Comentários sobre a instituição da
Santíssima Eucaristia - quinta-feira Santa
A propósito da Santa Ceia, o seguinte pensamento que me ocorreu
certa vez.
Uma pessoa que tivesse Fé e
soubesse que Nosso Senhor Jesus Cristo era Deus, assistisse à sua Crucifixão e
estivesse informada de que depois viriam a Resurreição e a Ascensão, essa
pessoa poderia se perguntar: “Depois da Ascensão, nunca mais virá Ele à Terra?
Então, até o fim do mundo Ele estará ausente? Seria isto arquitetônico? Seria razoável,
tendo Ele feito pela humanidade tudo quanto fez?”
Jesus Cristo imolou sua vida de
um modo dolorosíssimo e resgatou todo o gênero humano. Ele quis condescender em
contrair com os homens que Ele salvou essa relação tão especial, de ser Ele a
cabeça do Corpo Místico, que é a Igreja. E quis, pela graça, estar
continuamente com todos os homens até o fim do mundo, de maneira a, por ela,
vir a ser a alma de nossa própria alma, o princípio motor de nossa vida
sobrenatural.
Poderia, então, haver deste
lado tanta união com Ele e, uma vez Ele morto, uma tão completa, tão
prolongada, tão irremediável separação? Seria possível que Jesus subisse aos
Céus e cessasse assim a presença real d’Ele na Terra?
Não quero dizer que a Redenção
e o sacrifício da Cruz impusessem a Deus, em rigor de lógica, a instituição da
Sagrada Eucaristia. Mas pode-se dizer que tudo clamava, tudo bradava, tudo
suplicava por que Nosso Senhor não se separasse assim dos homens.
E uma pessoa com senso
arquitetônico deveria entrever que Nosso Senhor arranjaria um meio de estar
sempre presente, junto a cada um dos homens por Ele remidos. De forma tal que,
depois da Ascensão, Ele estivesse sempre no Céu, no trono de glória que Lhe é
devido, mas ao mesmo tempo acompanhasse passo a passo a via dolorosa de cada
homem aqui na Terra, até o momento extremo em que cada um dissesse, por sua
vez: “Consummatum est” (Jo 19,30).
Como se faria essa maravilha?
Essa hipotética pessoa não poderia
adivinhá-la, mas deveria ficar sumamente suspeitosa de que, de algum modo, ela
se realizaria. De tal maneira está nas mais altas conveniências da qualidade de
Redentor de Nosso Senhor Jesus Cristo — o qual é nosso Protetor, nosso Médico,
nosso divino Amigo — que seria próprio d’Ele fazer por nós esse prodígio.
Eu creio que se eu assistisse à
Crucifixão e soubesse da Ascensão, ainda que não soubesse da Eucaristia, eu
começaria a procurar Jesus Cristo pela Terra, porque não conseguiria me
convencer de que Ele tivesse deixado de conviver com os homens.
Presente em todos os lugares,
em todos os momentos
Esse convívio verdadeiramente
maravilhoso de Jesus Cristo com os homens se faz, exatamente, por meio da
Eucaristia.
Em todos os lugares da Terra,
em todos os momentos, Ele está realmente presente, nas catedrais opulentas e
nas igrejinhas pobres. Quantas vezes, viajando em estradas de rodagem,
encontramos umas capelinhas minúsculas, pobres, que dão para acolher apenas umas
vinte ou trinta pessoas. Passamos por uma delas e comovemo-nos, pensando que
nela Nosso Senhor Jesus Cristo esteve, está ou estará realmente presente — com
toda a glória do Tabor, com toda a sublimidade do Gólgota, com todo o esplendor
da Divindade — de tal maneira Ele multiplicou pela Terra a sua presença
adorável!
Olhamos para as pessoas que
encontramos numa igreja, e pensamos: “Nosso Senhor Jesus Cristo está presente
neste homem que comunga. Naquele outro, estará ainda nesta semana, talvez hoje
mesmo, talvez amanhã. Estará presente tantas e tantas vezes! Eis um homem que
vai ser transformado, embora por algum tempo, num sacrário vivo. Muito mais do
que num sacrário, porque o tabernáculo contém as espécies eucarísticas, mas não
comunga.”
Aí nós podemos medir bem a
prodigiosa obra de misericórdia realizada por Nosso Senhor, com a instituição
da sagrada Eucaristia. Tanto quanto a presença d’Ele tem um valor infinito,
tanto assim também tem valor infinito o fato de Ele estar realmente presente
sob as sagradas espécies por toda a Terra, e em todos os homens que queiram
condescender em O receber.
É muito bom, também,
imaginarmos as horas e horas e horas que Ele passa abandonado nos sacrários,
adorado apenas por Nossa Senhora, pelos Anjos e Santos do Céu. Pensar nos
homens ausentes e distantes, e Ele à espera de que um deles queira vir
recebê-Lo. De tal maneira o Infinito se sujeita ao que é finito, Aquele que é a
própria pureza e a própria perfeição, se sujeita às boas disposições e, mais
ainda, às vezes às más disposições daqueles que bem mal O querem receber.
Enlevo e gratidão
Por pouco que se pense nisto
tudo, nossa alma não pode deixar de transbordar de reconhecimento, de enlevo,
de gratidão por aquilo que Nosso Senhor operou na Última Ceia. Só uma
inteligência divina poderia excogitar a sagrada Eucaristia, poderia imaginar
esse meio de estar presente por toda parte e de entrar em todos os homens. E só
mesmo um Deus podia realizá-lo!
Por mais que essas verdades
sejam sabidas, é imperioso que nós detenhamos sobre elas nossa atenção e, por
intermédio de Nossa Senhora, demos graças enormes a Deus, pela instituição da
sagrada Eucaristia.
Simplesmente agradecer “por
intermédio” de Nossa Senhora?
Se é verdade que todo dom vindo
do Céu para os homens foi pedido por Ela — porque sem seu pedido o dom não
teria sido dado — é verdade que Nossa Senhora pediu a instituição da sagrada
Eucaristia, e foi pelos rogos d’Ela que Nosso Senhor Jesus Cristo a instituiu.
Portanto, não devemos utilizá-La apenas como intermediária desse agradecimento,
mas devemos agradecer também “a Ela” a sagrada Eucaristia.
Devemos agradecer a Jesus, que
condescendeu em instituí-la, e a Maria que, movida pela graça, pediu a Deus
esse favor transcendentalíssimo, e o obteve para nós.
É este pensamento que não pode
deixar de estar presente nos nossos espíritos nesta Quinta-Feira Santa.
A maravilha da Missa
Há um pensamento transcendental
que também devemos ter em vista hoje, e que diz respeito ao santo Sacrifício da
Missa. Os senhores sabem bem que a transubstanciação se opera no próprio ato em
que Nosso Senhor Jesus Cristo renova a sua Paixão. A essência da Missa, que é a
renovação da Paixão e Morte de Jesus Cristo, está na transubstanciação, que é o
prodígio pelo qual o pão e o vinho se fazem Corpo e Sangue de Nosso Senhor
Jesus Cristo, pelas palavras sacramentais pronunciadas pelo sacerdote. A Missa,
que é ao mesmo tempo oferecimento e imolação, é também o ato determinante da
presença real de Jesus sob as espécies que depois se conservam nos sacrários.
Então, aquele homem que
estivesse presente no Calvário, depois do “Consummatum est”, depois que as
santas mulheres receberam o corpo descido da Cruz, depois que Nossa Senhora
chorou sobre Ele e foi embalsamado, depois que Ele foi levado até o sepulcro,
depois que a Cruz ficou sozinha no alto do Gólgota e todo mundo foi embora —
aquele homem ali solitário, com o espírito cheio de Fé, compreenderia ser aquela
Cruz o símbolo de um ato que tinha que se renovar, de um ato que, pela mesma
lógica, convinha enormemente que se multiplicasse.
Esse ato, de fato, se renovou
de um modo prodigioso por toda a Terra, e continuará se renovando até o fim do
mundo, na Missa.
Os teólogos dizem que o
Sacrifício da Missa tem um valor tão inapreciável e infinito, ao pé da letra,
que se em um determinado dia ela deixasse de ser celebrada, a justiça de Deus
cairia sobre o mundo, dando-lhe fim.
Houve um pintor — não me lembro
qual — que pintou um quadro muito bonito, representando a última Missa sobre a
Terra. Mostra ele, no meio do caos e da desordem, um padre que celebra a Missa,
oferecendo a Deus o Sacrifício do Altar. Nesse momento, estão todos os Anjos
prontos para cair sobre a Terra para executar a justiça de Deus e desencadear o
fim do mundo. Mas eles todos estão parados, ainda, à espera de que a última
Missa tenha sido celebrada. Porque tal é a reverência de Deus Padre para com o
sacrifício de seu próprio Filho, a Ele oferecido na Missa, que nem o desígnio
de acabar com o mundo O faria precipitar sua mão, antes desse sacrifício ser concluído.
Sacerdócio e bondade de Deus
Nós devemos considerar ainda
que a Quinta-Feira Santa foi o dia da instituição do sacerdócio. O poder de
consagrar foi conferido aos apóstolos nesta ocasião. Houve nesse dia, portanto,
três maravilhas, conexas entre si: o Sacrifício, o Sacramento e o Sacerdócio,
às quais se deve juntar o insigne ato do lava-pés.
Entretanto, o dia da
instituição da Eucaristia, que deveria ser um dia de alegria, um dia de júbilo,
é um dia de júbilo misturado com tristeza. Tristeza por causa da Paixão que se
aproxima. Tristeza por causa do ódio satânico que fervia em torno mesmo do
Cenáculo, onde Nosso Senhor Jesus Cristo estava por essa forma consumando a sua
obra. Tristeza por causa da tibieza dos apóstolos, da fraqueza daqueles que
eram, entretanto, os primeiros e os mais imediatos beneficiários de todas essas
maravilhas. Tristeza por causa do filho da perdição, que estava sentado entre
os apóstolos e ia executar o crime nefando, o pior crime da História, o de
vender por trinta dinheiros Nosso Senhor Jesus Cristo.
E Ele, sendo Deus, tendo
conhecimento de todas as coisas que iam acontecer, entretanto não trepidou em
acumular tantas maravilhas sobre as pessoas desses pobres miseráveis que daí a
pouco iam fazer tudo quanto fizeram, e do traidor por excelência, que fez tudo
quanto fez.
Os senhores estão vendo o que é
a vocação. Os senhores estão vendo o que é a misericórdia de Deus, a qual nada
consegue abalar ou demover. Jesus Cristo tinha intuito de construir o seu Reino
sobre a Terra, tinha o intuito de fazer daqueles apóstolos os pilares desse
Reino. De fato, Ele cumulou de dons esses apóstolos. Eles foram infiéis, mas
esses dons não se perderam. Os apóstolos acabaram sendo fiéis e as intenções de
Nosso Senhor Jesus Cristo acabaram se realizando.
Graça a pedir na Quinta-Feira
Santa
Aqui nós temos um argumento
para nos estimularmos no meio de nossas incontáveis fraquezas.
Quantas razões para nós
batermos no peito! Quantas razões para considerarmos as nossas confissões
apressadas, as nossas comunhões mecânicas e sem piedade verdadeira! Quantas
razões para pensar nas mil ocasiões em que estivemos abaixo de nossa vocação!
Entretanto, Nossa Senhora
continua a nos proteger, continua a nos ajudar, continua a nos conceder graças
de toda ordem. Podemos esperar que Ela tenha a intenção misericordiosa de nos
conservar como seus apóstolos para todo o sempre, para a criação do Reino de
Maria, apesar de todas as nossas insuficiências, de nossas carências, de nossas
infidelidades.
E assim devemos nos inclinar a
seus pés e pedir que Ela nos trate como tratou os apóstolos e obtenha para nós
um trato análogo da parte de Nosso Senhor Jesus Cristo. Quer dizer, pedir-Lhe
que — fechando os olhos às nossas fraquezas e misérias passadas e presentes, e
até mesmo àquelas que de futuro nós possamos ter — Ela queira não romper esse
pacto de misericórdia que Ela estabeleceu conosco. Que Ela queira manter esse
pacto e fazer chegar logo o dia mil vezes feliz em que nos confirme na
fidelidade. E em que nós possamos, afinal, ser para Ela razão de uma alegria
estável, permanente, durável, sólida e séria, por nossa grande fidelidade.
Esta é a graça que na
Quinta-feira Santa devemos especialmente pedir.*
* Excerto tirado da Revista Dr Plinio 63
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