“Naquele tempo, 11 Jesus dirigiu-Se a uma cidade
chamada Naim. Com ele iam seus discípulos e uma grande multidão.
12 Quando chegou à porta da cidade, eis que levavam um
defunto, filho único; e sua mãe era viúva. Grande multidão da cidade a
acompanhava. 13 Ao vê-la, o Senhor sentiu compaixão para com ela e lhe disse:
‘Não chore!’. 14 Aproximou-Se, tocou o caixão, e os que o carregavam pararam.
Então, Jesus disse: ‘Jovem, eu te ordeno, levanta-te!’. 15 O que estava morto sentou-se
e começou a falar. E Jesus o entregou à sua mãe. 16 Todos ficaram com muito
medo e glorificavam a Deus, dizendo: ‘Um grande profeta apareceu entre nós e
Deus veio visitar o seu povo’.
17 E a notícia do fato espalhou-se pela Judeia inteira
e por toda a redondeza” (Lc 7, 11-17).
COMENTÁRIO AO EVANGELHO – 10º DOMINGO DO TEMPO
COMUM Lc 7, 11-17
O CHOQUE DAS GRANDES CONVERSÕES
Na História da Igreja é
frequente encontrarmos situações nas quais um apóstolo, inspirado por Deus, deseja
a conversão de alguma alma afastada da Religião. Entretanto, muitas vezes seu
ardor se vê coarctado pela negativa de quem é objeto de seu zelo. Todos os
esforços se revelam inúteis, pois a argumentação não logra dobrar uma vontade
obstinada.
Afonso Ratisbonne, por exemplo,
era um israelita de raça e religião, profundamente enraizado em suas tradições.
Seu amigo, o Barão de Bussières, movido por uma moção interior da graça, usou
dos mais convincentes recursos da apologética para tentar convertê-lo à Igreja
Católica, sem obter sucesso. Aferrado às próprias convicções e mais preocupado
em gozar das delícias da vida que o futuro lhe oferecia, Afonso aceitou apenas
levar ao pescoço uma medalha de Nossa Senhora das Graças, com a promessa, a
contragosto, de recitar todos os dias o Memorare — o “Lembrai-Vos”, a conhecida
oração de São Bernardo. “Eu não podia me dar conta” — narraria mais tarde o
Barão de Bussières — “da força interior que me impelia, a qual, a despeito de
todos os obstáculos e da obstinada indiferença oposta por ele a meus esforços, dava-me
uma convicção íntima, inexplicável de que, cedo ou tarde, Deus lhe abriria os olhos”.1
Alguns dias depois, ambos
entraram na igreja de Sant’Andrea delle Fratte, em Roma. O Barão dirigiu-se à
sacristia, para tratar de um assunto, enquanto o jovem Afonso permaneceu só na
igreja, analisando as obras de arte ali existentes. De repente, em um altar lateral,
apareceu-lhe a Santíssima Virgem, tal como na medalha, e sem nada dizer operou
instantaneamente sua conversão radical: “Ela não me falou, mas eu compreendi
tudo!”, 2 exclamava ele, depois, com verdadeiros arroubos de entusiasmo. Com
efeito, a fé católica fora-lhe implantada no coração de modo inexplicável; o
jovem israelita passou a falar dos mistérios e dos dogmas da Religião como se
os conhecesse e os amasse desde sempre. Bastara apenas um olhar de Maria para
transformar sua alma!
A ação da
graça eficaz
Não nos iludamos, portanto, ao
constatar a conversão de uma alma, julgando que ela se deveu à argumentação
racional feita por quem se propunha atraí-la, ou a uma exposição teológica que,
entremeada de exemplos adequados e desenvolvidos de forma brilhante, arrebatou
o ouvinte, levando-o a uma mudança de vida. Se a iniciativa de conceder uma
graça eficaz — isto é, aquela que produz seu efeito sempre, de modo infalível —
não partir de Deus, podem ser empregados todos os recursos da inteligência humana,
as demonstrações mais convincentes ou os silogismos mais irrefutáveis, que não se
logrará mover a alma nem um passo sequer na direção do bem. O eminente teólogo
dominicano, padre Antonio Royo Marín, explica que, “sem a graça atual ou
auxílio sobrenatural de Deus, a alma em graça e, ainda com maior razão, o pobre
pecador, não podem fazer absolutamente nada na ordem sobrenatural. O pecador não
pode arrepender-se de maneira suficiente para recuperar a graça se Deus não lhe
concede previamente a graça atual do arrependimento”.3
De fato, a ação de Deus sobre
as almas é muito variada. Não depende ela da lucidez, da lógica ou da capacidade
oratória do apóstolo, não depende dos méritos deste, nem de quem a recebe, não
depende sequer, como condição absoluta, das orações que outros façam
intercedendo por elas, embora a prece em favor do próximo possua grande
audiência diante de Deus. A conversão, portanto, obedece a uma iniciativa de
Deus, conforme ensina São Tomás: “Que o homem se converta a Deus não pode ocorrer
senão sob o impulso do próprio Deus que o converte. [...] A conversão do homem
a Deus é, certamente, obra do livre-arbítrio. Por isso, precisamente, manda-lhe
que se converta. Mas o livre-arbítrio não pode voltar-se a Deus, se o próprio
Deus não o converte a si”.4
Tal impulso divino, que com
frequência incide “não só [sobre os] que carecem totalmente de bons méritos,
como também [sobre aqueles cujos] méritos maus vão adiante”,5 é-nos ilustrado de
forma cogente no Evangelho proposto na Liturgia do 10º Domingo do Tempo Comum.
A COMPASSIVA
INICIATIVA DE NOSSO SENHOR
“Naquele tempo, 11 Jesus dirigiu-Se a uma cidade
chamada Naim. Com ele iam seus discípulos e uma grande multidão”.
Naim era uma pequena cidade da
Galileia, situada sobre uma elevação, na encosta do Pequeno Hermon, a doze
quilômetros de distância de Nazaré e a 38 quilômetros de Cafarnaum. Seu nome —
que significa “a graciosa” — provinha do belo panorama descortinado à sua
frente, compreendendo a fértil planície de Esdrelon, as montanhas de Nazaré e o
imponente monte Tabor. Como a maioria das cidades da Palestina naquela época,
possuía muralhas de defesa para evitar saques e invasões. O acesso ao casario
se fazia por uma estrada ascensional que conduzia até a porta da cidade, provavelmente
estreita, dificultando a entrada e a saída, em caso de se formarem grandes
aglomerações de pessoas.
O providencial
encontro de duas multidões
12 “Quando chegou à porta da cidade, eis que levavam um
defunto, filho único; e sua mãe era viúva. Grande multidão da cidade a
acompanhava”.
Diante desse quadro, podemos
imaginar o impacto causado pela chegada de Nosso Senhor, que subia à cidade
seguido de uma grande multidão, ao encontrar-Se com outra comitiva numerosa, constituída
pelos habitantes, que descia pela estrada levando para enterrar o filho único
de uma viúva.7 Segundo a praxe judaica, quem cruzasse com um cortejo fúnebre
deveria parar e acompanhá-lo.8 Jesus, amante e cumpridor das leis, deteve-Se
diante do defunto e, devido à estreiteza do caminho, quiçá tenha até mesmo se
colocado de lado para permitir a passagem do féretro.
Naqueles tempos, a morte de um
filho único constituía para uma viúva a desaparição de seu esteio. A partir
desse momento, ela e suas possíveis propriedades ficavam à mercê da rapina geral
— abuso denunciado por Jesus mais adiante, em sua censura aos escribas (cf. Lc
20, 47; Mc 12, 40). Com efeito, não faltava quem se regozijasse em tais
circunstâncias, porque das viúvas podiam arrancar tudo quanto elas possuíam, sem
oposição de ninguém, como aponta São João Crisóstomo: “E o pior era que não enchiam
seus ventres dos bens dos ricos, mas da miséria das viúvas, agravando uma
pobreza que deveriam socorrer”.9 Situação semelhante nos é apontada pelo
próprio Cristo na parábola do juiz iníquo (cf. Lc 18, 1-8), revelando esse
crime que não era estranho aos ouvidos do tempo.
Nosso Senhor
toma a iniciativa sem prévio pedido
13 “Ao vê-la, o Senhor sentiu compaixão para com ela e
lhe disse: ‘Não chore!’”.
Na maior parte dos milagres
realizados pelo Divino Mestre — como, por exemplo, o do servo do centurião,
contemplado na Liturgia do domingo anterior —, a iniciativa partia do
necessitado que, cheio de fé, pedia auxílio, sendo atendido por Nosso Senhor.
Neste caso, pelo contrário,
algo diferente aconteceu: o próprio Jesus toma a iniciativa. Ele, enquanto Deus,
considerara aquela família desde toda a eternidade e, através do conhecimento de
sua alma humana na visão beatífica, conhecia-a também perfeitamente, bem como a
difícil conjuntura em que se encontrava. Contudo, seus olhos materiais e sua
ciência experimental só nesse momento a constataram.
A cena de uma mãe desolada,
atingida pela perda de quem era seu apoio e sustento, ficando sozinha no mundo,
era por demais comovedora. “Sobre aquela cabeça querida, ela havia reunido
todos os afetos e todas as esperanças de seu coração. Ela o educava como uma
viúva sabe educar um filho único. Podemos afirmar: sua alma e sua vida
gravitavam em torno dessa existência. E eis que, de repente, se rompe o fio ao
qual estava suspensa a única felicidade que ela podia experimentar sobre a
Terra. Eis que a morte arranca aos abraços desesperados de sua mãe o menino
amadurecido, no momento em que ele aparecia como uma força e como uma
proteção”.10
Por isso, tomou-Se Jesus de dor
e compaixão para com a pobre senhora e, dirigindo-Se primeiramente a ela,
disse-lhe: “Não chore”. Sem dúvida, tais palavras devem ter tranquilizado o
espírito aflito dela, pois o Divino Mestre as fez acompanhar de especiais
graças de consolação. A esse propósito, comenta Maldonado: “Devemos crer que
Cristo disse essa palavra de consolo de maneira muito diferente do que haviam feito
as outras pessoas. Pois não há dúvida de que palavras iguais ou semelhantes lhe
diriam todos. Quem há que não diga ‘Não chore’ ao que se lamenta? Mas os outros
o diriam de modo humano e com razões humanas. [...] Cristo, pelo contrário,
consola-a de maneira que, ou com outras palavras omitidas pelo Evangelista, ou
com o tom de voz com o qual disse estas mesmas palavras, deixa-lhe entrever, de
alguma forma, a esperança de que seu filho ressuscitaria”. 11 Essa primeira
atitude de Nosso Senhor já deve ter causado assombro nos circunstantes, pois
manifestava uma compaixão como ninguém tinha na época.
Nenhum comentário:
Postar um comentário