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terça-feira, 9 de julho de 2013

Evangelho 15º Domingo do Tempo Comum - Ano C - 2013 - Lc 10, 25-37

Continuação dos comentários ao Evangelho – XV Domingo do Tempo Comum - Lc 10, 25-37- Ano C - 2013   
Até os fariseus se preocupavam com a vida eterna... E hoje?
26 Jesus respondeu-lhe: “O que é que está escrito na Lei? Como lês tu?” 27 Ele respondeu: “Amarás o Senhor teu Deus com todo o teu coração, com toda a tua alma, com todas as tuas forças e com todo o teu entendimento, e o teu próximo como a ti mesmo.”
Em Marcos encontramos idêntica pergunta feita pelo moço rico, à qual Jesus responde com um elenco sintético das virtudes obrigatórias para todos (cf. 10, 17ss). No caso presente, o doutor da Lei não obtém d’Ele senão uma outra interrogação como resposta. O Divino Mestre lhe propicia a prática da virtude da humildade, remetendo-o ao primeiro Mandamento da Lei de Deus, fato desagradável para um teólogo de fama: o ter de retornar ao Catecismo. Esse procedimento de Jesus não poderia ser melhor, pois desse modo facilitava ao seu interlocutor um passo a mais na sua vida espiritual: o verse na contingência de repetir a frase que todo judeu recitava duas vezes ao dia: “Amarás o Senhor teu Deus com todo o teu coração, com toda a tua alma, com todas as tuas forças” (Dt 6, 5). E como não lhe ficaria bem dizer tão pouco, ele resolve acrescentar um complemento para, talvez, fazer assim notar diante dos outros sua erudição: “Amarás teu próximo como a ti mesmo” (Lv 15, 18). Com sabedoria comenta este versículo o famoso Maldonado: “Com admirável prudência, Cristo remete para a Lei aquele doutor que fingia ignorância e pretendia explorar sua doutrina. Costumava assim proceder quando Lhe faziam perguntas capciosas, para atenuar o efeito desagradável de sua resposta. Remetia, pois, para a Lei, e era esta que condenava quem dela se vangloriava” (2).
Se fôssemos nos deter na consideração de cada uma das palavras do Deuteronômio (6, 5) espaço não haveria. Basta-nos saber que o verbo empregado nas versões latinas, não é amare mas diligere. Este termo diz respeito ao amor sentido que resulta da soma da vontade espiritual e do sentimento.
Apesar do lamentável estado moral e espiritual do povo naquelas circunstâncias históricas, as pessoas se colocavam diante da problemática da salvação eterna: “... que devo fazer para possuir a vida eterna?” Muito diferentemente de nossos dias, pois quem hoje se preocupa com seu destino após a morte? Atualmente, o empenho por conservar não só a saúde, como também a beleza, uma bem sucedida situação financeira, etc., absorve todas as atenções; o nosso futuro após ultrapassarmos as barreiras do tempo é matéria de total desinteresse. Assim, os patrões não zelam pela formação espiritual de seus empregados; os pais, pela de seus filhos; os professores, pela de seus alunos; etc. Rompem com o gravíssimo dever imposto a eles por Deus de serem mestres junto a outros...
São Basílio, atendendo às aspirações dos fiéis de seu tempo, deixounos uma belíssima interpretação a respeito do amor a Deus: “Se alguém nos perguntar como se pode adquirir o amor divino, responderemos que não se aprende este amor. Não aprendemos de outrem a nos alegrarmos com a presença da luz, nem a amar a vida, nem a amar nossos pais ou nossos amigos; nem, muito menos, podemos aprender as regras do amor divino; mas há em nós um sentimento íntimo, o qual tem suas causas intrínsecas e nos predispõe a amar a Deus. E quem obedece a esse sentimento põe em prática a doutrina dos preceitos divinos e atinge a perfeição da divina graça. Amamos naturalmente o bem; amamos também nossos próximos e parentes; ademais, damos espontaneamente aos benfeitores todo o nosso afeto. Se, pois, o Senhor é bom, e todos desejam o bom, aquilo que se aperfeiçoa por nossa vontade reside naturalmente em nós. A Ele, embora não O conheçamos por sua bondade, no simples fato de que d’Ele procedemos, temos obrigação de amá-Lo sobre todas as coisas, como sendo o nosso princípio. É também maior benfeitor do que todos os que se amam naturalmente. Por conseguinte, o primeiro e principal mandamento é o de amar a Deus” (3).
Quem mais próximo do que Jesus?
28 Jesus disse-lhe: “Respondeste bem: faze isso e viverás.” 29 Mas ele, querendo justificar-se, disse a Jesus: “E quem é o meu próximo?”
O pobre doutor da Lei se via numa situação de inferioridade — muito útil, aliás, para a sua vida espiritual — e procurou justificar-se, pois nada pior do que o silêncio diante do público que o circundava. Qualquer bobagem cairia melhor. O próprio Pilatos, em circunstâncias análogas, também optou por perguntar : “O que é a verdade?”
Finge, pois, o doutor que não está perguntando uma coisa tão vulgar e conhecida de todos, mas sim um ponto difícil e discutido entre os mais insignes doutores (...). Por outro lado, Santo Ambrósio, Teofilato, Eutímio e (segundo São Tomás) São Cirilo opinam que ele propôs formalmente essa questão por pensar que próximos eram só os justos com respeito a ele, que se considerava justo” (4).
Em síntese, o seu desejo de demonstrar ter inteiro cabimento sua primeira pergunta o leva a enunciar esta outra que, nos dias atuais, com facilidade qualquer criança de Catecismo responderia. Entretanto, naquela quadra histórica constituía uma questão inextricável. As origens familiares, as classes sociais, o regionalismo, a nacionalidade, a raça, eram fatores de separações estanques. Não nos esqueçamos de mencionar a terrível discriminação da escravidão, consagrada em todas as legislações da época. Ora, o povo mais afetado por esse espírito de separatismo era o judeu. Basta correr os olhos pelo Talmud para comprovar os extremos a que chegou contra os goyim, ou seja, todos os nãojudeus. Muito comum era o juízo de que só os do povo eleito eram chamados à salvação eterna. Ademais, baseados no Levítico: “não guardarás rancor contra os filhos de teu povo” (Lv 19,18), não concebiam que a amizade pudesse transpor os limites da nacionalidade.
Porém, “daí não se segue que ele tenha feito a pergunta com sinceridade e desejo de aprender, porque, embora ignorando, estava convencido de que sabia” (5) e a tal ponto que a Escritura não deixava margem a dúvida de como tratar ao não-judeu: “Se algum estrangeiro habitar na vossa Há em nós um sentimento íntimo que terra, e morar entre vós, não o impropereis; mas esteja entre vós como um natural; e amai-o como a vós mesmos; porque também vós fostes estrangeiros na terra do Egito” (Lv 19, 33-34).
Por outro lado, vemos esse doutor numa situação paradoxal: “Naquele mesmo instante se encontrava um próximo extraordinariamente especial, ou seja, o próprio Deus! Por isso, ao fazer essa pergunta, deixa claro (...) que não conhecia seu próximo, porque não acreditava em Cristo, e quem não conhece Cristo desconhece a Lei; porque, ignorando a verdade, como pode conhecer a Lei que anuncia a verdade?” (6).
Talvez a isso o tivesse levado seu orgulho pouco ou nada combatido. “Elogiado pelo Salvador, por ter respondido bem, o doutor da Lei encheu-se de soberba, não acreditando existir alguém que pudesse ser seu próximo, como se não houvesse quem fosse capaz de equiparar-se a ele em justiça. Por isso diz: ‘Mas ele, querendo justificar-se, disse a Jesus: E quem é o meu próximo?’ Assediavam-no, por assim dizer, alternativamente, os vícios: após a falácia com que fizera a pergunta, tentando, cai na arrogância. Ao perguntar: ‘Quem é o meu próximo?’, já se mostra vazio do amor ao próximo e, em consequência, revela-se vazio do amor divino, pois, não amando o irmão a quem vê, não pode amar a Deus a quem não vê” (7).

Os escribas e fariseus — que alimentavam entre si, dia-a-dia, sua indignação contra os gentios, como até mesmo à própria plebe judaica — iriam ouvir do Mestre uma clara e irrefutável lição, cheia de calor, de como se deve tratar o próximo...

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