Comentários ao Evangelho X Domingo do Tempo Comum - Ano C

O impacto das iniciativas do Redentor
Para fazer milagres, Jesus exigia uma
prova de fé do favorecido. Mas, às vezes, era Ele que se adiantava a qualquer
pedido e distribuía seus divinos benefícios. Esse modo de agir encerra em si um
profundo significado.
I
- O choque das grandes conversões
Na História da Igreja é frequente encontrarmos situações nas quais um
apóstolo, inspirado por Deus, deseja a conversão de alguma alma afastada
da Religião. Entretanto, muitas vezes seu ardor se vê coarctado pela negativa
de quem é objeto de seu zelo. Todos os esforços se revelam inúteis, pois a
argumentação não logra dobrar uma vontade obstinada.
Afonso Ratisbonne, por exemplo, era um israelita de raça e religião,
profundamente enraizado em suas tradições. Seu amigo, o Barão
de Bussières, movido por uma moção interior da graça, usou dos mais
convincentes recursos da apologética para tentar convertê-lo à Igreja Católica,
sem obter sucesso. Aferrado às próprias convicções e mais preocupado em gozar
das delícias da vida que o futuro lhe oferecia, Afonso aceitou apenas levar ao
pescoço uma medalha de Nossa Senhora das Graças, com a promessa, a contragosto,
de recitar todos os dias o Memorare - o "Lembrai-Vos", a conhecida
oração de São Bernardo. "Eu não podia me dar conta" - narraria mais
tarde o Barão de Bussières - "da força interior que me impelia, a
qual, a despeito de todos os obstáculos e da obstinada indiferença oposta por
ele a meus esforços, dava-me uma convicção íntima, inexplicável de que,
cedo ou tarde, Deus lhe abriria os olhos".1
Alguns dias depois, ambos entraram na igreja de Sant'Andrea delle
Fratte, em Roma. O Barão dirigiu-se à sacristia, para tratar de um assunto,
enquanto o jovem Afonso permaneceu só na igreja, analisando as obras de arte
ali existentes. De repente, em um altar lateral, apareceu-lhe a Santíssima
Virgem, tal como na medalha, e sem nada dizer operou instantaneamente sua conversão
radical: "Ela não me falou, mas eu compreendi tudo!", 2 exclamava
ele, depois, com verdadeiros arroubos de entusiasmo. Com efeito, a fé
católica fora-lhe implantada no coração de modo inexplicável; o jovem israelita
passou a falar dos mistérios e dos dogmas da Religião como se os conhecesse e
os amasse desde sempre. Bastara apenas um olhar de Maria para transformar sua
alma!
A
ação da graça eficaz
Não nos iludamos, portanto, ao constatar a conversão de uma alma,
julgando que ela se deveu à argumentação racional feita por quem
se propunha atraí-la, ou a uma exposição teológica que, entremeada de
exemplos adequados e desenvolvidos de forma brilhante, arrebatou
o ouvinte, levando-o a uma mudança de vida. Se a iniciativa de conceder
uma graça eficaz - isto é, aquela que produz seu efeito sempre, de modo
infalível - não partir de Deus, podem ser empregados todos os recursos da
inteligência humana, as demonstrações mais convincentes ou os silogismos
mais irrefutáveis, que não se logrará mover a alma nem um passo sequer na
direção do bem. O eminente teólogo dominicano, padre Antonio Royo Marín,
explica que, "sem a graça atual ou auxílio sobrenatural de Deus, a alma em
graça e, ainda com maior razão, o pobre pecador, não podem fazer absolutamente nada
na ordem sobrenatural. O pecador não pode arrepender-se de maneira suficiente
para recuperar a graça se Deus não lhe concede previamente a graça atual do
arrependimento".3
De fato, a ação de Deus sobre as almas é muito variada. Não depende ela
da lucidez, da lógica ou da capacidade oratória do apóstolo, não depende dos
méritos deste, nem de quem a recebe, não depende sequer, como condição
absoluta, das orações que outros façam intercedendo por elas, embora a prece em
favor do próximo possua grande audiência diante de Deus. A conversão,
portanto, obedece a uma iniciativa de Deus, conforme ensina São Tomás:
"Que o homem se converta a Deus não pode ocorrer senão sob o impulso do
próprio Deus que o converte. [...] A conversão do homem a Deus é, certamente, obra
do livre-arbítrio. Por isso, precisamente, manda-lhe que se converta. Mas
o livre-arbítrio não pode voltar-se a Deus, se o próprio Deus não o converte a
si".4
Tal impulso divino, que com frequência incide "não só [sobre os]
que carecem totalmente de bons méritos, como também [sobre aqueles cujos]
méritos maus vão adiante",5 é-nos ilustrado de forma cogente no Evangelho
proposto na Liturgia do 10º Domingo do Tempo Comum.
II
- A compassiva iniciativa de Nosso Senhor
"Naquele tempo, 11 Jesus dirigiu-Se a uma cidade chamada Naim. Com
ele iam seus discípulos e uma grande multidão".
Naim era uma pequena cidade da Galileia, situada sobre uma elevação, na
encosta do Pequeno Hermon, a doze quilômetros de distância de Nazaré e a 38
quilômetros de Cafarnaum. Seu nome - que significa "a graciosa" -
provinha do belo panorama descortinado à sua frente, compreendendo a fértil
planície de Esdrelon, as montanhas de Nazaré e o imponente monte Tabor. Como a
maioria das cidades da Palestina naquela época, possuía muralhas de defesa para
evitar saques e invasões. O acesso ao casario se fazia por uma estrada
ascensional que conduzia até a porta da cidade, provavelmente estreita,
dificultando a entrada e a saída, em caso de se formarem grandes aglomerações
de pessoas.6
O
providencial encontro de duas multidões
12 "Quando chegou à porta da cidade, eis que levavam um defunto,
filho único; e sua mãe era viúva. Grande multidão da cidade a
acompanhava".
Diante desse quadro, podemos imaginar o impacto causado pela chegada de
Nosso Senhor, que subia à cidade seguido de uma grande multidão, ao
encontrar-Se com outra comitiva numerosa, constituída pelos habitantes, que
descia pela estrada levando para enterrar o filho único de uma viúva.7 Segundo
a praxe judaica, quem cruzasse com um cortejo fúnebre deveria parar e
acompanhá-lo.8 Jesus, amante e cumpridor das leis, deteve-Se diante do defunto
e, devido à estreiteza do caminho, quiçá tenha até mesmo se colocado de lado
para permitir a passagem do féretro.
Naqueles tempos, a morte de um filho único constituía para uma viúva a
desaparição de seu esteio. A partir desse momento, ela e suas possíveis
propriedades ficavam à mercê da rapina geral - abuso denunciado por Jesus mais
adiante, em sua censura aos escribas (cf. Lc 20, 47; Mc 12, 40). Com efeito,
não faltava quem se regozijasse em tais circunstâncias, porque das viúvas
podiam arrancar tudo quanto elas possuíam, sem oposição de ninguém, como aponta
São João Crisóstomo: "E o pior era que não enchiam seus ventres dos bens
dos ricos, mas da miséria das viúvas, agravando uma pobreza que deveriam
socorrer".9 Situação semelhante nos é apontada pelo próprio Cristo na
parábola do juiz iníquo (cf. Lc 18, 1-8), revelando esse crime que não era
estranho aos ouvidos do tempo.
Nosso
Senhor toma a iniciativa sem prévio pedido
13 "Ao vê-la, o Senhor sentiu compaixão para com ela e lhe disse:
‘Não chore!'".
Na maior parte dos milagres realizados pelo Divino Mestre - como, por
exemplo, o do servo do centurião, contemplado na Liturgia do domingo anterior
-, a iniciativa partia do necessitado que, cheio de fé, pedia auxílio, sendo
atendido por Nosso Senhor.
Neste caso, pelo contrário, algo diferente aconteceu: o próprio Jesus
toma a iniciativa. Ele, enquanto Deus, considerara aquela família desde toda a
eternidade e, através do conhecimento de sua alma humana na visão beatífica,
conhecia-a também perfeitamente, bem como a difícil conjuntura em que se
encontrava. Contudo, seus olhos materiais e sua ciência experimental só nesse
momento a constataram.
A cena de uma mãe desolada, atingida pela perda de quem era seu apoio e
sustento, ficando sozinha no mundo, era por demais comovedora. "Sobre aquela
cabeça querida, ela havia reunido todos os afetos e todas as esperanças de seu
coração. Ela o educava como uma viúva sabe educar um filho único. Podemos
afirmar: sua alma e sua vida gravitavam em torno dessa existência. E eis que,
de repente, se rompe o fio ao qual estava suspensa a única felicidade que ela
podia experimentar sobre a Terra. Eis que a morte arranca aos abraços
desesperados de sua mãe o menino amadurecido, no momento em que ele aparecia
como uma força e como uma proteção".10
Por isso, tomou-Se Jesus de dor e compaixão para com a pobre senhora e,
dirigindo-Se primeiramente a ela, disse-lhe: "Não chore". Sem dúvida,
tais palavras devem ter tranquilizado o espírito aflito dela, pois o Divino
Mestre as fez acompanhar de especiais graças de consolação. A esse propósito,
comenta Maldonado: "Devemos crer que Cristo disse essa palavra de consolo
de maneira muito diferente do que haviam feito as outras pessoas. Pois não há
dúvida de que palavras iguais ou semelhantes lhe diriam todos. Quem há que não
diga ‘Não chore' ao que se lamenta? Mas os outros o diriam de modo humano e com
razões humanas. [...] Cristo, pelo contrário, consola-a de maneira que, ou com
outras palavras omitidas pelo Evangelista, ou com o tom de voz com o qual disse
estas mesmas palavras, deixa-lhe entrever, de alguma forma, a esperança de
que seu filho ressuscitaria". 11 Essa primeira atitude de Nosso Senhor
já deve ter causado assombro nos circunstantes, pois manifestava uma
compaixão como ninguém tinha na época.
Contrariando
a Lei de Moisés
14a "Aproximou-Se, tocou o caixão, e os que o carregavam
pararam".
A seguir, Ele tocou no esquife. Os que estavam conduzindo o defunto
pararam surpresos, percebendo que algo de inusitado ia acontecer, uma vez que
só a eles era permitido esse gesto, pois "reputava-se imundícia nos homens
tudo quanto estava corrompido ou exposto à corrupção. E como a morte é
corrupção, o cadáver era considerado como imundo". 12 A Lei
preceituava expressamente certas abluções e purificações para todo aquele que
tivesse contato com um morto (cf. Nm 9, 6-7; 19, 11-13). Tanto mais que,
segundo o costume, o caixão não era fechado, e o corpo, já embalsamado e
envolto em um lençol, era transladado sobre uma maca, à vista de todos, tendo a
cabeça coberta por um sudário, que de vez em quando levantavam para ver o
rosto. 13 Assim, pôr a mão sobre o féretro significava fazê-lo quase no
cadáver. No entanto, Nosso Senhor - e este é um ponto fundamental - não teve
repugnância nem receio algum de tocá-lo.
Um
milagre que superava todos os anteriores
14b "Então, Jesus disse: ‘Jovem, eu te ordeno, levanta-te!'".
Ora, o Mestre iniciara sua pregação havia já certo tempo, operara
milagres, impressionando as multidões, e sua fama se havia propagado por
toda a região (cf. Lc 4, 37; 5, 15). Agora, porém, Ele vai fazer um prodígio
que superará em majestade e poder todos os outros antes realizados. Bastaria um
simples ato de sua vontade divina para fazer a alma do jovem retornar ao corpo.
Todavia, a fim de não haver dúvida de que era Ele mesmo o Autor daquela
ressurreição, com voz imperiosa, deu ao morto a ordem de se levantar. "Eu
te ordeno" era uma fórmula que nunca havia sido usada por nenhum
taumaturgo da História, nem por Elias, a quem a primeira leitura deste domingo
contempla ressuscitando o filho da viúva de Sarepta só depois de grandes
súplicas e um prolongado cerimonial (cf. I Rs 17, 17-22); nem mesmo por
Eliseu, ao devolver à sunamita o filho que havia perdido (cf. II Rs 4,
32-35); nem sequer por Moisés ou Josué, ao abrir as águas do Mar Vermelho
ou do rio Jordão (cf. Ex 14, 21; Js 3, 15-17). O "Eu te ordeno",
só Deus, dominador absoluto de toda a criação, Senhor da vida e da morte,
podia dizer. "Mostra Cristo com essas palavras que o ressuscita por
sua própria autoridade e mandato, e não com poder alheio. Fala ao que estava
morto, porque é Deus, cuja voz só pode se fazer ouvir pelos próprios
mortos".14 Isto era suficiente para que todos os presentes cressem
em sua divindade.
Um
gesto de divina delicadeza
15 "O que estava morto sentou-se e começou a falar. E Jesus o
entregou à sua mãe".
O Evangelista não narra as circunstâncias da morte do jovem, nem o
momento em que esta se dera; contudo, podemos afirmar com certeza que
tanto a multidão de Naim como também os que acompanhavam Nosso Senhor, haviam
constatado o falecimento, dada a imobilidade e a rigidez do corpo. Subitamente,
o cadáver toma vida, senta-se na maca em que estava sendo transportado e começa
a falar. Imaginemos o impacto de tal cena e o "estremecimento de
espanto [que] invadiu o ânimo de todos ante aquela manifestação da divindade de
Cristo".15
Uma vez feito o milagre, Jesus bem poderia retirar-Se, mas, num gesto de
divina delicadeza, entregou o ressuscitado à mãe, como se lhe dissesse com
acento cheio de bondade: "Não te disse para não chorares? Aqui está o teu
filho". Podemos conceber a alegria da mãe: sem dúvida, a tristeza de ter
assistido à morte do filho e de vê-lo rumar para o túmulo foi largamente
superada pelo gozo experimentado naquele instante. Nem mesmo a felicidade do
dia em que recebera o menino nos braços, depois de nascer, se igualou à desse
momento, no qual o filho lhe era restituído pelas mãos do próprio Deus.
Imaginemos, também, o júbilo do jovem, depois de ter atravessado os
umbrais da morte, ressuscitando com mais vigor do que tivera durante toda a sua
existência anterior, pois, embora o Evangelho nada afirme a tal respeito, é
preciso frisar, com convicção, que a saúde dada por Nosso Senhor a ele não pode
ter sido igual à que sua mãe lhe transmitira ao concebê-lo, devido à
diferença infinita entre o poder da mãe e o de Jesus Cristo, Homem e Deus
verdadeiro. A partir daquele instante, então, o jovem teve maior vitalidade,
pôde trabalhar com redobrada energia e deu à sua mãe um conforto
extraordinário. Sem dúvida, terá assistido entre lágrimas à morte dela,
pensando em quem, anos antes, o ressuscitara.
O
efeito causado na multidão
16 "Todos ficaram com muito medo e glorificavam a Deus, dizendo:
‘Um grande profeta apareceu entre nós e Deus veio visitar o seu
povo'".
Diante de tamanho prodígio, a estupefação e o medo tomaram conta de
todos. Haviam constatado no Mestre a presença de uma virtude absoluta e
totalmente sobre-humana, prova irrefutável de que Ele era profeta. Com efeito,
era costume o profeta demonstrar, por meio de algum sinal, a autenticidade de
sua missão (cf. I Sm 2, 34; II Rs 19, 29; 20, 8-9; Ez 24, 24). Nosso
Senhor, nesse caso, não recebeu o título de profeta, mas o de grande Profeta,
pois, como vimos, revelou ter poder sobre a vida e a morte. "Essa
estupefação respeitosa" - comenta Lagrange - "não é senão o prelúdio
dos louvores dados a Deus. As multidões chamam profeta a Jesus, e não filho de
Deus, como os demônios (cf. Lc 4, 41), já que estes têm as vistas sobre o
mundo invisível, enquanto os homens procuram analogias no passado, em que
alguns profetas haviam ressuscitado mortos. Nenhum deles, entretanto, o fizera
com uma palavra; por isso consideram Jesus como um grande profeta, o esperado
para o tempo da salvação".16 Ora, a função fundamental do profeta não é a
de prever o futuro, mas sim a de ser guia do povo e apontar-lhe o rumo de sua
trajetória. Portanto, nesse episódio da vida pública do Homem-Deus, vemo-Lo
manifestar-Se enquanto caminho e vida, como mais tarde Ele mesmo afirmará:
"Eu sou o caminho, a verdade e a vida" (Jo 14, 6).
Por
que sentiram medo?
Foram também dominados pelo medo os que ali estavam ao tomar contato com
o sobrenatural e concluir que, de fato, Deus visitara o seu povo. Porque,
embora sabendo da existência de Deus pela Revelação, muitos viviam submergidos
no ateísmo prático, tendo-O inteiramente ausente de suas cogitações e
obras. Eram capazes de falar d'Ele, no entanto moldavam a vida como se n'Ele
não acreditassem. Naquele momento, porém, sentindo sua proximidade, é
muito provável que a consciência se tenha despertado no interior de cada um,
apontando as próprias misérias e censurando as faltas cometidas no
passado.
Aqui podemos nos perguntar: e nós, em nossa vida concreta, cremos em
Deus? Ou adotamos uma forma de vida materialista, pela qual acreditamos apenas
teoricamente e, na prática, vivemos como se Ele não existisse?
Uma
projeção fulgurante da figura de Nosso Senhor
17 "E a notícia do fato espalhou-se pela Judeia inteira e por toda
a redondeza".
Naqueles remotos tempos, não havendo os meios de comunicação atuais -
rádio, telefone, televisão, internet e nem sequer jornal -, a transmissão das
notícias era feita oralmente. As novidades se espalhavam de maneira mais
natural e mais autêntica, ao contrário de nossos dias em que, devido à
velocidade dos novos inventos, vão perdendo elas, pouco a pouco, a penetração
nas mentes, tal o excesso de informação. Dessa forma, o relato desse
extraordinário milagre se espalhou por toda a Judeia, e é bem provável que por
toda a Palestina, ultrapassando até os limites da região. O nome do grande
Taumaturgo da Galileia adquiria, assim, uma fama crescente. 17
III
- O significado místico do milagre
O episódio da ressurreição do filho da viúva de Naim encerra um profundo
significado místico. Depois da queda do homem, no Paraíso, o pecado
transmitiu-se, de pai para filho, a toda a sua posteridade. Manchada pela culpa
original, a humanidade jazia como morta, merecedora da eterna condenação,
tendo as portas do Céu fechadas diante de si. Para os descendentes de Adão e
Eva, a justificação apenas podia ser alcançada por meio da fé (cf. Rm 4, 9; Hb
11, 7); e, todavia, se viessem a cair em alguma falta grave, perdendo a graça
por humana fraqueza, só lhes seria possível restaurá-la através de grandes e
prolongadas penitências. Ainda assim, nada, nem mesmo a prática da Lei, lhes
dava a garantia da reconciliação com Deus e da recuperação da vida
sobrenatural. Com efeito, São Paulo, em sua carta aos Gálatas, escreve:
"Pela prática da Lei, nenhum homem será justificado" (Gal 2,
16). E o Doutor Angélico nos explica que "o fim da lei antiga era também a
justificação dos homens. A qual, certamente, a Lei antiga não podia fazer,
mas figurava com alguns atos cerimoniais, e prometia por palavras".18
Como, pois, ressuscitar alguém espiritualmente, após haver transposto os
umbrais da morte do pecado grave? Era isso impossível se não houvesse um
Redentor.
Nosso Senhor Jesus Cristo, Segunda Pessoa da Santíssima Trindade,
compadeceu-Se dos que permaneciam envoltos nas trevas e na sombra da morte (cf.
Lc 1, 79) e tomou a iniciativa de encarnar-Se, sofrer a Paixão e a morte de
Cruz, para triunfar na Ressurreição, a fim de ressuscitar o corpo inerte da
humanidade pecadora. Ele, o Verbo Eterno, traz a vida da graça, que é infundida
nos corações dos fiéis, como Ele mesmo dirá: "Eu vim para que vós tenhais
vida e a tenhais em abundância" (Jo 10, 10). Ao assumir a natureza humana
e tornar-Se nosso irmão, Jesus coloca os homens em uma condição superior à de
nossos primeiros pais, pois no Paraíso, antes do pecado, não tinham eles o
Salvador, que nos proporciona caudais de graças atuais, deixa-Se ficar entre
nós como alimento e nos lega o precioso dom dos Sacramentos, para manter a vida
sobrenatural por Ele instaurada. "O
felix culpa, quæ talem ac tantum meruit habere Redemptorem!19 - Ó feliz
culpa, que nos fez merecer um tão grande Redentor!".
Nosso
Senhor toma a iniciativa da nossa conversão
Entretanto, o ponto que mais deve atrair nossa atenção, ao considerar esta
passagem do Evangelho, é o fato de o próprio Cristo haver tomado a iniciativa
de operar aquela ressurreição, sem que a viúva lhe houvesse pedido ou alguém
intercedesse em favor dela. Ademais, tudo indica ter sido a primeira vez que
Jesus visitava a cidade de Naim e, portanto, os habitantes talvez ainda nem
sequer O conhecessem, de modo que Ele não iria exigir um ato de fé da senhora
nem do povo que a acompanhava. Por conseguinte, neste caso, Ele quis
realizar um milagre estupendo, passando por cima de todas as regras, por haver
sentido compaixão.
Em Jesus, a capacidade de compadecer-Se das misérias e das necessidades
dos outros é insuperável, inefável e até inimaginável por qualquer mente
humana, pois é infinita e provém de um Coração arrebatado de amor pelo Pai e,
portanto, de amor aos homens, em Deus. Esse Coração, por ser humano, é também
sensível. Ele ama a frágil natureza de suas criaturas, que Ele mesmo assumiu ao
vir ao mundo, e quer cumulá-la de bens, para fazê-la reinar consigo na
eternidade. Tendo Ele subido aos Céus, a caridade de seu Sagrado Coração
permanece sempre junto a nós. Assim sendo, "conservemos firme a nossa
fé. Porque não temos nele um pontífice incapaz de compadecer-se das nossas
fraquezas" (Hb 4, 14-15). Pelo contrário, se ao longo de sua vida terrena
atendeu a todos os que d'Ele se aproximaram, e moveu-Se de piedade por uma
pobre viúva que cruzou seu caminho, por que não terá pena de nós quando
nos acharmos numa situação de necessidade? Quantas vezes Ele mesmo dá o
primeiro passo para se encontrar conosco, tomando a iniciativa de nos
salvar de algum perigo, sem ao menos Lhe havermos dirigido uma súplica, numa
maravilhosa atitude que deixa patente a ternura de seu amor por cada um de
nós!
Nada
devemos temer
Por isso, vale a pena viver em função da Palavra que nos ressuscitou para
a vida eterna e nos dá o ânimo necessário para seguir adiante, enfrentando
todos os obstáculos, e considerando-os apenas como elementos permitidos por
Deus para aumentar os nossos méritos. E se tivermos a infelicidade de cair em
pecado, não julguemos que Ele vai nos rejeitar. Também os mortos, na legislação
judaica, não podiam ser tocados. Entretanto, o Evangelho deste domingo nos
mostra Jesus aproximando-Se do féretro, para nele tocar e ressuscitar aquele
jovem falecido.
Não nos alarmemos, então, com as possíveis tragédias que nos possam
sobrevir. Nas circunstâncias mais difíceis, quando o sofrimento nos assaltar,
deitando sua negra sombra sobre nossa vida, lembremo-nos de que nunca padecemos
sozinhos, pois há Alguém que também passa ao nosso lado e nos acompanha com seu
olhar, porque nos ama com um Coração de Pai compassivo e deseja a nossa
salvação eterna. E, sendo Senhor de tudo, tem poder de sempre nos livrar de
todos os perigos e penas que possam nos ameaçar. Isso deve ser motivo de
sustentação e de alegria para nós.
1
BUSSIÈRES, Le Baron Th. Conversion de
M. Marie-Alphonse Ratisbonne. Rélation authentique. 2.ed. Paris:
Ambroise Bray, 1859, p.19.
2
Idem, p.29.
3
ROYO MARÍN, OP, Antonio. Somos hijos de Dios. Madrid: BAC, 1977, p.60.
4
SÃO TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica. I-II, q.109, a.6, ad 1.
5
SANTO AGOSTINHO. De gratia et libero arbitrio. L.XIV, n.30. In: Obras. 3.ed. Madrid: BAC, 1971, v.VI, p.248-249.
6 Cf. FERNÁNDEZ TRUYOLS,SJ,
Andrés. Vida
de Nuestro Señor Jesucristo. 2.ed. Madrid: BAC, 1954, p.276; GOMÁ Y TOMÁS,
Isidro. El Evangelio explicado. Años primero y segundo de la vida pública de
Jesús. Barcelona: Rafael Casulleras, 1930, v.II, p.219.
7
Cf. GOMÁ Y TOMÁS, Isidro. El Evangelio explicado. Introducción, Infancia y vida
oculta de Jesús. Preparación de su ministerio público. Barcelona: Rafael
Casulleras, 1930, v.I, p.147.
8
Cf. GOMÁ Y TOMÁS, El Evangelio explicado. Años primero y segundo de la vida
pública de Jesús, op. cit., p.219.
9
SÃO JOÃO CRISÓSTOMO. Sermo in Ev. Math.
LXXIII, n.1. In: Obras. Madrid: BAC, 1956, v.II, p.463.
10 BADET, Jean-François.
Jésus et les femmes dans l’Évangile. 6.ed. Paris: Gabriel Beauchesne, 1908,
p.223-224.
11
MALDONADO, SJ, Juan de. Comentarios a los Cuatro Evangelios. Evangelios de San
Marcos y San Lucas. Madrid: BAC, 1951, v.II, p.489-490.
12
SÃO TOMÁS DE AQUINO, op. cit., q.102, a.5, ad 4.
13
Cf. GOMÁ Y TOMÁS, El Evangelio explicado. Introducción, Infancia y vida oculta
de Jesús. Preparación de su ministerio público, op. cit., p.146-147.
14
MALDONADO, op. cit., p.490.
15
Idem, p.491.
16
LAGRANGE, OP, Marie-Joseph. Évangile selon
Saint Luc. 4.ed. Paris: J. Gabalda, 1927, p.211.
17
Cf. GOMÁ Y TOMÁS, El Evangelio explicado. Años primero y segundo de la vida
pública de Jesús, op. cit., p.220.
18
SÃO TOMÁS DE AQUINO, op. cit., q.107, a.2.
19
VIGILIA PASCHALIS IN NOCTE SANCTA. Præconium Paschale. In: MISSALE ROMANUM. Ex
decreto Sacrosancti OEcumenici Consilii Vaticani II instauratum auctoritate
Pauli PP. VI promulgatum Ioannis Pauli PP. II cura recognitum. Iuxta typicam
tertiam. Belgium: Midwest Theological Forum, 2007, p.284.
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