CONCLUSÃO DOS COMENTÁRIOS AO EVANGELHO DA SOLENIDADE DE PENTECOSTES
A mística atualidade da Liturgia
Ora, que relação têm
estas reflexões com a Solenidade de Pentecostes? A consideração das festas
litúrgicas não deve ser focalizada como um mero exercício de memória, de maneira
semelhante a alguém que, chegado o aniversário de falecimento de um parente ou
amigo, toma uma fotografia deste e relembra quanto ele era bom, mas depois
continua seus afazeres sem dar mais importância ao fato. Se é verdade que na Liturgia
cabe, em parte, também a recordação, no entanto há uma atualidade mística que
se verifica no momento da Santa Missa, trazendo uma participação real, autêntica
e direta nas graças distribuídas naquele dia — hoje, em concreto, a efusão do
Espírito Santo —, porque nos congrega em torno de Cristo vivo, e não constitui
apenas uma reminiscência do período em que Ele estava na Terra.
Tal é a doutrina da Igreja,
conforme ensina o Papa Pio XI na Encíclica Quas
primas: “para instruir o povo nas coisas da Fé e atraí-lo por meio delas
aos íntimos gozos do espírito, muito maior eficácia têm as festas anuais dos
sagra dos mistérios que quais quer ensinamentos, por autorizados que sejam, do
Magistério Eclesiástico”.5 E o Papa Pio XII, na Encíclica Mediator Dei sobre a Sagrada Liturgia, afirma: “O Ano Litúrgico,
que a piedade da Igreja alimenta e acompanha, não é uma fria e inerte
representação de fatos que pertencem ao passado, ou uma simples e nua evocação
da realidade de outros tempos.
É, antes, o próprio
Cristo, que vive sempre na sua Igreja e que prossegue o caminho de imensa
misericórdia por Ele iniciado, piedosamente, nesta vida mortal, quando passou
fazendo o bem (cf. At 10, 38) com o fim de colocar as almas humanas em contato
com os seus mistérios e fazê-las viver por eles, mistérios que estão
perenemente presentes e operantes, não de modo incerto e nebuloso, de que falam
alguns escritores recentes, mas porque, como nos ensina a doutrina católica e
segundo a sentença dos Doutores da Igreja, são exemplos ilustres de perfeição
cristã e fonte de graça divina pelos méritos e intercessão do Redentor; e porque
perduram em nós no seu efeito, sendo cada um deles, de modo consentâneo à
própria índole, a causa da nossa salvação”.6
A Igreja pede para “agora” as graças concedidas no Cenáculo
Não nos é dado
penetrar integralmente em todo o significado e substância do acontecimento de
Pentecostes, visto estar ele cheio de mistério. Na verdade, o que se teria
passado com a Esposa de Cristo se não descesse o Paráclito sobre os Apóstolos?
Não nos esqueçamos de que — digamo-lo com todo o respeito —, durante a Paixão
de Nosso Senhor eles foram covardes, O abandonaram, desapareceram, fugiram (cf.
Mt 26, 56; Mc 14, 50). Após a Morte e Ressurreição de Jesus tornaram a reunir-se,
desejosos de ver a implantação do reino de Israel sobre todos os povos (cf. At
1, 6), e não do Reino dos Céus que o Divino Mestre havia pregado! Esta é a
natureza humana... incapaz, por si, de atos sobrenaturais. Quiçá a Providência
tivesse permitido que fossem tão pusilânimes para mostrar qual a distância
existente entre a nossa condição — da qual às vezes tanto nos orgulhamos — e a
força do Espírito Santo. Com efeito, muitas vezes julgamos que os Santos eram
pessoas de vontade extraordinária, graças à qual venceram os obstáculos até conquistarem
a coroa da justiça. Ora, nenhum homem, por mais hábil que seja, alcança a
perfeição por seu esforço pessoal; só praticará as virtudes de forma estável se
assistido pelo Espírito Santo. E Ele quem santifica a Igreja inteira, como se
deu naquela manhã, quando o vento invadiu toda a casa onde estavam e as línguas
de fogo pousaram sobre a cabeça dos Doze e de seus companheiros, como narra a
primeira leitura (At 2, 1-11) desta Solenidade: de medrosos que eram,
tornaram-se heróis!
Ao rezarmos a Oração
do Dia, deparamo-nos com um pedido que goza de prodigiosa eficácia, muito maior
que todas as nossas preces privadas, já que é uma súplica oficial da Igreja e, portanto,
tem audiência absoluta junto ao Altíssimo: “O Deus, que, pelo mistério da festa
de hoje, santificais a vossa Igreja inteira, em todos os povos e nações,
derramai por toda a extensão do mundo os dons do Espírito Santo, e realizai
agora no coração dos fiéis as maravilhas que operastes no início da pregação do
Evangelho” 7.
Nós, católicos, temos
o dom incomparável de pertencer ao Corpo Místico de Cristo e de também
recebermos o Espírito Santo pelos Sacramentos do Batismo e, sobretudo, da
Crisma, embora não com as espetacularidades ocorridas no Cenáculo. Mas a Igreja
implora que “agora” sejam derramadas copiosamente nos corações dos fiéis, por
toda a Terra, as graças concedidas naquela ocasião aos Apóstolos e discípulos
e, a fortiori, a Nossa Senhora.
Um dilúvio de fogo inundará a Terra
Assim, a comemoração
da vinda do Espírito Santo nos oferece a solução para todos os problemas do
mundo contemporâneo. Muito a propósito escreve São Luís Maria Grignion de Montfort,
em sua Oração Abrasada: “O Reino especial de Deus Pai durou até o dilúvio e terminou
por um dilúvio de água; o Reino de Jesus Cristo terminou por um dilúvio de
sangue, mas vosso Reino, Espírito do Pai e do Filho, continua até o presente e
será terminado por um dilúvio de fogo, de amor e de justiça”.8 O fogo queima,
aquece e ilumina; e, mais adiante, São Luís Grignion 9 acrescenta que ele
renova.
Não é possível que o
plano original de Deus para a humanidade não venha a ser realizado por Ele de
algum modo. O homem pecou e, como já dissemos, por causa de
sua maldade a sua natureza foi se rebaixando. Mas fixemos de novo a atenção na
onipotência divina, enquanto aos nossos ouvidos ressoam as palavras de Jesus
aos Apóstolos: “O que é impossível aos homens é possível a Deus”. Se o Senhor
permitiu tal decadência, teve como objetivo tornar patente, de um lado, o
fracasso humano, e, de outro, a plenitude de seu poder. Como deixar clara a
autenticidade destes dois polos? O primeiro é evidente, uma vez que ficou
comprovado o quanto somos terrivelmente débeis. Porém, é chegada a hora de
assistirmos a um advento do Espírito Santo; porque, se foi preciso que houves se
sua efusão na Igreja primitiva para fazê-la passar da infância para o estado
adulto, em nossos dias é indispensável que Ele venha para conferir a esta mesma
Igreja o esplendor que Nosso Senhor Jesus Cristo desejou ao fundá-la e dar à
face da Terra um novo brilho!
Pentecostes e nossos dias
É ainda São Luís
Grignion de Montfort quem prognostica uma era histórica na qual as almas
quererá praticar a virtude de uma maneira extraordinária. De onde virá esta
força “Enviai o vosso Espírito, Senhor, e da Terra toda a face renovai”, é o que
pedimos há dois mil anos e o que cantamos no Salmo Responsorial (cf. Sl 103,
30). Sim, tudo pode ser renovado, nós podemos ser completamente mudados como o
foram os discípulos! Então participaremos, de forma singular, da descida do
Espírito Santo sobre Maria Santíssima e os Apóstolos, que hoje celebramos. Devemos
nos firmar na fé de que para Deus nada é impossível e Ele está reservando suas
mais especiais graças para esta fase da História chamada por tantos Santos de
últimos tempos.10
“Acontecerá particularmente
no fim do mundo e, logo, porque o Altíssimo com sua Santa Mãe devem formar
grandes Santos que ultrapassarão tanto em santidade a maioria dos outros
Santos, quanto os cedros do Líbano suplantam os pequenos arbustos. [...] Eles
serão pequenos e pobres segundo o mundo [...]; mas, pelo contrário, serão ricos
em graça de Deus, que Maria lhes distribuirá abundantemente; grandes e
eminentes em santidade diante de Deus, superiores a toda criatura por seu zelo
animoso, e tão fortemente apoiados pelo socorro divino que, com a humildade de
seu calcanhar e em união com Maria, esmagarão a cabeça do demônio e farão
triunfar Jesus Cristo”.11
A humanidade tem uma
necessidade vital dessa efusão do Divino Espírito Santo. E esta é a razão de
nos reunirmos ardorosamente em torno do altar, para pedir à Mãe das mães, Aquela
a cujo amor todos nós fomos entregues pelo Filho no alto da Cruz (cf. Jo 19,
26-27), que, enquanto Mãe do Corpo Místico, obtenha de seu Divino Esposo graças
de maior fervor, de maior consolo, de maior piedade, de maior força para
enfrentarmos todos os males, e que venha sem tardar o Paráclito e a face da
Terra seja renovada!
1) CORRÊA DE
OLIVEIRA, Plinio. Conferência. São Paulo, 6 jun. 1978.
2) Cf. SAO TOMAS DE
AQUINO. Suma Teológica. I, q.76, a.1
3) Para outros comentários à Solenidade de
Pentecostes, ver uma primeira opção deEvangelho (Jo 20, 19-23) oferecida pela
Liturgia em: CLA DIAS, EP, João Scognamiglio. A fé e a verdadeira paz. In:
Arautos do Evangelho. São Paulo. N.52 (Abr.,2006); p.10-i6; Comentário ao
Evangelho doll Domingo da Páscoa—Ano B, neste mesmo volume, e Anos A e C, nos
Volumes I e V desta coleção, respectivamente; A paz esteja convosco. In:
Arautos do Evangelho. São Paulo. N.41 (Maio, 2005); p.6-il; Comentário ao
Evangelho da Solenidade de Pentecostes — Ano A, no Volume I desta coleção. Ver
a segunda opção de Evangelho (Jo 4, 15-16.23b-26) oferecida pela Liturgia, no
Ciclo C, em: O amor íntegro deve ser causa do bem total. In: Arautos do Evangelho.
São Paulo. N.113 (Maio, 2011); p.10-i7; Comentárioao Evangelho do VI Domingo da
Páscoa — Ano A, no Volume I desta coleção. Ver ainda, no mesmo Volume I, o
Evangelho da Vigília (Jo 7, 37-39) e a I Leitura (At 2, 1-11) da Missa do Dia;
bem como esta última em: “E renovareis a face de Terra...”. In: Arautos do
Evangelho. São Paulo. N.5 (Maio, 2002); p.5-10. E, por fim, ver Comentário à
Sequência Veni Sancte Spiritus, no Volume V desta coleção.
4) ROYO
MARÍN, OP, Antonio. Dios y su obra. Madrid: BAC, 1963, p.466.
5) PIO XI. Quas primas, n.20.
6) PIO XII. Mediator Dei, n.150.
7) DOMINGO DE PENTECOSTES. Oração do Dia. In:
MISSAL ROMANO. Trad. Portuguesa da 2a. edição típica para o Brasil realizada e
publicada pela CNBB com acréscimos aprovados pela Sé Apostólica. 9.ed. São
Paulo: Paulus, 2004, p.318.
8) SÃO LUÍS MARIA GRIGNION DE MONTFORT. Prière
Embrasée, n.16. In: OEuvres Complètes. Paris: Du Seuil, 1966, p.681.
9) Cf. Idem, n.17, p.681-682
10) Cf. SÃO LUIS MARIA GRIGNION DE MONTFORT.
Traité de la vraie dévotion à la Sainte Vierge, n.55-59. In: OEuvres Complètes,
op. cit., p.520-522.
11) Idem, n.47; 54, p.512-513; 519.
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