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quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Evangelho 1º Domingo da Quaresma Lc 4, 1-13 Ano C - 2013


Continuação dos comentários ao Evangelho I Domingo da Quaresma  Lc 4, 1-13 Ano C - 2013

Diabólica exploração das revoluções

4 Jesus respondeu-lhe: “Está escrito: ‘Não só de pão vive o homem, mas de toda a palavra de Deus’”.

Jesus poderia ter transformado as pedras em pão, como depois multiplicaria por duas vezes os pães e os peixes. Mas não o fez. Nessa ocasião, não terá querido Ele, além de outros objetivos, ensinar-nos a ilegitimidade das revoltas por ter faltado alimento?

Quantas revoluções foram levadas a cabo, ao longo da História, por uma pura, malévola e — por que não dizer? — diabólica exploração da fome! Nas circunstâncias de penúria, por que não se voltam os homens para o mesmo Deus de Moisés, que não deixou sem alimento o seu povo durante quarenta anos no deserto?

Supremacia da vida espiritual sobre a corporal

Em sua resposta repassada de sabedoria divina, Jesus torna patente, ao demônio e à humanidade, a existência de uma vida muito mais nobre do que a corporal, ou seja, a espiritual. “A palavra de Deus” é constituída pelas ordens divinas, por tudo aquilo que reflete sua soberana vontade, como mais tarde Ele mesmo afirmaria: “Meu alimento é fazer a vontade d’Aquele que Me enviou” (Jo 4, 34).

É notável a diferença da reação de Jesus diante dessa proposta feita por Satanás, e diante da feita por Maria nas Bodas de Caná: à sua venerável Mãe, Ele atendeu, por saber o quanto era vontade do Pai confirmar o poder impetratório das súplicas de sua Filha bem-amada.
Na frase de Jesus retrucando ao demônio, torna-se claro não ser imprescindível o pão. Deus dispõe incontáveis meios para resolver o problema da fome. Jesus se alimentará como for da vontade do Pai. Se o desígnio d’Este é que a palavra O sustente, qual a necessidade do pão? E se este for indispensável, não tem o Pai o poder de o conceder?

Dupla tentação: medo e ambição

5 O demônio conduziu-O então a um alto monte, mostrou-Lhe, num momento, todos os reinos da terra, 6 e disse-Lhe: “Dar-Te-ei o poder de tudo isto, e a glória destes reinos, porque eles foram-me dados, e eu dou-os a quem quiser. 7 Portanto, se Tu me adorares, todos eles serão teus”.

As mais variadas hipóteses foram levantadas por alguns autores sobre qual teria sido esse alto monte, com vista para todos os reinos da terra. Para uns teria sido o Tabor, para outros o Nebo ou o Hermon. De qualquer deles, porém, é impossível contemplar os reinos deste mundo. Mais acertadamente opinam os que optam por afirmar ter-se servido o demônio de suas artes de magia, espelhismo ou fantasmagoria, para fazer transcorrer diante dos olhos de Jesus “num momento” as maravilhas dos reinos com seus palácios e esplendores; em síntese, todas as belezas das glórias exteriores de nossa terra de exílio.

Na sua inferioridade de anjo decaído, com muita ignorância, julgou haver atraído irresistivelmente Jesus e, por essa razão, propõe-Lhe logo um pecado de idolatria para, assim, entregar-Lhe a posse de tudo. Comentando essa passagem, São Jerônimo bem atribui ao demônio uma linguagem soberba, e sobretudo falsa, pois o espírito maligno não pode prometer nem, menos ainda, conceder reinos a ninguém, sem a permissão de Deus (14). Não obstante, ele é senhor dos vícios e dos pecados. Acreditava poder lisonjeá-Lo para açular uma irrefreável ambição ou, então, amedrontá-Lo, revelando-Lhe a poderosa oposição que enfrentaria, se contra Ele se levantassem aqueles reinos, caso não os aceitasse ao preço da idolatria. Não sofreu, porém, o Divino Redentor a atração da ambição nem o temor do poderio adverso.

Desde o Paraíso terrestre, nós, homens e mulheres, quando sem a graça e a virtude, somos fascinados pelo sonho de ser deuses. Essa é a desastrosa história de boa parte da humanidade. Felizes aqueles e aquelas que respondem a Satanás como o fez Jesus.

A grande tentação da humanidade decaída

8 Jesus respondeu-lhe: “Está escrito: ‘Adorarás o Senhor teu Deus, e só a Ele servirás’”.

Tornar-se o senhor do mundo, possuir todos os bens e todas as riquezas, ainda que deixando de adorar o verdadeiro Deus: eis a tentação diante da qual não poucos sucumbem, em nosso estado de prova; e, às vezes, até por preços muito menores.
Na resposta de Jesus, encontramos o divino exemplo a seguir. Reproduzindo o versículo 13 do capítulo 6 do Deuteronômio, faz um juramento de fidelidade ao Pai: a não ser Ele, ninguém, nem coisa alguma, merece homenagens e muito menos adoração.

Tentação de vanglória

9 Levou-O também a Jerusalém, colocou-O sobre o pináculo do Templo e disse-Lhe: “Se és Filho de Deus, lança-Te daqui abaixo; 10 porque está escrito que ‘Deus mandou aos seus anjos que Te guardem, 11 e que Te sustenham em suas mãos, para não magoares o teu pé em nenhuma pedra’”.

É um paradoxo imaginar o anjo caído dos Céus transportando seu Criador pelos ares. A isso se submeteu nosso Salvador, para benefício dos que foram expulsos do Paraíso.

É digna de nota a sutileza diabólica nesta tentação, pelo fato de se servir de citação da Escritura para conferir maior solidez à sua argumentação.

Aprendeu a lição do próprio Jesus, ao receber d’Ele sua primeira resposta.

Grande espetáculo causaria sua descida sensacional, amparado por anjos, em meio ao pátio do Templo. E, se isso acontecesse, provado estaria para Satanás a filiação divina de Jesus, objetivo ansiosamente desejado por seus ardis. Já não é mais a gula, nem a ambição, mas a vanglória, que a tantos leva para o inferno, o instrumento usado pelo demônio para tentar o Messias.

 12 Jesus respondeu-lhe: “Também  foi dito: ‘Não tentarás o Senhor  teu Deus’”.

Uma nova confusão inflige Jesus ao revoltado Satanás, também com palavras do Deuteronômio (6, 16). Colocar-se em perigo grave, obrigando Deus a intervir, é um pecado cheio de malícia.

13 Terminada toda esta espécie de tentação, o demônio retirou-se d’Ele até outra ocasião.

A maioria dos autores é partidária de ter, de fato, o demônio continuado a investir contra Cristo, ao longo de sua vida pública, propondo-Lhe, através destes ou daqueles, a aceitar a coroa ou a praticar milagres imprudentes.
Foi só no Horto, no Pretório e no Calvário que ele imaginou ter conseguido realizar seu sonho, todo feito de gaudium phantasticum. Entretanto, ali, Cristo triunfou sobre os infernos, o pecado e a própria morte!

1) Cf. São Tomás de Aquino, Suma Teológica III, q. 8, a. 6c.
2 ) Idem III, q. 41 a. 1.
3 ) Id. ibid.
4 ) Id. ibid.
5 ) Id. ibid.
6 ) Id. ibid.
7 ) Op.cit. III, q. 41, a. 3 ad. 2.
8 ) Cf. op. cit. III, q. 41 a. 1 ad. 3.
9 ) Cf. Francisco Suárez S.J.,Misterios de la Vida de Cristo, BAC, Madrid, t. 1, p. 825.
10) São Tomás de Aquino, Suma Teológica III, q. 41, a. 1, ad. 1.
11 ) Op. cit. BAC, Madrid, t. 1, p. 825.
12 ) Cf. op. cit. III, q. 41, a. 4.
13 ) Op. cit. III, q. 41, a. 4, ad. 1.
14 ) Cf. Comment. In Matth., h. 1.

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