CONTINUAÇÃO DOS COMENTÁRIOS AO EVANGELHO DOMINGO DE RAMOS DA PAIXÃO DO SENHOR
Das aclamações aos gritos de condenação
Digno de nota é
também outro aspecto que a Liturgia de hoje nos ressalta. De que adiantou
àquela gente aclamar o Senhor com ramos de palma nas mãos e estender seus
mantos pelo caminho? Dentro de poucos dias a multidão estaria diante de Pilatos,
vociferando: “Crucifica-O! Crucifica-O!”. Tal é a volubilidade das coisas do
mundo, e assim são os aplausos estúpidos atrás dos quais correm os insensatos.
Querer a aprovação dos homens é querer um dia receber o grito condenatório de
todos!
Quão diferente é a
estabilidade de Deus! Quando Ele aplaude alguém, o faz pela eternidade inteira.
Se a Paixão de Jesus tivesse ocorrido depois de alguns anos de sua entrada
solene em Jerusalém, o tempo nos permitiria considerar esta mudança de atitude
da opinião pública como fruto de um processo. Mas como explicar uma transição
tão fulminante dos louvores ao ódio? Como entender que tenham chegado à infâmia
de passar diante de Nosso Senhor crucificado para soltar as blasfêmias referidas
no Evangelho?
É esta a lógica do
mal, a lógica do egoísmo, a lógica do pecado! Eis um ponto para nosso exame de
consciência: eu, que me alegro ao ser tocado pela graça no fundo da alma,se não
for vigilante e rígido comigo e consentir numa má solicitação — seja por
pensamento, desejo ou olhar —, neste momento estarei encetando o mesmo cami nho
daqueles judeus e, em breve, o “Hosana!” cederá lugar ao “Crucifica-O!”
II – O IRREMEDIÁVEL CONFRONTO ENTRE DUAS VISUALIZAÇÕES
Ao analisar a Paixão
de Nosso Senhor Jesus Cristo, não é difícil perceber que a pedra de escândalo
em função da qual os campos se dividem é a concepção a respeito do Messias. De
um lado, temos a visão política; de outro, a religiosa. E esta última — a
verdadeira — é perseguida com ódio de extermínio por aqueles que aderiram à
visão falsa.
Esta noção equivocada
do povo não se diferenciava muito dos anseios dos membros do Sinédrio. Também
eles esperavam que o Salvador de Israel fosse um habilidoso político, capaz de modificar
completamente o estado da nação. E como se davam conta de que Nosso Senhor não
usaria de nenhuma espécie de favoritismo em relação a eles se, de fato, subisse
ao poder, O invejavam e não suportavam sua presença.
Jesus: Profeta por excelência e Vítima de sua própria missão
Na primeira leitura
(Is 50, 4-7) deste domingo, encontramos prefigurada em Isaías a missão de Nosso
Senhor Jesus Cristo, enquanto Profeta por excelência, chamado a conduzir os homens
nas vias de Deus.
O Altíssimo, ao
suscitar os profetas, os constitui seus intermediários junto aos homens. Ora,
este encargo tão excelente aos olhos de Deus exige de quem o recebe a
disposição de se entregar como vítima expiatória: “Ofereci as costas para me baterem
e as faces para me arrancarem a barba; não desviei o rosto de bofetões e
cusparadas” (Is 50, 6). Ou seja, o profeta é incompreendido. Por quê? Pelo fato
de andar contra a corrente, de alertar o povo de seus desvios e indicar o
caminho da moral, do direito, da retidão, da santidade, oposto ao das paixões
desregradas.
E foi o que aconteceu
ao Salvador: “Veio para o que era seu, mas os seus não O receberam” (Jo 1, 11).
Ele vinha oferecendo não só aos judeus, mas à humanidade inteira, a “gloriosa
liberdade dos filhos de Deus” (Rm 8, 21); todavia, muitos preferem a
pseudoliberdade de todos os seus instintos, isto é, a libertinagem. Ele Se
encarnou para nos dar a filiação divina, pela qual nos tornamos príncipes, não
de uma casa que hoje reina e amanhã se extingue, e sim herdeiros do trono
celeste, “co-herdeiros de Cristo” (Rm 8, 17). E mais: Deus quis não só adotar-nos
como filhos, mas também outorgar uma participação real em sua vida, como se em
nossas veias corresse o próprio Sangue divino: “Considerai com que amor nos
amou o Pai, para que sejamos chamados filhos de Deus. E nós o somos de fato” (I
Jo 3, 1). No entanto, foi o convite a esta divinização, pela graça, que os
homens rejeitaram!
Signo da História do Cristianismo
Ao escolher entrar em
Jerusalém de forma tão modesta, como símbolo de contradição, visava, pois,
mostrar o quanto sua realeza é muito distinta da esperada pelos judeus. Ele
mesmo o declarará diante de Pôncio Pilatos, autoridade máxima da Judeia: “O meu
Reino não é deste mundo. Se o meu Reino fosse deste mundo, os meus súditos certamente
teriam pelejado para que Eu não fosse entregue aos judeus. Mas o meu Reino não
é deste mundo” (Jo 18, 36). Se, pelo contrário, Ele houvesse Se apresentado
como rei deste mundo, teria sido estimado e carre gado em triunfo, inclusive
por seus inimigos.
O antagonismo entre a
verdadeira e a falsa visualização do Salvador é o signo da História do
Cristianismo, e o será até o fim dos tempos. Sempre haverá quem queira
servir-se da Igreja e dos dons de Deus para interesses materiais e profanos e,
em consequência, odiará aqueles que reputam “como perda todas as coisas, em
comparação com este bem supremo: o conhecimento de Jesus Cristo” (Fl 3, 8).
Estes últimos são pedras de escândalo vivas, a lembrar ao mundo a verdadeira
doutrina a respeito de Nosso Senhor. Ele tem duas naturezas, a humana e a
divina, unidas na Pessoa única do Verbo, e não é possível separar a humanidade
de Cristo de sua divindade.
Alegria e tristeza, glória e dor
Ora, em virtude da
união hipostática, Jesus poderia nos ter redimido com um simples ato de
vontade, um movimento de mão ou até uma lágrima... Contudo, conforme ensina São
Paulo na segunda leitura (Fl 2, 6-11), Cristo “não fez do ser igual a Deus uma
usurpação, mas Ele esvaziou-Se a Si mesmo, assumindo a condição de escravo e
tornando-Se igual aos homens. Encontrado com aspecto humano, humilhou-Se a Si
mesmo, fazendo-Se obediente até à morte, e morte de Cruz” (Fl 2, 6-8).
É com vistas a este
holocausto que Jesus entra em Jerusalém, a fim de nos livrar da condenação
eterna, abrir as portas do Céu e comprar a nossa ressurreição. Em razão disso,
a Liturgia aqui contemplada se caracteriza pelo contraste entre alegria e tristeza.
A nota de júbilo está nos paramentos vermeihos, nos cânticos, nos ramos de
palma, nas folhas de oliveira e no Evangelho da Procissão que exalta Nosso
Senhor enquanto Rei. Não obstante, a par desta apoteose, o Evangelho da Missa
narra a Paixão.
Não seria mais
adequado reservar este texto apenas para a Sexta-Feira Santa? Não! Em sua
divina e infalível perfeição, a Igreja pôs a Cruz no centro das considerações
do Domingo de Ramos, bem como de toda a Semana Santa: Nosso Senhor, no Horto
das Oliveiras, é preso por uma tropa armada de espadas e paus, como se fosse
“um bandido” (Mc 14, 48); diante do tribunal de Pilatos, a multidão, instigada
pelos sumos sacerdotes, pede o indulto de um assassino, Barrabás, em detrimento
da libertação d’Ele; no Pretório, os soldados O flagelam, põem em sua cabeça
uma coroa de espinhos e O escarnecem; segue-se a Via-Sacra, até o momento em
que, no alto da Cruz, flanqueado por dois ladrões, Jesus brada com força e expira,
e, naquela mesma hora, o véu do Templo se rasga.
A Cruz, sinal de
contradição! Por que o Redentor escolheu este tipo de morte? Era de todos o mais
ignominioso, reservado aos piores bandidos. O condenado à crucifixão era alvo
do desprezo geral. A caminho do suplício, as pessoas debochavam e lhe lançavam
cusparadas, e, quando os algozes o levantavam no madeiro, era costume
aproximarem-se para ridicularizá-lo. Este gesto contribuía para aumentar a vexação
e, por conseguinte, avivava no povo o medo de praticar algum crime. Enfim, o
que havia de mais execrável Nosso Senhor quis para Si. A este propósito se
pergunta Santo Agostinho: “Que há mais belo que Deus? Que há mais disforme que um
crucificado?”.2
Continua no próximo post
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