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terça-feira, 2 de junho de 2015

EVANGELHO DA SOLENIDADE DO SANTÍSSIMO CORPO E SANGUE DE CRISTO (CORPUS CHRISTI) - ANO B

CONCLUSÃO DOS COMENTÁRIOS AO EVANGELHO DA SOLENIDADE DO SANTÍSSIMO CORPO E SANGUE DE CRISTO (CORPUS CHRISTI) - Mc 14, 12-16.22-26
A tibieza dos Apóstolos
6 Os discípulos saíram e foram à cidade. Encontraram tudo como Jesus havia dito, e prepararam a Páscoa.
São Pedro e São João executaram com toda a presteza a missão que o Mestre lhes confiara. Além de providenciar o cordeiro sem defeito, de um ano — o qual se imolava no Templo, depois do meio-dia, com um rito apropriado à Páscoa —, prepararam também os outros alimentos prescritos pela Lei, tais como os pães ázimos e as ervas amargas, as quais representavam os sofrimentos do povo hebreu durante o cativeiro no Egito.6
Analisemos, nesta passagem, outro aspecto da atitude dos dois Apóstolos. Ao encontrar “tudo como Jesus havia dito”, ambos puderam comprovar quanto suas palavras eram densas de significado e sabedoria. Seria de se esperar que, impressionados por tal constatação — certamente acompanhada de graças especiais —, eles indagassem de Nosso Senhor a razão exata da escolha daquele lugar e o simbolismo do que iria acontecer ali. Nada no Evangelho, todavia, indica esta iniciativa da parte dos Apóstolos, por não estarem habituados a refletir sobre a transcendência do que o Divino Mestre lhes dizia, bem como de seus exemplos, atitudes e gestos. Quão diferente era a postura de Nossa Senhora que, dotada de ciência infusa, conferia todas essas coisas no seu coração (cf. Lc 2, 51)!
E nós? Quantas oportunidades nos são oferecidas para aprofundarmos nossos conhecimentos sobre a doutrina católica, penetrarmos em algum aspecto da Fé ou um ponto da moral, e não manifestamos interesse! Não será isto uma falta? Peçamos hoje perdão a Jesus, por intercessão de sua Mãe Santíssima, por nossas negligências nessa linha.
Por outro lado, qual era o estado de alma dos demais Apóstolos? No trecho do Evangelho selecionado para esta Solenidade omitem-se alguns versículos intermediários, os quais narram o início da Ceia e o momento em que o Salvador revelou aos Doze que um deles O trairia. A pergunta que então Lhe fizeram, um após o outro — “Porventura sou eu?” (Mc 14, 19) —, pode ser interpretada como um sintoma do estado de tibieza no qual se encontravam. As palavras de Jesus tocaram-lhes a alma a fundo, e cada um, cônscio de sua própria falta de fervor, se pôs o problema: “Não será um recado para mim?”. E também um indício desta situação espiritual o fato de não desconfiarem de Judas. Conviviam com ele, sabiam que “era ladrão e, tendo a bolsa, furtava o que nela lançavam” (Jo 12, 6), mas não suspeitaram que ele fosse capaz de infâmia maior.
Em tal atmosfera de entibiamento geral e, pior ainda, com a traição aninhada no coração de um dos Apóstolos, é que Nosso Senhor Jesus Cristo vai instituir o Sacramento do Amor.

A palavra de Jesus é criadora
22 Enquanto comiam, Jesus tomou o pão e, tendo pronunciado a bênção, partiu-o e entregou-lhes, dizendo: “Tomai, isto é o meu Corpo”. 23 Em seguida, tomou o cálice, deu graças, entregou-lhes e todos beberam dele. 24 Jesus lhes disse: “Isto é o meu Sangue, o Sangue da Aliança, que é derramado em favor de muitos. 25 Em verdade vos digo, não beberei mais do fruto da videira, até o dia em que beberei o vinho novo no Reino de Deus”.
As palavras destes versículos — as quais são repetidas quase sem variações pelos outros sinópticos e por São Paulo (cf. Mt 26, 26-29; Le 22, 17-20; I Cor 11, 23-25) — constituem o fundamento de nossa fé na Eucaristia.
Tudo o que é revelado por Deus é mistério da Fé, mas a Eucaristia o é por excelência. Quando o sacerdote profere a fórmula da Consagração, temos de acreditar que o pão e o vinho que vemos, provamos, cheiramos e até tocamos com a língua, e cuja aparência não mudou em nada, passaram a ser Corpo, Sangue, Alma e Divindade de Nosso Senhor Jesus Cristo. Os sentidos nos enganam — e não só em assuntos de fé! —, pois eles percebem apenas os acidentes e não captam a substância. Mas, graças à fé que ilumina a inteligência, sabemos que ali está Jesus Sacramentado.
Qual é a razão que nos leva a aceitar esta verdade? A afirmação de Nosso Senhor: “Isto é o meu Corpo... Este é o cálice do meu Sangue...”. Porque a palavra d’Ele é divina; logo, é criadora, é lei, é “viva, eficaz” (Hb 4, 12), produz aquilo que significa e “permanece eternamente” (Is 40, 8). Ao cego que Lhe suplicou a cura, bastou-Lhe responder “Vai, a tua fé te salvou” (Mc 10, 52), e o homem recuperou a visão naquele instante. E quando Ele ordenou ao morto de quatro dias, ao “Lázaro, vem para fora!” (Jo 11, 43), este retornou à vida ipso facto. Do mesmo, se Ele, “Filho todo-poderoso de Deus, capaz das maiores e mais incompreensíveis maravilhas, me diz, ao me mostrar o pão, ‘Isto é o meu Corpo’, estou obrigado a tomar suas palavras ao pé da letra”.7
O Doutor Angélico aponta vários motivos para explicar a conveniência de ocultar-Se à nossa sensibilidade a substância do Corpo e Sangue de Cristo. Entre outros, assim o estabeleceu a Providência Divina porque se víssemos Nosso Senhor claramente na Hóstia, não teríamos coragem de comungar.8 Ele foi muito bondoso conosco, cobrindo-Se com o véu das Sagradas Espécies.
A alegria de Deus em dar-Se
26 Depois de terem cantado o hino, foram para o Monte das Oliveiras.
Belíssimo é este versículo final, tanto pelo episódio que narra quanto por seu profundo simbolismo. Antes de partirem para o Monte das Oliveiras, onde se iniciaria o drama da Paixão, Jesus cantou junto com os Apóstolos um lindo hino de ação de graças intitulado Hallel, próprio da liturgia hebraica para a celebração da Páscoa. Como seria magnífica a voz de Nosso Senhor Jesus Cristo entoando este cântico, com o qual manifestava sua alegria por haver instituído a Eucaristia e pelo fato de Nossa Senhora e Ele mesmo terem comungado!
Esta passagem que, de si, nos levaria a vastas considerações — ressalta o infinito desejo de dar-Se que há no seio da Santíssima Trindade. Deus, imutável e eterno, não necessitava da criação. Este foi um supremo ato de liberalidade, de entrega e de generosidade, cujo ápice é a Eucaristia, pois criar para comunicar sua felicidade aos seres inteligentes e Se colocar sempre à disposição deles, já é muito; mas criar para, em certo momento, o Verbo encarnar-Se e, sendo Deus, oferecer-Se aos homens como alimento, é inimaginável! Nem sequer os Anjos poderiam cogitar algo tão ousado!
O dever da reciprocidade
Vemos nesta ousadia o quanto Deus ama a cada um de nós. Ele promoveu a ordem do universo com vistas à Eucaristia, porque quer unir-nos a Ele de uma forma extraordinária e tornar-Se nosso escravo. Sim, pois quando o sacerdote pronuncia a fórmula da Consagração, Ele obedece à sua voz, opera a transubstanciação e renova-se de forma incruenta o Sacrifício do Calvário. A Eucaristia é, portanto, símbolo da escravidão de Deus a nós, mas, sobretudo, da nossa escravidão a Ele, pois se Ele assim Se entrega a nós, também é preciso nos entregarmos a Ele sem reservas!
É a esta inteira confiança e reciprocidade em relação a Jesus Eucarístico que a Solenidade de Corpus nos convida. Afastemos de nosso horizonte o egoísmo, o pragmatismo, os interesses pessoais e contemplemos, cheios de alegria e entusiasmo, esta doação de Deus a nós e, ademais, a possibilidade que Ele nos concede de Lhe retribuirmos com semelhante amor, guardadas as devidas proporções entre Criador e criatura. Tal há de ser nosso empenho!
III - A Eucaristia, Maria e nós
Expressão ímpar da benignidade de Nosso Senhor Jesus Cristo na Eucaristia é o fato de podermos adorá-Lo exposto no ostensório. Se o Sol traz vantagens para nossa saúde física, muito maior é o benefício que o Criador do Sol prodigaliza à nossa saúde espiritual quando estamos diante de Jesus-Hóstia!
Nossa consciência diante da Eucaristia
No entanto, como nem sempre nossas disposições correspondem ao que Ele espera de nós, é oportuno nos determos num exame de consciência. No meu dia a dia, como é minha devoção à Eucaristia? Tenho o hábito de nela centrar minha atenção, atividades e preocupações? Ao passar diante do Santíssimo Sacramento numa igreja, procuro adorá-Lo com fervor? Ou me deixo levar pela rotina? Comungo na Santa Missa, persuadido de que Nosso Senhor Jesus Cristo sai do cibório contente por unir-Se a mim e, ao penetrar em meu ser, me santifica a alma e o corpo? Após a Comunhão, minha ação de graças tem a adequada solidez e fervor? Eu Lhe agradeço por me ter feito seu tabernáculo, estabelecendo comigo um relacionamento que jamais terá com um sacrário material, por mais precioso que este seja, e por ter entrado em consonância comigo, purificando minhas intenções, me dado forças sobrenaturais e robustecendo-me as virtudes e os dons do Espírito Santo?
Devo me lembrar de que entre os que receberam a Eucaristia na Santa Ceia estava o traidor de Jesus. ..
Será que, como ele, alguma vez tive a infelicidade de comungar sacrilegamente, isto é, tendo cometido uma falta grave que me havia despojado da graça de Deus? Suplicarei a Nosso Senhor, com energia, que isto nunca me venha a suceder!
Com seu Sagrado Coração transbordante de afeto, mas também de justiça, Jesus cobra de cada um de nós no dia de hoje: “O que tens feito deste benefício extraordinário, o maior tesouro que te deixei?”. E de seus lábios ouvirei a recriminação pelas vezes em que O recebi com tibieza; ou às pressas, tomado por distrações voluntárias; ou em meio a uma culposa insensibilidade; ou ainda maculado pelo pecado, caso tenha incorrido nesta desgraça...
O mais excelso tabernáculo
É possível que, chegando a este ponto da leitura, sintamos  a consciência nos acusar. Voltemo-nos então a Nossa Senhora, em cujo claustro virginal — o mais perfeito dos tabernáculos — o Menino Jesus viveu ao longo de nove meses.
Não é difícil imaginar a impostação de espírito d’Ela durante este período de gestação. Por mais que estivesse ocupada com seus afazeres diários ou conversando com outras pessoas, todo o seu ser se concentrava no Divino Hóspede que Ela trazia em Si. Eis o verdadeiro recolhimento! Todos os pensamentos, sentimentos e emoções d’Ela convergiam para Nosso Senhor Jesus Cristo, e, fortemente apaixonada por Ele, adorava-O enquanto Deus e amava-O enquanto Filho seu. Foi Ela a única Mãe que pôde amar seu Filho com total intensidade, sem o menor receio de amá-Lo mais do que a Deus.., porque era o próprio Deus! Abismada em sua humildade e no completo esquecimento de Si mesma, considerava-Se como “Aquela que não é”, e reverenciava continuamente “Aquele que é”, em seu seio puríssimo. Magnífico espetáculo de despretensão e excelsitude inconcebíveis! Um coração materno feito de magnanimidade, do qual sobem e descem movimentos grandiosos, semelhantes às ondas do mar ou ao som de melodias celestiais... Ora se eleva num arrebatamento pelo Infinito, ora se debruça cheio de ternura sobre o pequenino Infante.
Também eu, quando comungo, acolho em meu interior o Verbo Encarnado com seu Corpo, Sangue, Alma e Divindade, e Ele ali permanece, como num trono, durante certo tempo. Com os olhos fixos no exemplo marial de compenetração, enlevo e gratidão a Deus, baterei no peito implorando perdão a Jesus por todas as minhas Comunhões gélidas e, dirigindo-me à Santíssima Virgem, Lhe pedirei: “O Maria, Vós, que confundíeis o vosso pensamento com o de Nosso Senhor Jesus Cristo; Vós, que consonáveis vossa vida com a d’Ele; o que pensais, ó Mãe, de minha indiferença para com Aquele que, sendo meu Criador e Redentor, Vós me destes por Irmão? O minha Mãe, Vós que tanto amais a Jesus, fazei com que eu O ame! Vós, que tudo podeis junto a Nosso Senhor, obtende-me que Ele Se apodere de meu coração. Amá-Lo é tudo! Adorá-Lo é tudo! Se eu O amar como devo, a vosso exemplo, a Eucaristia será o centro da minha existência, o lugar sagrado de minha felicidade, a fonte de minha generosidade. O minha Mãe, seja esta a vossa obra em minha alma!”.
1) Cf. SÃO TOMÁS DE AQUINO. De Sacramento Eucharistiæ. C.I.
2) MONSABRÉ, OP, Jacques-Marie-Louis. Le Mystère Eucharistique. In: Exposition du Dogme Catholique. Grâce de Jésus-Christ. II - Eucharistie. Carême 1884. 9.ed. Paris: P. Lethielleux, 1905, v.XII, p.5.
3) SÃO TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica. III, q.65, a.3.
4) SAO BEDA. In Marci Evangelium Expositio. L.IV, cl4: ML 92,270:
5) FILLION, Louis-Claude. Vida de Nuestro Señor Jesucristo. Pasión, Muerte y Resurrección. Madrid: Rialp, 2000, v.111, p.100.
6) Cf. Idem, p.102.
7)MONSABRÉ, op. cit., p.21.
8) Cf. SÃO TOMAS DE AQUINO. Suma Teológica. III, q.75, a.5.

9) Cf. Idem, q.81, a.2.

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