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quarta-feira, 2 de setembro de 2015

Evangelho XXIII Domingo do Tempo Comum – Ano B – Mc 7,31-37

Continuação dos comentários ao Evangelho 23º Domingo do Tempo Comum – Ano B – Mc 7,31-37
Por outro lado, Nosso Senhor subiu aos Céus, mas nos deixou uma Igreja visível mediante a qual nos transmite a sua Palavra. Será pela doutrina pontifícia, por sermões magníficos, pela consideração da Providência Divina percorrendo as páginas das Sagradas Escrituras, ou pelo ambiente de certas igrejas belíssimas, onde é impossível não se estabelecer uma ligação entre a pessoa e Deus... Enfim, quantos Santos, quantos escritos, quantas artes, quantas outras maravilhas não possui a Santa Igreja para fazer chegar até nós a voz de Deus!
Às vezes são fatos e acontecimentos concretos que revelam a presença do Altíssimo. Por exemplo, alguém anda mal e recebe uma punição! E Deus manifestando quanto ama aquela criatura. Por quê? Porque está dito na Escritura: “O Senhor castiga aquele a quem ama” (Pr 3, 12). Para um pode ser ainda uma provação que redunda em benefício; outro é perseguido por sua virtude, mas, em certo momento, triunfa, porque o bem jamais deixa de prevalecer. Ou então, a morte repentina de um conhecido nos faz lembrar estarmos, sempre, a um passo da eternidade...
No entanto, não é só pelos meios externos — de si quão valiosos! — que Deus Se comunica conosco. Ele nos fala também em nosso interior, em diversas circunstâncias, com graças atuais em quantidade, através de discretos sopros emoções íntimas. Inclusive, por mais endurecido que possa ser um pecador, Deus nunca cessa de aguilhoar-lhe a consciência, a fim de ele se dar conta de seus desvios.
Deve-se estar atento e responder prontamente

Ora, a vida espiritual consiste na reciprocidade para com esta constante voz de Deus chamando-nos ad maiora: é preciso não só ouvi-la, como corresponder a ela. Porque se é falta de educação não retribuir o cumprimento de alguém com quem nos cruzamos, sobretudo esta atitude é impensável perante Deus. Devemos ter a postura de Samuel ao escutar o apelo do Senhor: levantou-se de imediato, e disse: Præsto sum — Estou pronto! (cf. I Sm 3, 5).
Por que acontece, então, de ficarmos surdos, se Deus fala com tanta verve e através de tantos meios? A causa principal deste mal é abrir o coração para vozes estranhas, alheias a Deus e que não conduzem a Ele. A impureza, a avidez por dinheiro, o gozo da vida e as concessões feitas ao pecado tornam córneo o ouvido espiritual, bem como encardida e entorpecida a alma. Barbarizado pelo ruído de seus sentidos, perde o homem a audição do Espírito Santo e se torna inteiramente refratário à voz de Deus. Esta nada mais significa para ele, não o impressiona nem lhe toca o fundo da alma. O surdo espiritual é tão incapaz de compreender os assuntos da Fé, quanto um cão o é em relação aos raciocínios da inteligência humana. O próprio Nosso Senhor Se queixa várias vezes — comprovamos isso ao longo dos Evangelhos — a respeito do povo que ouve, e não entende. Por isso, Ele intimava aqueles que assistiam à sua pregação: “Quem tiver ouvidos para ouvir, ouça!” (Mc 4,9).
O perigo de cair na surdez parcial
Todavia, existe também a surdez parcial. Ao ouvirmos certos temas espirituais vibramos e até nos emocionamos.., mas, em parte. Eis que a linguagem usada pelo mundo, com todos seus atrativos, nos seduz e, por vezes, em lugar de combatermos tais solicitações, as aceitamos. Então, os ouvidos carregados por estes rumores não mais percebem aquela voz divina austera, contudo muito suave e deleitante, desde que saibamos apreciá-la. Com efeito, como é possível escutar a voz de Deus enquanto estamos com a atenção posta no bulício da televisão, do rádio, do cinema, da internet e de tantas outras coisas? Como manter-se numa perspectiva que faça crescer a própria fé, se nossos atos são completamente desprovidos de qualquer significado sobrenatural, pois vivemos como ateus práticos? Como ter o pensamento tomado pela grandeza e beleza de Deus quando temos nossa mente presa aquilo que é imoral? Dois objetivos opostos não cabem na mesma ação do homem: é Deus ou satanás, é o Céu ou o inferno.
Isto nos leva a concluir que o mundo, em geral, é muito mais surdo do que, a princípio, imaginaríamos. Quem hoje em dia fala de Deus? Quem O conserva no centro de suas preocupações? Quantos rezam seriamente? Ora, se não há oração, não há conversa com Deus; se não há conversa com Deus, só há surdez.
Supérfluo é dizer que tal enfermidade traz como consequência o mutismo, ao qual bem podemos dar como significado sobrenatural o esquecimento de glorificar a Deus. O surdo não tem Deus nos lábios e não eleva sua consideração ao Criador; sua conversação é vulgar, orientada para as bagatelas e... com facilidade gosta de falar de si mesmo. É mudo porque, ao entrar em diálogo com o demônio, tomou sua língua inábil para discorrer sobre as verdades da Fé.
O remédio: aproximar-se d’Ele
A estas alturas nos perguntamos: “Qual é o remédio para isto?”. Encontramo-lo no Evangelho deste domingo: o surdo-mudo é apresentado a Jesus, pois só o poder de Deus há de sanar quem chega ao estado de surdez e de mutismo espiritual. Portanto, não se trata de fugir d’Ele, mas sim de procurá-Lo. Àquele, Nosso Senhor levou-o à parte. Detalhe simbólico, porque no meio do tumulto do mundo, das atrações da sensibilidade e das ilusões do demônio, é impossível para um surdo dar-se conta de sua situação espiritual. Por tal motivo, cumpre tirá-lo das ocupações moralmente perigosas, separá-lo dos maus relacionamentos, levá-lo a desapegar-se de tudo o que o afasta de Deus. Ou seja, a primeira condição para a cura é unir-se a Deus e apartar-se do mundo.
Para perseverar em meio à decadência moral da sociedade recente, é indispensável nunca abandonar a mão estendida por Cristo e pedir que o dedo divino, símbolo do poder d’Ele, seja posto em nossos ouvidos. Ademais, peçamos uma infusão da sabedoria de Nosso Senhor, representada por sua saliva, pois, sem ela, de nada adiantaria recuperar a audição e a fala.
Jesus nos toca, através dos Sacramentos. Se Ele curou com a saliva, imaginemos qual não será o efeito da Eucaristia — que é Ele em substância —, se a tomarmos com fé e abertura de alma!
Recuperada a voz, falemos d’Ele para todos!
Por fim, não nos esqueçamos de que Ele, “olhando para o Céu, suspirou”. É a manifestação do seu desejo de que tenhamos os olhos postos continuamente no alto. Só assim — à ordem d’Ele, “Efatá!” — é que os ouvidos se abrem e a língua se solta para começar a falar sem dificuldade! Como aqueles que assistiram ao portentoso milagre do Evangelho, nós devemos sair propagando suas maravilhas para pôr o mundo inteiro a par da misericórdia usada para conosco, como melhor modo de repararmos as faltas cometidas e sermos gratos Àquele que nos curou. Principalmente, nunca guardemos no fundo da alma laços com a fonte das nossas maldades e com as ocasiões que nos levam a pecar.
Que Maria Santíssima nos obtenha a graça de nunca cairmos no defeito terrível de calar-nos acerca das coisas da Fé e, ainda quando tivermos de tratar de assuntos secundários atinentes a nossas obrigações, sempre o façamos com desejo de logo voltar a horizontes mais sublimes.

1 Cf. SÃO TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica. III, q.7, a.7, ad 1; q.13, a.2, ad 3.

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