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terça-feira, 24 de setembro de 2013

XXVI DOMINGO DO TEMPO COMUM - ANO C - 2013 - Lc 16, 19-31

CONTINUAÇÃO DOS COMENTÁRIOS AO EVANGELHO DO XXVI DOMINGO DO TEMPO COMUM  Lc 16, 19-31
O JUÍZO ETERNO
No entardecer de nossa vida, seremos julgados segundo o amor”, escreveu São João da Cruz.
A cena descrita em seguida é ainda mais dramática e passa-se logo após a morte de ambos.
Sobre o corpo de Lázaro, nenhuma notícia ou comentário. Certamente atirado numa vala comum, própria aos indigentes, sem qualquer cerimônia. Entretanto, enquanto a preocupação dos responsáveis era de se verem livres daquele desprezível cadáver, os Anjos conduziram sua alma ao Céu, pois, de acordo com a literatura rabínica, no Paraíso não se entrava senão pelo auxílio dos puros espíritos.
O rico também morre, pois nem o muito dinheiro nos livra desse fim. Mas sua alma há muito já deixara a vida espiritual, pois as ações próprias a esta, ele não as praticava. De fato, sua dureza de coração e falta de compaixão para com o mendigo, à porta de seu palácio, somadas à suma fruição dos bens terrenos, haviam destroçado qualquer laivo de amor a Deus. A respeito dele, Lucas afirma ter sido sepultado, mas não diz uma palavra sobre quem acompanhou o seu enterro e quais as pompas que o cercaram. Quantos aduladores devem ter rodeado o rico durante a vida, interessados nos seus bens, ou até mesmo para gozar do prestígio de sua amizade e, ao término de sua existência, nem sequer dele se lembraram... Como foi seu juízo particular? Qual a sentença proferida por Deus? Não se ocupa desses detalhes o Evangelho e simplesmente apresenta o rico entre os tormentos do inferno.
Ofensa infinita, castigo eterno
A Doutrina Católica nos ensina claramente que o pecado mortal constitui uma ofensa a Deus, irreparável e de suma gravidade. Quem morre na impenitência final, resistindo até o último momento, fixa-se no pecado mortal enquanto desordem permanente, merecendo um castigo também eterno1.
A gravidade da ofensa se mede sobretudo pela dignidade da pessoa ofendida. Uma agressiva bofetada desfechada por alguém a seu igual, merece uma penalidade muito menor do que uma outra, da mesma intensidade, desferida contra uma grande e representativa personalidade. O castigo sempre deverá ser aplicado em proporção com a categoria do ofendido. Ora, se a pessoa ultrajada é infinita, o castigo só poderá ser eterno; tanto mais que, para reparar o pecado, quis o Verbo de Deus encarnar-se e sofrer todos os tormentos da Paixão.
Mas, como se pode explicar que um pecado, cometido em apenas alguns minutos, mereça uma pena eterna? Segundo nos ensina São Tomás, a perpetuidade dos castigos infligidos por Deus aos condenados está proporcionada, não à duração do pecado atual, mas à sua gravidade. A Justiça humana também usa o mesmo critério, ao condenar à prisão perpétua alguns réus cujos crimes foram praticados em poucos minutos.
Assim se compreende o porquê de ter ido para o inferno aquele rico: morreu na impenitência final de sua grave avareza.
O inferno, consequência do pecado
Lucas nos fala dos “tormentos do inferno”. Sabemos pela Revelação o quanto são eles terríveis. Acima de todos os sofrimentos está a pena de dano: o fato de ter sido criado para participar da felicidade do próprio Deus e ver-se por Ele rejeitado, é o maior dos tormentos. Daí surgem duas reações no condenado: a primeira consiste em querer destruir a Deus para pôr fim às suas angústias; a segunda, em desejar sua própria aniquilação. Ora, como ambas são irrealizáveis, a conseqüência é o desespero eterno.
A esse incomensurável sofrimento se acrescenta o dos sentidos. A Revelação não deixa margem a dúvidas sobre a realidade do fogo do inferno2 e de sua natureza corpórea3. Queimando os corpos sem consumilos, quem o sustenta sempre aceso é o próprio Deus. Os cinco sentidos são atormentados de maneira especial em relação aos pecados correspondentes.
Na sua santidade de modelo sacerdotal, São João Maria Batista Vianney tece algumas piedosas considerações muito úteis para se compreender o porquê foi o rico parar no inferno: “Meus filhos, se vísseis um homem fazer uma grande fogueira, empilhar pedaços de lenha uns sobre os outros e, perguntando-lhe o que estava fazendo, ele vos respondesse: ‘Estou preparando o fogo que me deverá queimar’, que pensaríeis? E se vísseis esse mesmo homem aproximar-se da fogueira já acesa e atirar-se nela... que diríeis? Cometendo o pecado, é assim que fazemos. Não é Deus que nos lança no inferno, somos nós que nele nos lançamos pelos nossos pecados. O condenado dirá: ‘Perdi a Deus, minha alma e o Céu; foi por minha culpa, por minha máxima culpa!’... Elevar-se-á do braseiro para tornar a cair nele... Sentirá sempre a necessidade de se elevar, porque era criado para Deus, o maior, o mais alto de todos os seres, o Altíssimo ... como uma ave num aposento voa até o teto que detém os condenados.
“Adiamos a nossa conversão para a hora da morte; mas quem nos assegura que teremos o tempo e a força nesse momento terrível, receado por todos os Santos, quando o inferno se congrega para desferir-nos o último assalto, vendo que é o instante decisivo?
“Muitos há que perdem a fé, e só crêem no inferno, nele entrando. “Não, sem dúvida, se os pecadores pensassem na eternidade, nesse terrível ‘sempre!’ ... haveriam de se converter imediatamente...” 4.
Quantas e quantas vezes o rico não deve ter sentido, dentro de si, a voz da consciência recriminando-lhe o apego desregrado pelas roupas, pelos prazeres excessivos da mesa e, sobretudo, pelo dinheiro! Lázaro à sua porta era um dom de Deus, estimulando-o à prática da caridade e, ao mesmo tempo, à compreensão do vazio das criaturas. Mas ele preferiu os bens deste mundo a ponto de dar as costas a Deus. Daí entender-se melhor os versículos 22 a 26:
Morreu também o rico, e foi sepultado. Quando estava nos tormentos do inferno, levantando os olhos, viu ao longe Abraão e Lázaro no seu seio. Então exclamou: “Pai Abraão, compadece-te de mim, e manda Lázaro que molhe em água a ponta do seu dedo para refrescar a minha língua, pois sou atormentado nestas chamas”. Abraão disse-lhe: “Filho, lembra-te que recebeste os teus bens em vida, e Lázaro, ao contrário, recebeu males; agora é ele aqui consolado e tu és atormentado. Além disso, há entre nós e vós um grande abismo; de maneira que os que querem passar daqui para vós não podem, nem os daí podem passar para nós”.
Torna-se patente o empenho do Divino Mestre, tão bem transcrito por Lucas, em alertar os cristãos de todos os tempos para os castigos eternos, como conseqüência de uma vida transcorrida no pecado, e, em extremo oposto, a alegria com que será premiada a virtude após a morte.
 Por isso, o Magistério da Igreja sempre fez eco à voz de Jesus, como, por exemplo, nestas palavras de João Paulo II:
“Até mesmo no campo do pensamento e da vida eclesial, algumas tendências favorecem inevitavelmente o declínio do senso do pecado. Alguns, por exemplo, tendem a substituir posições exageradas do passado, por outros exageros; assim, da atitude de ver o pecado em toda parte, passa-se a não o vislumbrar em parte alguma; da demasiada acentuação do temor das penas eternas, à pregação dum amor de Deus que excluiria toda e qualquer pena merecida pelo pecado; da severidade no esforço para corrigir as consciências errôneas, a um pretenso respeito pela consciência, até suprimir o dever de dizer a verdade. (...)
“Diante do problema do embate de uma vontade rebelde com Deus infinitamente justo, não se pode deixar de nutrir sentimentos de salutar ‘temor e tremor’, como sugere São Paulo” 5.

Assim sendo, a Parábola de hoje tem grande importância para os dias atuais e por isso vale a pena conhecê-la em toda sua substância e profundidade.
Continua no próximo post

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