Comentário ao Evangelho – XV Domingo
do Tempo Comum - Lc 10, 25-37- Ano C - 2013
O Evangelho Lc 10, 25-37
Então, levantou-se um doutor da Lei, que Lhe disse para O
experimentar: “Mestre, que devo eu fazer para alcançar a vida eterna?” 26 Jesus
respondeu-lhe: “O que é que está escrito na Lei? Como lês tu?” 27 Ele
respondeu: “Amarás o Senhor teu Deus com todo o teu coração, com toda a tua
alma, com todas as tuas forças e com todo o teu entendimento, e o teu próximo
como a ti mesmo.” 28 Jesus disse-lhe: “Respondeste bem: faze isso e viverás.”
29 Mas ele, querendo justificar-se, disse a Jesus: “E quem é o meu próximo?”.
30 Jesus, retomando a palavra, disse: “Um homem descia de Jerusalém para
Jericó, e caiu nas mãos dos ladrões que o despojaram, o espancaram e
retiraram-se, deixando-o meio morto. 31 Ora aconteceu que descia pelo mesmo
caminho um sacerdote que, quando o viu, passou de largo. 32 Igualmente um
levita, chegando perto daquele lugar e vendo-o, passou adiante. 33 Um
samaritano, porém, que ia de viagem, chegou perto dele e, quando o viu,
encheu-se de compaixão. 34 Aproximou-se dele, ligou-lhe as feridas, deitando
nelas azeite e vinho; e, pondo-o sobre o seu jumento, levou-o a uma estalagem e
cuidou dele. 35 No dia seguinte tirou dois denários, deu-os ao estalajadeiro e
disse-lhe: “Cuida dele; quanto gastares a mais, eu to pagarei quando voltar. 36
Qual destes três te parece que foi o próximo daquele que caiu nas mãos dos
ladrões? 37 Ele respondeu: “O que usou de misericórdia com ele.” Então Jesus
disse-lhe: “Vai e faze tu o mesmo.” (Lc 10, 25-37)
Quem é o meu próximo?
A Lei mandava amar o
próximo como a si mesmo. Os judeus, porém, limitavam o conceito de próximo, de
forma a restringir essa importante obrigação. Jesus vem dar o verdadeiro
sentido à Lei.
O principal objeto do pensamento, ontem e hoje
“Falhou o motor do carro,
acabou a energia elétrica, os bancos entraram em greve, foi lançado um novo
tipo de software, afinal a ciência
encontrou a substância preventiva contra o câncer”... e, se tempo e espaço
houvesse, poderíamos encher páginas e páginas com os assuntos que no mundo
atual absorvem exageradamente a atenção da humanidade. Deus deixou de ser a
preocupação principal de quase todas as pessoas para dar lugar a um desenfreado
egocentrismo. A agitação passou a ser a nota tônica do dia-a-dia em toda a face
da terra, o relacionamento humano e a própria estrutura da vida social já não
mais facilitam a elevação do pensamento a Deus.
A esse respeito, a situação do
gênero humano era bem diversa na época da Jesus; apesar da grande decadência na
qual estava ele mergulhado, o empenho em conhecer idéias era mais notório. No
povo judeu, em concreto, a apetência por explicitações doutrinárias, sobretudo
quando estreitamente ligadas com a religião, era robusta e contagiante. Um
exemplo característico deste estado de espírito ocorre com o legista que, no
Evangelho de hoje, se levanta para fazer uma pergunta a Nosso Senhor. Por mais
que seu intento não fosse inteiramente isento de segundas intenções, o
questionamento exposto por ele deixa transparecer qual era o teor dos assuntos
tratados nas conversas comuns daquele período histórico.
Contexto do diálogo entre Jesus e o doutor da
Lei
Esse fato narrado por Lucas
deve ter-se passado por volta do mês de outubro do ano 29, portanto no último
da vida pública de Jesus, um pouco antes da festa dos Tabernáculos. Recém
terminara o treinamento dos setenta e dois discípulos pelas aldeias da Peréia,
região calma e um tanto recolhida, na qual não chegava a acontecer nada
semelhante às hostilidades características da Judéia. Jesus escolhera com
divina sabedoria a região onde eles deveriam realizar suas primeiras aventuras
apostólicas. Ademais, por ali, os Apóstolos e discípulos não tinham nenhum laço
de amizade ou de parentesco com os seus beneficiados, como na Galiléia,
tornando assim mais fácil sua ação. Provavelmente, os fatos do Evangelho de
hoje se verificaram em Jericó e se inserem na atmosfera de alegria reinante
entre todos, pelas excelentes novidades transmitidas por eles e comentadas pelo
Divino Mestre, pois “até os demônios se nos submetem em teu nome!” (Lc 10, 17).
Aqueles simples pescadores, que haviam abandonado o comércio de peixes para
lançar as redes no mar das almas, foram eleitos não para prever, nem somente
para comprovar, mas para serem os anfitriões de uma nova era.
É nesse quadro histórico que se
desdobra o diálogo contido no Evangelho de hoje.
Malévolas intenções dos doutores da lei e dos
fariseus
25 Então, levantou-se um doutor da Lei, que Lhe disse
para O experimentar: “Mestre, que devo eu fazer para alcançar a vida eterna?”
A pergunta feita pelo doutor da
Lei é praticamente a mesma relatada tanto por São Mateus (22, 35), como por São
Marcos (12, 28). Porém, ao lermos os três Evangelhos, damo-nos conta de serem
cenas diferentes. Esta de São Lucas (da Liturgia de hoje), como foi dito
anteriormente, deve ter-se passado em Jericó e, levando em conta o consagrado
costume durante as exposições e pregações realizadas nas sinagogas — ou seja,
todos os assistentes participavam sentados e, ao surgir uma pergunta, esta
deveria ser pronunciada de pé — tudo indica ter-se dado no interior desse
ambiente.
O anseio mal disfarçado desse
doutor da Lei de apanhar Jesus em algum lapso, transparece na essência e na
forma da pergunta. Se alcançasse êxito em seu intento, teria satisfeito seu
amor próprio. Provavelmente se tratava de um fariseu ainda não penetrado das
malévolas intenções daqueles que, mais tarde, procurariam pretexto para
matá-Lo. São Cirilo é categórico em afirmar que “certos charlatães percorriam
todo o território judaico lançando acusações contra Cristo e dizendo que Ele
qualificava de inútil a Lei de Moisés e ensinava doutrinas novas. Querendo,
pois, aquele doutor da Lei induzir Jesus a dizer algo contra a Lei de Moisés,
apresenta-se tentando-O, chamando-O de Mestre, não suportando ser ensinado. E
como costumava o Senhor falar da vida eterna a todos quantos vinham a Ele, o
doutor da Lei servia-se de suas próprias palavras; e como O tenta com astúcia,
não ouve outra coisa a não ser o que Moisés tinha ensinado. Por isso, Jesus respondeu-lhe:
‘O que é que está escrito na Lei? Como lês tu?’” (1). O objetivo desse doutor
da Lei era de pôr à prova os conhecimentos de Jesus e estabelecer com Ele uma
polêmica da qual, sendo doutor, sairia triunfante. Esta suposição se deduz da
segunda pergunta feita pelo mesmo personagem a Jesus. O fato de este encaminhar
a conversa para um ponto muito discutido entre os rabinos deixa claro esse seu
intuito.
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