo Coração. Nasceu assim o Corpo Místico do qual Cristo é a Cabeça. “No Calvário, Ele completa sua imolação e faz nascer, em meio às mais espantosas torturas físicas e morais, a Igreja que Ele havia tão laboriosamente preparado e instituído. [...] É, pois, a Igreja que, segundo a doutrina dos Padres, sai do Lado aberto do Salvador e, por assim dizer, é dada à luz por Ele”.5
No mesmo sentido comenta São João “Pala da Santa Trindade” - por Fra Angélico, Convento de São Marcos, Florença (Itália) Crisóstomo: “Aquele sangue e aquela água são símbolos do Batismo e dos mistérios. De um e de outra nasce a Igreja, ‘pelo banho da regeneração e da renovação no Espírito Santo’ (Tt 3, 5), pelo Batismo e pelos mistérios”.6 E o Concílio Vaticano II afirma serem o começo e o crescimento da Igreja “significados pelo sangue e pela água que saíram do lado aberto de Jesus crucificado”7; e que “do lado de Cristo dormindo na Cruz é que nasceu o admirável Sacramento de toda a Igreja”.8

Continua no próximo post

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