Continuação dos Comentários ao Evangelho XII Domingo do Tempo Comum – Ano – C 2013 – Lc 9, 18-24
O EXEMPLO DO SALVADOR
A passagem apresentada neste
domingo situa-se no período áureo da vida pública de Jesus, quando sua fama no
mundo hebraico caminhava para o apogeu e se celebravam seus feitos por toda
parte. A notícia dos milagres realizados já se espalhara por Israel, e não
havia um só recanto onde não se comentasse a trajetória ascensional daquele
Mestre cheio de influência e poderes sobrenaturais. Fillion comenta a importância
do momento histórico e das afirmações de Cristo ora contemplados: “Chegamos a
palavras e acontecimentos de altíssima importância. [...] eis aqui
acontecimentos extraordinários, inclusive dentro de uma vida tão extraordinária
como foi a de Nosso Senhor. Essa vida, de si tão sublime, vai subir a regiões ainda
mais elevadas antes de descer ao que muito justamente se chamou de vale
profundo da dor e da humilhação. Se daqui em diante Jesus se ocupa menos em
instruir o povo e o vemos mais raramente em contato com ele, consagra, em
troca, mais atenção ao pequeno grupo de seus Apóstolos, aos quais revelará os segredos
de sua origem e missão. Assim iremos penetrando cada vez mais no coração do
Evangelho”.3
De fato, o episódio deste
domingo é tido como um dos pontos auges do convívio do Salvador com os
discípulos, e marco importante da instituição da Igreja docente. Os
evangelistas São Mateus e São Marcos relatam encontrar-Se Jesus, nesse dia, nas
proximidades de Cesareia de Filipe, cidade situada em território pagão,
incrustada numa região isolada e de grandiosa beleza. São Lucas, embora não
ofereça maiores especificações geográficas, registra um precioso pormenor que
antecedeu a confissão de Pedro e o primeiro anúncio da Paixão: o Mestre estava
orando.
A oração do
Homem-Deus
Certo dia, 18a Jesus estava rezando num lugar retirado,
e os discípulos estavam com ele.
A oração de Jesus constitui um
apaixonante mistério mencionado em diversas ocasiões ao longo dos Evangelhos.
Dentre os quatro evangelistas, São Lucas mostra-se mais atento a esse detalhe,
referindo-o com certa frequência. Os grandes episódios da vida de Cristo são
precedidos por períodos de prece. O Evangelista menciona onze ocasiões em que
Jesus reza ao Pai, embora nem sempre se detenha no conteúdo de tais colóquios.4
Dessa vez Nosso Senhor procura
um lugar ermo e, sem despedir os que O seguiam, afasta-Se um pouco deles e
entrega-Se a uma recolhida oração. Nossa piedade, estimulada pela grandeza do
ato — o qual, de si, já bastaria para redimir a humanidade —, nos conduz à
formulação de algumas perguntas: se Ele é Deus, a quem rezava? E Ele o
destinatário da prece e, ao mesmo tempo, quem reza? A pluma dos teólogos
torna-se débil para expressar a excelsitude do fato. Sendo Deus e Homem, e
possuindo, por tal razão, duas naturezas distintas unidas na Pessoa Divina do
Verbo, em Cristo encontra-se onipotência unida à humanidade, sem que esta
última perca uma só de suas característitas, tais como inteligência, vontade,
sensibilidade, memória, imaginação e demais faculdades.Sua prece, portanto,
parte da natureza humana dirige-se à
Trindade, cuja Segunda Pessoa é Ele mesmo, sendo a expressão da vontade de humana de Jesus,
deliberada e absoluta, intercessão perfeita que deve ser atendida. Quão
insondável e profunda é a oração do Mestre! Nunca conheceremos nesta vida —
tão só no Céu — a força impetratória de
um pedido d’Ele, como na comovedora frase “eu roguei por ti” (Lc 22, 32), pela
qual perseverou não apenas São Pedro, mas também cada um de nós.
A excelência
da oração e do recolhimento
Grande é o apreço de Nosso
Senhor pela oração, tanto que quis servir-Se dela para derramar graças sobre o
mundo. O que podia conceder diretamente como Deus, preferiu pedir enquanto
Homem, indicando à humanidade um caminho infalível e harmônico com os desIgnios
divinos. Agindo dessa maneira, ensina São Cirilo de Alexandria, “constituía-se
em modelo de seus discípulos”.5
Cornélio a Lápide, por sua vez,
tece as seguintes considerações a propósito do valor e dos efeitos da oração:
“Não há lugar nem tempo em que não devamos rezar. A oração é a coluna das
virtudes, a escada da divindade, das graças e dos Anjos para descer à Terra, e
dos homens para subir à montanha eterna. A oração é a irmã dos Anjos, o fundamento
da fé, a coroa das almas [...]. A oração é uma corrente de ouro que liga o
homem a Deus, Deus ao homem, a Terra ao Céu; ela fecha o inferno, encadeia os
demônios; previne os crimes e os apaga... A oração é a arma mais forte; ela
oferece uma inquebrantável segurança, é o maior tesouro; ela é o porto seguro
da salvação; é o verdadeiro lugar de refúgio”.6 Com efeito, a oração faz do
homem um ser mais espiritualizado, no qual prevalece a graça de Deus e aquietam-se
as paixões desregradas.
O Salvador ainda nos oferece
outro tocante exemplo nessa cena. Ao retirar-Se para rezar, ensina a não nos
limitarmos unicamente à oração comunitária, como a participação na Eucaristia
ou outros atos litúrgicos. Sem menosprezar a prece coletiva, à qual está ligada
a promessa da sua presença — “onde dois ou três estão reunidos em meu nome, aí
estou eu no meio deles” (Mt 18, 20) —, Ele mostra ser muito benfazejo rezar a
sós, longe das aglomerações.
Ao contar que estava acompanhado
de perto apenas pelos discípulos — pormenor que, no parecer de Bento XVI,
denota o quanto eles “estão incluIdos nesse estar só, em seu reservadíssimo
estar com o Pai” —, quis o Evangelista
mostrar a relação entre a oração do Divino Mestre e o elevado tema tratado por Ele
a seguir.
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