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quinta-feira, 11 de julho de 2013

Evangelho 15º Domingo do Tempo Comum - Ano C - 2013 - Lc 10, 25-37

Continuação dos comentários ao Evangelho – XV Domingo do Tempo Comum - Lc 10, 25-37- Ano C - 2013  
A parábola: Quem é, afinal, o meu próximo?
30 Jesus, retomando a palavra, disse: “Um homem descia de Jerusalém para Jericó, e caiu nas mãos dos ladrões que o despojaram, o espancaram e retiraram-se, deixando-o meio morto.”
Quantas escolas e cursos de didática se multiplicam por todo o orbe! Entretanto, é impossível superar aquela empregada pelo Divino Mestre em sua vida pública. A criação da figura do Bom Samaritano é simplesmente genial. A própria descrição das circunstâncias geográficas nas quais o caso se verifica é de um colorido tão real que por pouco não julgamos tratar-se de um fato histórico.
Jerusalém dista de Jericó, aproximadamente, trinta quilômetros e, entretanto, a diferença de altitude entre uma e outra cidade quase atinge seus mil metros. Ao empreender-se o caminho partindo de Jerusalém, depois de percorrer uns três quilômetros, chega-se a Betânia, após a qual termina a vegetação e uma região bem rochosa se evidencia por longa extensão. A certa altura, nos dias de hoje, encontra-se uma hospedaria com o nome de “Bom Samaritano”, ao que parece, para fazer jus à parábola. Tudo leva a crer que de fato deve ter sido esse o local descrito pelo Senhor, pois ao longo dos séculos multiplicaram-se ali os assaltos, e não só à noite, mas em plena luz do dia. Ademais, existem ainda, não muito distante desse albergue, as ruínas de uma fortaleza, prova evidente do quanto devia ser perigoso o local.
O Evangelho sempre procura ser sintético, motivo pelo qual muitos aspectos, talvez secundários, de suas narrações não passam para a História. Por isso, não é exagero imaginarmos o quanto os detalhes psicológicos e geográficos foram cuidadosamente elaborados pelo Senhor.
Por esse caminho descia supostamente um judeu, pois, não tendo sido mencionada sua raça, por exclusão só podia tratar-se de um co-nacional do levita e do sacerdote que o sucederiam após o assalto. Entretanto, como veremos, essa imprecisão tem sua razão de ser. Das cavernas, ou de trás das rochas, surgem uns assaltantes que despojam o pobre homem e, certamente por ter ele reagido, aplicam-lhe severos golpes, abandonando-o quase sem vida em meio ao seu próprio sangue, impedido, portanto, de seguir seu curso normal.
Uma vez delineada a dramática situação desse homem e a fuga dos bandidos, a cena se enriquece com três personagens mais: um sacerdote, um levita e o samaritano.
O sacerdote e o levita violam a Lei, por terem o coração endurecido
31 Ora aconteceu que descia pelo mesmo caminho um sacerdote que, quando o viu, passou de largo. 32 Igualmente um levita, chegando perto daquele lugar e vendo-o, passou adiante.
A nacionalidade judaica e a respectiva religião eram os mais elevados pressupostos de honra de todo o povo eleito. Ora, aquele ferido possuía essas características essenciais, e vê-se claramente qual foi a intenção do Divino Mestre ao ideá-lo como vítima, pois o sacerdote ao se aproximar apenas o verá e passará adiante. Deduz-se que ele havia terminado seu serviço no Templo e retornava a Jericó onde residiam muitos dos de sua categoria. Não podia ser mais providencial esse encontro fortuito. A Lei determinava como obrigação grave socorrer qualquer acidentado, sobretudo em estado pré-agônico.
Religião, nacionalidade, desamparo, nada moveu aquele duro coração de um ministro de Deus chamado ao heroísmo da caridade. Não é difícil imaginarmos os raciocínios que provavelmente elaborou a partir de então e ao longo do caminho, para tranquilizar sua atormentada consciência: “É um homem qualquer! Um desconhecido, sem títulos. É melhor nem me deter, para não rebaixar minha condição”. Eram as razões ditadas pelo orgulho mal combatido, e não tão raro, naqueles que tinham por vocação a missão de extirpar esse mesmo vício nos outros e em si próprios. Ademais, se a humildade fosse sua companheira, nada lhe custaria, ainda que por puras palavras, procurar confortar aquele pobre hebreu. Um pequeno desvio, sem muito deter-se, foi todo o seu esforço. “Assueta vilescunt”, diz-se em latim; ele estava calcinado por uma rotina entibiada de suas funções litúrgicas no Templo, como também intoxicado pela hipocrisia dos escribas e fariseus.
Não lhe devia ser estranho um certo cálculo dos gastos a serem efetuados, caso ele se propusesse socorrer aquela vítima roubada, despojada e ensanguentada. Nem sequer poderia contar com uma recompensa e, menos ainda, com a recuperação do dinheiro empregado. Nada poderia esperar em retribuição aquele ministro pela perda de tempo, incomodidade, prejuízo, etc. Manifestou-se robusto seu caráter interesseiro de um vil pragmatismo diante daquele drama.
No extremo oposto da bondade, encontramos ao longo da História corações duros, cruéis e difíceis de se deixarem enternecer pelos necessitados. Nada os move à compaixão. Ali “por acaso, descia” um exemplo vivo dessa empedernida insensibilidade.
Aquela cena, entrecortada por gemidos que imploravam socorro e misericórdia, mais inspirava repulsa e náusea do que pena, naquele coração pervadido de amor próprio.
Porém, a Lei era explicitamente contrária aos seus sentimentos de egoísmo (cf. Ex 23, 5), e ele não podia ter abandonado seu irmão, sobretudo naquelas circunstâncias. As mesmas considerações serviriam para caracterizar a atitude idêntica do levita que, logo a seguir, também passou por ali. Ambos provavelmente haviam deixado o Templo após o término de seu expediente e desciam para Jericó, cidade que abrigava a metade dos servidores religiosos.
Misericórdia do samaritano
33 Um samaritano, porém, que ia de viagem, chegou perto dele e, quando o viu, encheu-se de compaixão. 34 Aproximou-se dele, ligou-lhe as feridas, deitando nelas azeite e vinho; e, pondo-o sobre o seu jumento, levou-o a uma estalagem e cuidou dele. 35 No dia seguinte tirou dois denários, deu-os ao estalajadeiro e disse-lhe: “Cuida dele; quanto gastares a mais, eu to pagarei quando voltar”.
Bem diferente foi a reação do samaritano. Sem levar em conta o ódio racial que violentamente os separava, apesar de se tratar de um inimigo seu, sua religiosa incompatibilidade se transformou, no mesmo instante, em comiseração. O Evangelho recolhe os maravilhosos detalhes da divina parábola elaborada por Jesus para o doutor da Lei: o samaritano se manifesta um herói da caridade desde o descer de sua montaria, aplicando in loco todos os cuidados cabíveis naqueles tempos, conduzindo a vítima a uma pousada, até o contrair uma dívida com o estalajadeiro, a fim de que este dispensasse todos os cuidados ao pobre judeu. Percebe-se, pelo contrato proposto e aceito, ser ele um mercador de confiança e muito estimado pelo dono da estalagem.
 36 Qual destes três te parece que foi o próximo daquele que caiu nas mãos dos ladrões? 37 Ele respondeu: “O que usou de misericórdia com ele.” Então Jesus disse-lhe: “Vai e faze tu o mesmo.”
Novamente, Jesus responde ao doutor da Lei com outra pergunta, parecendo à primeira vista desejoso de desviar-se um tanto da substância da temática proposta pelo consulente. Esse aparente desvio da questão, intencionalmente levado a cabo pelo Divino Mestre, é uma quimera que atrai a atenção da maioria dos comentaristas, dando-lhes ocasião para levantar as mais variadas hipóteses. Trazemos à tona a mais sábia e lúcida delas:
No meu entender, Cristo pretende demonstrar de modo geral que todo homem é nosso próximo; mas o faz de modo adaptado àquele doutor com quem estava tratando. Pensava este que só os justos, ou só os amigos, ou ao menos só os judeus, eram seus próximos. E das próprias palavras da Lei teve ocasião de errar, porque no hebraico próximo significa o mesmo que amigo e companheiro. Quis, pois, Cristo tirá-lo desse erro e obrigá-lo a reconhecer e confessar que próximo não era só o judeu para o judeu, mas também o samaritano para o judeu, isto é, o inimigo para o inimigo. E se o próprio inimigo era próximo para o inimigo, todo homem deve se considerar próximo em relação ao outro. Demonstrou isso com a melhor e mais eficaz argumentação, ou seja, pelo efeito, fazendo ver que o inimigo tinha sido próximo para o inimigo, isto é, o samaritano para o judeu, pois fez o que é característico do próximo, que é ajudar. Por isso Cristo propôs a parábola com o exemplo de um samaritano” (8).
No mesmo sentido, opina um conhecido comentarista moderno:
“A pergunta de Cristo foi feita com intenção especial. Perguntou-Lhe o doutor da Lei quem era o ‘próximo’ para ele. E Cristo [por sua vez], perguntou: Quem agiu como ‘próximo’? Desse modo, com um exemplo prático, fez ver que cada homem é ‘próximo’ para todos os homens. Motivo pelo qual deve estar ‘próximo’ a ele em todas as suas necessidades. É o paradoxo oriental servindo de máxima pedagogia. Tal foi a lição magisterial de Cristo” (9).
Tem toda razão Maldonado ao expressar essa análise, pois não era tão explícito para um judeu o conceito de próximo, por várias razões. Por sua história e por sua lei, antes de tudo. Sempre que os judeus se misturavam com outros povos, acabavam caindo na idolatria. Por outro lado, basta considerar o quanto a Terra Prometida se localizava entre mar, desertos e montanhas, separando o povo judeu, geograficamente, dos demais. Daí ser muito restrito para eles o verdadeiro significado de “próximo”. E entre si julgavam-se irmãos, mas, com os outros, viviam numa antipatia instintiva levada, não raras vezes, até ao ódio.
Por cima dessas circunstâncias, o povo judeu possuía uma missão universal. A ele havia sido confiado o tesouro espiritual do qual deveria ser alimentada toda a humanidade.
Assim se explica essa belíssima parábola composta pelo Divino Mestre, que foge um tanto da morfologia das outras, nas quais o simbolismo se espraia por todos os substantivos e adjetivos. Ela constitui um exemplo efetivo e afetivo de amor a Deus, sem o qual não existe Religião, e de amor ao próximo, sem o qual não há amor a Deus.
Quem diz amar a Deus, mas não ama seu próximo, além de mentir, desobedece à Lei divina e se esquece de seu Preciosíssimo Sangue derramado no Calvário.
Esse amor deve ser universal e não podemos nos apoiar em pretextos, aparentemente legítimos, para não praticá-lo, como o fizeram o sacerdote e o levita da parábola. Eles certamente estavam encarregados de missões boas e delas retornavam para suas casas, entretanto, procederam mal com o necessitado.

Não poucos autores aplicam a parábola ao próprio Jesus Cristo, com muita piedade. Não será de mau gosto fazermos uma aplicação a nós, perguntando-nos quais têm sido, em geral, nossas atitudes e reações face aos necessitados de qualquer espécie.
1) Apud São Tomás de Aquino, Catena Aurea.
2) Pe. Juan de Maldonado SJ, Comentários a los Cuatro Evangelios, BAC, Madrid, 1951, p. 545.
3) Apud São Tomás de Aquino, Catena Aurea.
4) Pe. Juan de Maldonado SJ, op. cit., p. 546.
5) Id., ibid.
6) Santo Ambrósio, op. cit. – id.
7) São Cirilo, op. cit. – ibid.
8) Pe. Juan de Maldonado SJ, op. cit., pág. 548.
9) Pe. Manuel de Tuya OP, Biblia Comentada, BAC, 1964, p. 839.

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