CONCLUSÃO DOS COMENTÁRIOS AO EVANGELHO DO 25º DOMINGO DO TEMPO COMUM - ANO A - Mt 20, 1-16a
A inveja, “cárie dos ossos”
Como vimos, Fillion
recrimina a inveja nascida no coração de alguns trabalhadores da vinha. Com
efeito, esta parábola traz um ensinamento a propósito da inconsistência,
ilogicidade e malícia da inveja.
No que consiste esse
vício? Na tristeza por causa do bem alheio. Tanquerey, no seu Compêndio de
Teologia Ascética e Mística, salienta que o despeito causado pela inveja é
acompanhado de uma constrição do coração, que diminui a sua atividade e produz
um sentimento de angústia. O invejoso sente o bem de outra pessoa “como se
fosse um golpe vibrado à sua superioridade”. Não é difícil perceber como esse
vício nasce da soberba, a qual, como explica o famoso teólogo .rei Royo Marín,
O.P., “é o apetite desordenado da excelência própria”. A inveja “é um dos
pecados mais vis e repugnantes que se possa cometer”, faz questão de sublinhar
o dominicano.
São Tomás destaca, na
Catena aurea, o fato de os trabalhadores da vinha não se queixarem por
considerar-se defraudados na recompensa à qual tinham direito, mas porque os
outros haviam recebido mais do que mereciam. Vemos por aí a insensatez do
invejoso, a ponto de sofrer mais com o sucesso dos outros do que com suas
perdas.
Da inveja nascem
diversos pecados, como o ódio, a intriga, a murmuração, a difamação, a calúnia
e o prazer nas adversidades do próximo. Ela está na raiz de muitas divisões e
crimes, até mesmo no seio das famílias (basta lembrar a história de José do
Egito). Diz a Escritura: “Por inveja do diabo, entrou a morte no mundo” (Sb 2,
24). Aqui está a raiz de todos os males de nossa terra de exílio. O primeiro
homicídio da História teve esse vício como causa: “... e o Senhor olhou com
agrado para Abel e para sua oblação, mas não olhou para Caim, nem para os seus
dons. Caim ficou extremamente irritado com isso, e o seu semblante tornou-se
abatido” (Gn 4, 4-5).
Na parábola em
questão, a inveja é o motivo da murmuração dos operários da primeira hora
contra o dono da vinha. Este mesmo afirmará: “Ou me olhas com inveja por eu ser
bom?” Pecado de conseqüências funestas, tornou amargurados muitos anjos, logo
no primeiro dia da criação, que por essa razão foram precipitados do alto dos
céus ao mais profundo dos infernos. Não suportaram a infinita superioridade de
Deus e, quiçá, a divindade de Jesus e a predestinação de sua Mãe à maternidade
divina.
Os Evangelhos
transbordam ao narrarem a perfídia dos escribas e fariseus contra o Messias.
Qual a causa desse ódio deicida? “Porque sabia que O tinham entregado por
inveja” (Mt 27, 18).
Com propriedade
afirma o livro dos Provérbios (14, 30): “Um
coração tranqüilo é a vida do corpo, enquanto a inveja é a cárie dos ossos”.
Esse vício comporta
graus. Quando tem por objeto bens terrenos (beleza, força, poder, riqueza,
etc.), terá gravidade maior ou menor, dependendo das circunstâncias. Mas se
disser respeito a dons e graças concedidas por Deus a um irmão, constituirá um dos
mais graves pecados contra o Espírito Santo: a inveja da graça fraterna.
“A inveja do proveito
espiritual do próximo é um dos pecados mais satânicos que se pode cometer,
porque com ele não só se tem inveja e tristeza do bem do irmão, mas também da
graça de Deus, que cresce no mundo”, comenta Frei Royo Marín.
Todas essas
considerações devem gravar-se a fundo em nossos corações, fazendo-nos fugir
desse vício como de uma peste mortal. Alegremo-nos com o bem de nossos irmãos,
e louvemos a Deus por sua liberalidade e bondade. Quem agir assim notará, em
pouco tempo, como o coração estará sossegado, a vida em paz, e a mente livre
para navegar por horizontes mais elevados e belos. Mais ainda: tornar-se-á ele
mesmo alvo do carinho e da predileção de nosso Pai Celeste.
De passagem,
parece-nos oportuno notar que essa regra se aplica não somente a cada católico,
mas também às numerosas famílias espirituais existentes na Igreja. Entre elas
deve reinar sempre e de modo crescente a atmosfera expressa pelo Apóstolo
nestas palavras: “A caridade é paciente, a caridade é bondosa. Não tem inveja.
A caridade não é orgulhosa. Não é arrogante. Nem escandalosa. Não busca os seus
próprios interesses, não se irrita, não guarda rancor. Não se alegra com a
injustiça, mas se rejubila com a verdade. Tudo desculpa, tudo crê, tudo espera,
tudo suporta” (1 Cor 13, 4-7).
Onde impera o amor a
Deus, desaparece a inveja.
A recompensa demasiadamente grande
Aqui nesta terra
estamos só de passagem. Nosso destino é a visão beatífica na eternidade: “In lumine tuo videbimus lumen” (Sl 35,
10) — “Na vossa luz veremos a luz”. Nossa inteligência participará do “lumen gloriae” (luz da glória) de Deus e
será através desta que O veremos, face a face. Ele será o mesmo para todos,
daí, na nossa parábola, ser “o salário o mesmo” para cada um dos “operários da
vinha”.
Mas um salário que
cumulará a todos de indizível felicidade, pois, como disse Deus: “Tua
recompensa será demasiadamente grande” (Gn 15, 1). Porém, a condição essencial
para todos lá chegarmos está fixada na verdadeira caridade, e jamais na inveja.
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