Se
nos fosse dado contemplar a imensidade dos possíveis de Deus, ou seja, o
incontável número de seres que Ele poderia ter criado em sua onipotência,
veríamos criaturas semelhantes às deste mundo, mas sem os seus característicos
defeitos. Por exemplo, ouriços constituídos sem meios de causar mal aos homens;
pernilongos lindíssimos dotados de uma picada agradável e benfazeja; urubus de
figura tão elegante quanto os seus voos, e assim por diante.
Por
que não pôs Deus no universo criaturas assim, sem qualquer defeito, as quais
poderiam ter sido criadas e não o foram?
Pergunta
esta de difícil resposta. O certo, porém, é que no universo no qual vivemos
três criaturas são insuperáveis: a humanidade de Nosso Senhor Jesus Cristo, unida
hipostaticamente à divindade; a visão beatífica e Nossa Senhora.1 Todos os
outros seres, considerados individualmente, poderiam ser mais perfeitos.
Ora,
este mundo composto por criaturas com deficiências é, entretanto, ótimo no seu
conjunto, como ensina São Tomás de Aquino: “O universo não pode ser melhor do
que é, se o supomos como constituído pelas coisas atuais, em razão da ordem
muito apropriada atribuída às coisas por Deus e em que consiste o bem do
universo. Se apenas uma dessas coisas se tornasse melhor, a proporção da ordem
estaria destruída, como a melodia de uma cítara ficaria destruída se uma corda
se tornasse mais tensa do que deve”.2
O
universo criado por Deus tinha de ser o que mais O glorificasse, porque Ele não
poderia ter escolhido criá-lo de forma nem um pouco inferior ao mais adequado.
E tudo quanto nele existe de defectivo serve para o homem ter presente a sua
debilidade, fraqueza e dependência contínua de Deus. Lembra-lhe, enfim, sua
contingência. É deste mundo, com deficiências, que nós fazemos parte.
As
considerações acima nos preparam para analisar o papel de Nossa Senhora na
Criação, que é especialmente recordado na liturgia escolhida pela Igreja para a
Solenidade da Anunciação do Senhor.
O
“fiat” de Maria Santíssima
Sobre
a conhecidíssima e tão comentada passagem evangélica da Anunciação, pareceria
não haver nada de novo a dizer. Entretanto, como um vinho excelente apresenta
aspectos diferentes em cada safra, assim também acontece com o magno
acontecimento da Encarnação do Verbo, no qual sempre descobriremos novas e
magníficas maravilhas.
As aparências não estão à altura do acontecimento
“Naquele tempo, 26 o anjo Gabriel foi
enviado por Deus a uma cidade da Galileia, chamada Nazaré, 27 a uma Virgem,
prometida em casamento a um homem chamado José. Ele era descendente de Davi e o
nome da Virgem era Maria”.
Antes
de entrar na análise da narração de São Lucas, é mister voltarmos nossa atenção
para o local onde Se encontrava Maria Santíssima ao ser visitada pelo Arcanjo
São Gabriel. Não se tratava de um magnífico palácio, como tantos artistas
imaginaram, mas de uma casa muito modesta, com paredes de tijolos aparentes.
Estava situada em Nazaré, uma cidade então insignificante, na qual a Sagrada
Família viverá na pobreza, humildade e apagamento.
Não
há neste episódio outros elementos cujas aparências estejam à altura do
acontecimento que ali se daria, a não ser a presença da Virgem Maria, e também
a de São José. Pois o elevadíssimo grau de santidade de ambos certamente
transluzia em seus gestos, fisionomias e em todo o seu modo de ser.
No momento da
Anunciação, Nossa Senhora rezava
28a “O anjo entrou onde Ela
estava...”.
O
que fazia Maria Santíssima quando o anjo chegou junto a Ela? Sem dúvida,
rezava, talvez considerando a desastrosa situação na qual se encontrava a humanidade.
O povo judeu havia se desviado da prática da verdadeira religião e os pagãos, a
começar pelos romanos, viviam numa tremenda decadência moral. Chegara-se ao que
São Paulo chama “plenitude dos tempos” (Ef 1, 10).
É
assim, com Maria Santíssima orando ao Pai recolhida no seu aposento, que São
Bernardo descreve a cena da Anunciação, pondo em realce a importância da oração
para Deus manifestar-Se. Pois uma coisa é evidente: as preces d’Ela comoveram
os Céus: “A saudação do anjo, feita com tanta reverência, indica quanto as orações
de Maria haviam agradado ao Altíssimo”3 — afirma o Doutor Melífluo.
Numa
de suas meditações sobre a vida de Cristo, São Boaventura nos apresenta a jovem
Maria levantando-Se à meia noite no Templo para fazer sete súplicas diante do
Altar e rezando desta forma: “Eu Lhe pedia a graça de presenciar o tempo no qual
haveria de nascer aquela Virgem Santíssima que daria à luz o Filho de Deus, de conservar-me
os olhos para poder vê-La, a língua para louvá-La, as mãos para servi-La, os
pés para ir aonde Ela mandar e os joelhos para adorar o Filho de Deus em seu
regaço”.4
Sua
humildade A impedia de concluir quem haveria de ser essa Dama à qual desejava ardentemente
servir, mas, possuindo ciência infusa e recebendo graças sobre graças, foi
tecendo considerações até conceber em seu espírito, com total nitidez, a figura
moral do Messias prometido. Maria “concebeu Cristo em sua mente antes de
concebê-Lo em seu ventre”, afirma Santo Agostinho.5
Ao
ver iluminar-se o aposento por uma luz sobrenatural e aparecer diante d’Ela o
Arcanjo São Gabriel, Maria não deu o menor sinal de espanto. Segundo vários
autores, entre eles São Pedro Crisólogo e São Boaventura, Ela estava “habituada
às aparições angélicas, as quais não podiam deixar de ser frequentes para
Aquela que Deus havia cumulado de tantas graças, que reservava para tão altos
destinos, e que os anjos reverenciavam como sua Rainha e a própria Mãe de
Deus”.6 Podemos, inclusive, conjecturar que o próprio São Gabriel não Lhe fosse
desconhecido.
A graça crescia n’Ela
a cada instante
28b“... e disse: ‘Alegra-Te, cheia
de graça, o Senhor está contigo!’”.
A
expressão usada pelo Anjo para saudá-La tem um sentido muito profundo no qual
vale a pena nos determos.
Nosso
Senhor Jesus Cristo, Salvador da humanidade, é a única criatura que possui a
plenitude absoluta de graça. Ele a teve desde o início, sem qualquer
possibilidade de aumento. E quando o Evangelho afirma que Jesus “ia crescendo
em sabedoria, tamanho e graça diante de Deus e dos homens” (Lc 2, 52), refere-se
às manifestações exteriores de sua santidade. “Mas interiormente o tesouro de
dons celestes, que O tornavam agradável a Deus, era tão perfeito que não podia
crescer de maneira alguma”.7
Não
acontecia o mesmo com Nossa Senhora. Ao longo de toda a sua vida, foi
incessante seu progresso espiritual, ora devido aos méritos sobrenaturais
obtidos pela prática de incontáveis boas obras, ora como fruto da sua oração
humilde, confiante e perseverante, ora, no fim da sua existência, por efeito do
Sacramento da Eucaristia. E isto sem falar dos incrementos de graça, de
incalculáveis proporções, experimentados por sua alma no momento da Encarnação
do Verbo, aos pés da Cruz e por ocasião de Pentecostes.8
Não
houve, portanto, um instante no qual Ela não tivesse mais graça do que no
anterior, como bem exprime Campana: “Em todos os momentos de sua vida, Maria
foi penetrada por inteiro pelos raios divinos da graça; em cada minuto de sua
existência, sua vontade mostrou-se dócil em render a Deus homenagem e glória;
todas as pulsações de seu Coração foram sempre para Deus. [...] Essa ascensão
de Maria rumo ao ideal de santidade era contínua, uniforme, sem solavancos, sem
interrupção”.9
Assim,
quando o anjo A proclama “cheia de graça”, indica estar sua alma participando
da vida divina no maior grau possível naquele instante; mas um minuto depois
essa plenitude já seria maior.
E
conclui o mesmo Campana: “Maria progredia em graça porque n’Ela se desdobravam
sem cessar novas capacidades de graça, as quais eram logo preenchidas.
Precisamente nisto consiste a diferença característica entre a plenitude de
santidade de Maria e a de Jesus Cristo”.10
Plenitude de
superabundância
Com
base no Doutor Angélico, Garrigou-Lagrange distingue três plenitudes de graça:
absoluta, exclusiva de Cristo; de superabundância, privilégio especial de
Maria; e de suficiência, comum a todos os santos.11 E explica o insigne teólogo
dominicano: “Essas três plenitudes subordinadas foram justamente comparadas à
de uma fonte inesgotável, à do rio que dela procede e à dos canais alimentados
por esse rio para irrigar e fertilizar as regiões por ele atravessadas, ou
seja, as diversas partes da Igreja universal no espaço e no tempo”.12
Assim,
desde o momento de sua criação, Maria Santíssima participou da vida divina mais
do que todos os Anjos e todos os bem-aventurados juntos. A tal ponto, que se
Ela lhes distribuísse todas as graças das quais cada um deles tivesse
necessidade, nada Lhe faltaria, pois, “sob a forma de méritos, de orações e de
sacrifícios, esse rio de graça remonta a Deus, oceano da paz”.13
A
plenitude da graça de Maria, afirma São Lourenço de Bríndisi, “só é
compreensível para Deus, pois só Ele abarca o abismo imenso e o quase infinito
pélago dessa graça”.14
Causa da
perturbação de Maria
29 “Maria ficou perturbada com
essas palavras e começou a pensar qual seria o significado da saudação”.
A
reação de Nossa Senhora mostra a profundidade do seu espírito.
Dotada
de ciência infusa, Ela entendeu perfeitamente o alcance da altíssima afirmação
do anjo, considerando não apenas o significado imediato daquelas palavras, mas
também suas consequências e correlações com o panorama da História.
Contudo,
sendo cheia de graça, um dos seus predicados era a humildade mais excelsa. Em
nada preocupada consigo mesma, todas as suas cogitações voltavam-se para Deus e
a salvação da humanidade: Quando virá o Messias? Quando se dará a redenção?
A
presença de São Gabriel não Lhe causou qualquer perturbação. Sua saudação,
porém, deixou-A com um ponto de interrogação, pois não podia imaginar que
aquelas palavras pudessem ser aplicadas a Ela. Conforme esclarece São Tomás: “A
Bem-aventurada Virgem tinha uma fé expressa na Encarnação futura: mas, por ser
humilde, não tinha tão alta ideia de Si mesma. E por isso era preciso que fosse
informada a respeito da Encarnação”.15
Medo de macular uma
humildade ilibada
30 “O anjo, então, disse-Lhe: ‘Não
tenhas medo, Maria, porque encontraste graça diante de Deus’”.
Embora
sem mancha de pecado original, Nossa Senhora foi criada em estado de prova e
percebia com toda clareza a necessidade da vigilância. Temia aplicar a Si as
palavras do Anjo e, cedendo em algo ao orgulho, acabar por ofender a Deus.
“Não
tenhas medo, Maria” significava: “Não vos preocupeis, porque vossa humildade em
nada será atingida”. Com essas palavras, São Gabriel A exorta a ter confiança
de que jamais sairá do reto caminho. Não em razão dos seus méritos. Ele não
diz: “Não tenhas medo porque és forte”, mas sim “porque encontraste graça
diante de Deus”.
E
por que encontrou Ela graça diante de Deus?
A
resposta, no-la dá São Bernardo: “Se Maria não fosse humilde, não desceria
sobre Ela o Espírito Santo; e, se Este não descesse, Ela não conceberia pelo
poder d’Ele. Pois como poderia conceber d’Ele sem Ele? É claro, portanto, que,
para Ela conceber d’Ele, ‘o Senhor olhou para a humildade de sua serva’ (Lc 1,
48) muito mais do que para a sua virgindade; e, embora tenha por sua virgindade
agradado a Deus, foi pela humildade que concebeu”.16
E
nós também procedemos assim? Tomamos cuidado com a vaidade, como o fez Nossa
Senhora nessa circunstância? Somos cientes de que um pensamento de orgulho
consentido pode ser o ponto de partida para uma séria decadência na vida
espiritual? Ou aceitamos com delícias qualquer elogio, real ou imaginário, que
nos seja feito?
O
ato de virtude que Lúcifer e os anjos maus não praticaram no Céu, nem Adão e
Eva no Paraíso Terrestre, Maria Santíssima o fez da forma mais perfeita
possível. Que exemplo sublime Ela nos dá, a nós tantas vezes preocupados em
obter honrarias devidas ou indevidas!
“Será chamado Filho
do Altíssimo”
31“Eis que conceberás e darás à
luz um filho, a quem porás o nome de Jesus. 32 Ele será grande, será chamado
Filho do Altíssimo, e o Senhor Deus Lhe dará o trono de seu pai Davi. 33 Ele
reinará para sempre sobre os descendentes de Jacó, e o seu reino não terá fim”.
Nestes
três versículos, o Anjo indica as extraordinárias características d’Aquele que
Nossa Senhora haveria de conceber. Elas estavam em perfeita harmonia com a
Sagrada Escritura, a qual Maria Santíssima conhecia como ninguém, e com a rica
imagem do Messias formada por Ela em seu espírito, ao longo dos anos.
Imaginemos
qual seria a reação de uma jovem recém-casada daquele tempo, ao receber de um
anjo a notícia de que o seu filho haveria de ser grande tanto na ordem
sobrenatural: “será chamado Filho do Altíssimo”, quanto na natural: “o Senhor
Deus Lhe dará o trono de seu pai Davi”. Impossível excogitar algo mais elevado!
Maria,
entretanto, reage diante da comunicação do Anjo dando novas mostras de
humildade heroica. São Gabriel lhe anuncia que será a Mãe do mais importante
dos filhos de Israel: do próprio Messias! E Ela o ouve tranquila e serena,
porque as suas preocupações estavam bem longe da glória pessoal.
Perplexidade diante
do anúncio
34“Maria perguntou ao anjo: ‘Como
acontecerá isso, se Eu não conheço homem algum?’”.
Aqui
resplandece a Fé de todo incomum de Nossa Senhora, ante o anúncio feito pelo
Anjo. Ao ouvi-lo dizer “conceberás e darás à luz um filho”, reconhece tratar-se
de fato de uma mensagem divina, e não põe obstáculo algum à sua realização.
Porém, entre as graças das quais Ela estava plena, reluzia um insuperável amor
à virtude da castidade. Desposada com São José, combinou com ele manterem-se
virgens por toda a vida.17 E é nesse sentido que se deve entender a expressão
“não conheço homem algum”. Podemos supor ter havido longas conversas entre Ela
e São José a esse respeito, chegando à conclusão de ser claramente inspirado
por Deus o voto de castidade feito por ambos.
Mesmo
com essa convicção bem arraigada na alma, Ela não duvidara das palavras de São
Gabriel. Apenas apresenta-lhe sua perplexidade, visando conhecer mais a fundo
como haveria de concretizar-se o desígnio divino.
Origem inteiramente
sobrenatural do Verbo Encarnado
35 “O anjo respondeu: ‘O Espírito
virá sobre Ti, e o poder do Altíssimo Te cobrirá com sua sombra. Por isso, o
menino que vai nascer será chamado Santo, Filho de Deus. 36 Também Isabel, tua
parenta, concebeu um filho na velhice. Este já é o sexto mês daquela que era
considerada estéril, 37 porque para Deus nada é impossível’”.
Quem
senão Deus, seu Criador, conhecia o amor extraordinário da Virgem Santíssima à virtude
da pureza? Por isso Ele, que é a Delicadeza em essência, teve o cuidado de
mandar o celeste mensageiro resolver com extraordinária elevação e reverência
sua santa perplexidade.
Conhecendo
por instrução divina o problema que a maternidade divina levantava n’Ela, o
anjo Lhe mostra que, assim como havia concedido à sua prima Isabel conceber um
filho na velhice, a Onipotência divina poderia fazê-La conceber sem concurso de
varão. E Ela, resplandecente de sabedoria e inteligência, entende em toda a sua
profundidade as explicações do Anjo e logo as aceita.
A
origem inteiramente sobrenatural do Verbo Encarnado foi revelada naquele
momento. Que considerações não deve ter feito Maria ao conhecer o alcance desse
acontecimento!
Maria gerou no
tempo a mesma Pessoa gerada pelo Pai na eternidade
38 “Maria, então, disse: ‘Eis aqui
a serva do Senhor; faça-se em Mim segundo a tua palavra!’. E o anjo
retirou-se”.
A
escravidão é o estado mais deplorável para uma criatura humana. Pelo Direito
Romano, quem caía nessa situação era considerado coisa, res, perdendo todos os
direitos próprios à pessoa humana. E quando a Virgem Maria disse: “Eis aqui a
serva do Senhor”, o fez com total consciência, colocando-Se por inteiro nas
mãos de Deus, com absoluta confiança na sua liberalidade.
A
partir desse ato de radical aceitação, todo ele feito de humildade e de fé,
operou-se logo em seguida a concepção do Verbo Encarnado no seu seio virginal.
Consideremos
agora um aspecto particularmente comovedor desse fiat.
O
Verbo de Deus foi gerado pelo Pai desde toda a eternidade. Conhecendo-Se a Si
mesmo, Ele gerou um Filho eterno sem concurso de mãe alguma, de uma forma
misteriosa que nossa inteligência não consegue compreender.
Ora,
logo após o consentimento da Virgem — “Eis aqui a serva do Senhor, faça-se em
Mim segundo a tua palavra” —, o Espírito Santo iniciou n’Ela o processo de
gestação do Verbo Encarnado. Ela tornou-Se Mãe sem concurso de pai natural.
Há,
pois, entre o Padre Eterno e Maria Santíssima um paralelo de impressionante
grandeza: ao considerar suas próprias magnificências, Este gera o Filho na
eternidade; e Maria, pondo nas mãos de Deus sua própria contingência, gera o
Filho de Deus no tempo!
Por
ser a mais humilde de todas as criaturas, Nossa Senhora reproduz de algum modo
a geração do Verbo na eternidade, ao dar origem na Terra à natureza humana de
Nosso Senhor. O Pai criou todas as coisas no Verbo e pelo Verbo; pela Encarnação,
Maria vai permitir ao Filho oferecer-Se em sacrifício ao Pai, para a
recuperação de todas as coisas degradadas pelo pecado.18
O
grandioso plano da Encarnação e da Redenção do gênero humano esteve na
dependência desse fiat de Maria, porque se, por uma hipótese absurda, Ela não
tivesse aceitado, não teria havido a Redenção.
A festa da harmonia
no Universo
Como
vimos no início deste artigo, Deus escolheu, entre infinitas possibilidades,
criar o melhor dos universos, no qual tudo se ajusta em função de Nosso Senhor
Jesus Cristo. Porque se Ele tivesse criado todos os seres no seu grau máximo de
perfeição surgiria, paradoxalmente, uma tremenda deficiência, maior do que
qualquer outra que possamos conceber: a do Verbo Encarnado não poder oferecer
nada de Si para tornar mais elevada a Criação.
Devemos,
portanto, nos alegrar com as nossas limitações e, em certo sentido, até com
nossos pecados, pois eles permitem a Nosso Senhor exercer a misericórdia,
derramando sobre nós, por meio de Maria Santíssima, aquilo que n’Ele existe em
plenitude absoluta.
Porém,
a fecundidade do Preciosíssimo Sangue de Jesus é tal que, ao reparar e perdoar,
Ele não só nos restaura aquilo que perdemos, mas nos traz um complemento,
dando-nos ainda mais do que anteriormente possuíamos. Dessa maneira, podemos
alcançar, pela graça divina, aquilo que os seres mais perfeitos, se fossem
criados, teriam por natureza.
Ora,
foi a Virgem Maria, com sua disponibilidade e obediência, quem introduziu no
cerne da Obra divina a Criatura cume e modelo arquetípico de tudo quanto
existe, da Qual tudo deflui. Por isso, a Solenidade da Anunciação do Senhor
celebra a restauração da harmonia no universo. É a comemoração do dia em que a
Criação passou a transluzir com um brilho todo divino, pelos méritos de Maria
Santíssima.
1“A humanidade de Cristo, pelo fato de
estar unida a Deus; a bem-aventurança criada, por ser o deleitar-se em Deus; e
a Bem-aventurada Virgem, por ser a Mãe de Deus, têm até certo ponto infinita
dignidade, provinda do bem infinito que é Deus. Sob este aspecto, nada pode ser
feito melhor do que eles, como nada pode ser melhor do que Deus” (SÃO TOMÁS DE
AQUINO. Suma Teológica, I, q.25, a.6, ad.4).
2Idem, I, q.25, a.6, ad.3.
3SÃO BERNARDO. Obras Completas. Homilías
sobre la Virgen Madre 3,1. Madrid: BAC, 1953, t.I, p.207.
4SÃO BOAVENTURA. Meditaciones de la vida de
Cristo. Buenos Aires: Santa Catalina,
1945, p.7.
5SANTO AGOSTINHO. Sermo 215, 4. ML 38,
1074.
6JOURDAIN,
Zéphyr-Clément. Somme des grandeurs de
Marie. 2.ed. Paris: Hyppolite Walzer, 1900, t.II, p.268.
7CAMPANA, Emile. Marie dans le Dogme
Catholique – Les Prérogatives de Marie. Montréjeau: SoubironCardeilhac, s.d.,
t.II, p.281-282
8 Cf.
ROYO MARÍN, OP, Antonio. La Virgen María. Madrid: BAC, 1968, p.252-268.
9 CAMPANA, op. cit., p.278.
10 Idem, p.281
11 Cf. GARRIGOU-LAGRANGE, OP, Réginald.
La Mère du Sauveur et notre vie intérieure. Paris: Les Éditions du Cerf, 1954,
p.34-36.
12 Idem, p.35.
13Idem, ibidem.
14 SÃO LOURENÇO DE BRINDISI. Marial – María de
Nazaret, “Virgen de la Plenitud”. Madrid:
BAC, 2004, p.206.
15 SÃO TOMÁS DE AQUINO. Op. cit., III,
q.30, a.1, ad 2.
16 SÃO BERNARDO. Op. cit., Homilías sobre la
Virgen Madre 1,5, p.189.
17 Cf. SÃO TOMÁS DE AQUINO. Op. cit., III, q.28,
a.4.
18 Observa a este propósito Alastruey: “A
Anunciação demonstra a participação na Encarnação e, portanto, na restauração
do mundo decaído, obtida pela Santíssima Virgem, de cujo consentimento
dignou-Se depender o próprio Deus para encarnar-Se em seu seio” (ALASTRUEY,
Gregorio. Tratado de La Virgen Santísima. Madrid: BAC, 1945, p.71).
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