II - PENTECOSTES NO SÉCULO XXI
Como criaturas humanas
que somos, habituados às coisas sensíveis, ou seja, ao que vemos, ouvimos ou apalpamos,
vivemos muito mais voltados para a matéria do que propriamente para o espírito;
por isso tendemos a crer apenas naquilo que é concreto, como o Apóstolo São
Tomé que, ao receber a notícia da Ressurreição de Nosso Senhor, disse: “Se não
vir nas suas mãos o sinal dos pregos, e não puser o meu dedo no lugar dos
pregos, e não introduzir a minha mão no seu lado, não acreditarei!” (Jo 20,
25). Assim somos nós: queremos comprovar para acreditar. Esquecemos, todavia,
que uma vez demonstrado um fato, a razão conclui ante as evidências e torna-se
desnecessária a crença; pelo contrário, a fé é justamente uma virtude que nos
leva a aceitar aquilo que ultrapassa a nossa constatação, segundo lemos na
Escritura: “A fé é [...] uma certeza a respeito do que não se vê” (Hb 11, 1).
Deus é todo-poderoso
Custa-nos, neste
sentido, compenetrarmos-nos de um ponto, que é o da onipotência de Deus, embora
sempre proclamemos no início do Credo: “Creio em Deus Pai todo-poderoso”. Até
os Apóstolos se defrontavam com esta dificuldade, como se infere daquela
passagem do Evangelho na qual, tendo o moço rico resolvido conservar seus bens
e não seguir o Mestre, Ele disse: “E mais fácil passar o camelo pelo fundo de
uma agulha do que um rico entrar no Reino de Deus” (Lc 18, 25). Surpresos, os
discípulos perguntaram: “Quem então poderá salvar-se?’. Respondeu Jesus: ‘O que
é impossível aos homens é possível a Deus” (Lc 18, 26-27).
Devemos, portanto,
colocarmo-nos diante desta perspectiva: Deus é todo-poderoso! Ele tirou do nada
o universo, uma multidão de criaturas! Se, por exemplo, temos oportunidade de observar
as formiguinhas que se preparam para o inverno, levando folhas e alimento para o
formigueiro, tomamos isto com naturalidade e não refletimos que é o Criador quem
as sustenta, bem como a todos os demais seres: pedregulhos, árvores, insetos..,
tudo! Nós mesmos existimos, estamos cheios de vitalidade e somos capazes de ler
este texto, porque Deus mantém a cada um.
Com seu poder
absoluto Ele formou um boneco de barro que artista nenhum conseguiria imitar;
depois, soprou-lhe nas narinas e a figura adquiriu vida (cf. Gn 2, 7), gozando
de inteligência, vontade e sensibilidade, num corpo perfeito. Mais ainda, além
de ser dotado de uma alma espiritual, o homem possuía o estado de graça, com
todos os dons sobrenaturais acrescidos dos preternaturais, como o dom de
integridade, que o impedia de apetecer o mal, a não ser que “se rompesse previamente
a harmonia resultante da sujeição de sua razão superior a Deus”;4 o dom de imortalidade,
mediante o qual não morreria, mas passaria desta vida para a outra, no Céu, sem
a dolorosa separação da alma e do corpo; o dom de ciência infusa que, na
qualidade de rei da criação, lhe conferia o conhecimento de todas as coisas e
das razões pelas quais Deus as fez. Quando os animais se enfileiraram diante de
Adão para que lhes desse nome (cf. Gn 2, 19-20), ele os designou com o título correspondente
àquilo que compreendia da essência de cada um: leão, tigre, avestruz, formiga...
Todas estas maravilhas o primeiro homem as recebeu através de um sopro divino!
Por quê? Porque Deus é todo-poderoso!
Um plano manchado pelo pecado
Não obstante, o plano
concebido por Deus, ao dar a existência ao homem, foi desfeito pelo pecado. Em
consequência, Adão perdeu o dom de integridade, a imortalidade, a ciência infusa
e... sobretudo, a graça! A partir dele toda a sua posteridade nasceu com a
mancha da culpa original e se foi multiplicando uma descendência, com algumas
exceções, terrivelmente criminosa. Sobreveio o dilúvio, a Torre de Babel, e
horrores sem conta acumularam-se ao longo de milênios de História, em que a
decadência se fazia sentir a cada passo. Por fim, na plenitude dos tempos, a humanidade
foi redimida pelo Sangue preciosíssimo de Nosso Senhor Jesus Cristo, mas,
apesar desta restauração, as gerações que se sucederam após a vinda do Messias,
em sua maioria, voltaram as costas para os méritos infinitos da Paixão e
afundaram novamente no vício; “o mundo não O reconheceu. Veio para o que era
seu, mas os seus não O receberam” (Jo 1, 10-11). A própria natureza humana vai
se deteriorando: enquanto no Antigo Testamento as pessoas possuíam uma grande
resistência física, que lhes permitia viver centenas de anos — como aconteceu a
nossos pais, Adão e Eva, ou a Matusalém (cf. Gn 5, 5.27) —, no presente, a expectativa
de vida do homem está entre 70 e 75 anos.
Além disso, a força
de vontade e a constituição psíquica sofreram significativa degradação. Na
sociedade antiga, muito mais orgânica que a de hoje, o equilíbrio nervoso e
mental era mantido com mais firmeza; em nossos tempos, em meio à agitação da
vida, diminuiu a estabilidade. Em síntese, a virtude vai desaparecendo da face da
Terra, o belo está se despedindo do gênero humano. Assim, encontramo-nos numa
situação dramática, talvez pior do que quando o Verbo Se encarnou para pregar o
Evangelho e morrer na Cruz.
Continua no próximo post
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