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terça-feira, 8 de janeiro de 2013

Evangelho Festa do Batismo do senhor - Ano C - 2013 Lc 3,15-16.21-22 -


Continuação dos comentários ao  Evangelho Festa do Batismo do senhor - Ano C - 2013  Lc 3,15-16.21-22 


O Jordão, local mais conveniente para o Batismo de Nosso Senhor

21a Quando todo o povo estava sendo batizado, Jesus também recebeu o batismo.
Ora, como vimos, São João escolhera a região do Jordão para ministrar seu batismo, por uma razão de prudência em relação à oposição dos fariseus a tudo aquilo que pudesse abalar o sólido establishment da sociedade judaica de então. Acima de tudo, todavia, chama-nos a atenção o aspecto altamente simbólico do local. O Jordão era o rio que os judeus haviam atravessado ao entrar na Terra Prometida, cujas águas, abertas por Josué com a Arca da Aliança (cf. J5 3, 14-17), separavam a escravidão egípcia da liberdade obtida após os quarenta anos de penitência no deserto. Também o profeta Elias, antes de ser levado no carro de fogo para um lugar desconhecido, lançara seu manto sobre as águas do Jordão para dividi-las, passando à margem oposta sem se molhar, em companhia de Eliseu (cf. II Re 2, 8). Ao regressar, Eliseu cruzou o rio — Elias já havia desaparecido, deixando-lhe seu manto —, mais uma vez ferindo as águas com o manto profético, em nome do “Deus de Elias” (cf. II Re 2, 13-14). De maneira análoga, segundo São Tomás, “o Batismo de Cristo [...] introduz-nos no Reino de Deus, simbolizado na Terra Prometida. [...] [E] à mesma problemática pertence a divisão das águas do Jordão por Elias, o qual ia ser arrebatado ao Céu num carro de fogo [...1 pois aqueles que passam pelas águas do Batismo têm aberta a entrada no Céu mediante o fogo do Espírito Santo”.9 Tais foram os motivos simbólicos que fizeram João escolher essas águas para batizar.
Uma chancela para a missão de João Batista
Ao mesmo tempo, Nosso Senhor era batizado com a intenção de aprovar e confirmar o batismo de São João, dando aval a todos os batismos que haviam sido realizados por ele até aquele momento. Nesse sentido o Batismo de Jesus tem grande importância, pois não se trata de um mero ato simbólico, mas sim de um ato litúrgico praticado pelo próprio Cristo. Uma vez que a missão do Precursor consistia em preparar os caminhos para a vinda do Messias, com a chegada do Salvador o auge do ministério do profeta estava atingido e em breve começaria a diminuir para que Cristo crescesse (cf. Jo 3, 30). Com poesia, diz Tertuliano que “do mesmo modo como a aurora marca o fim da noite e o começo do dia, assim João Batista é o fim da noite da Lei e a aurora do dia evangélico”.’10
 
Por que Nosso Senhor quis ser batizado?
Não obstante, diante do fato tão grandioso do Batismo de um Deus, se levantam algumas interrogações: por que quis Jesus ser batizado por João? Precisava arrepender-se de algum pecado? Blasfemo seria tal pensamento! Com efeito, o sublime episódio do Batismo de Cristo levou São Bernardo a proclamar: “Porventura o sadio tem necessidade de medicina, ou de limpeza quem já está limpo? De onde há pecado em Vós, para que Vos seja necessário o Batismo? Por acaso de vosso Pai? Pai certamente tendes, mas é Deus, e sois igual a Ele; Deus de Deus, luz da luz. Quem ignora que Deus não pode cair em pecado algum? Acaso de vossa Mãe? Mãe tendes, mas é virgem. Que pecado poderíeis trazer de quem Vos concebeu sem iniquidade, dando-Vos à luz e conservando sua integridade? Que mancha pode ter o Cordeiro sem mácula?”.11
Sem dúvida Jesus quis recebê-lo por humildade, rebaixando-Se para ser batizado por João, o qual, diante dessa atitude, proclamou: “Eu é que devo ser batizado por Ti, e Tu vens a mim!” (Mt 3, 14). Tal afirmação ajuda-nos a compreender a imensa graça que significou para o Precursor ter batizado Nosso Senhor. E o Doutor Angélico enumera ainda várias razões que indicam a alta conveniência deste misterioso Batismo.12
A presença de Nosso Senhor santificou o universo inteiro
Uma das mais belas foi o desejo do Salvador de conferir às águas, em contato com sua Carne adorável — que é divina, embora humana —, a capacidade de purificar, que é a virtude do Batismo. Ao deixar nas águas do Jordão “a fragrância de sua divindade”13 o Redentor santificou todas as águas do universo, com vistas àqueles que mais tarde receberiam o banho da regeneração. De fato, tudo o que Nosso Senhor Jesus Cristo tocava era tocado pelo próprio Deus.
Ora, se entrando no rio Jordão Jesus santificou as águas do universo inteiro, podemos afirmar, não sem fundamento, que, pisando a terra com seus pés sagrados e regando-a com seu Preciosíssimo Sangue no Calvário, Ele santificou toda a Terra; respirando e sendo elevado no madeiro sagrado, santificou de igual modo o ar.’4 Finalmente, descendo Ele ao Purgatório,15 santificou também o fogo. Podemos assegurar, portanto, que os quatro elementos resumitivos do universo criado foram santificados pelo simples contato com Ele. Devemos, pois, ter sempre a noção clara de que a presença do verdadeiro Deus e verdadeiro Homem, neste mundo, mudou a face da Terra.
Jesus lavou nas águas os nossos pecados
Cristo não precisava ser batizado, pois fora Ele quem, inspirando São João, instituIra este rito, mas “o batismo tinha necessidade do poder de Jesus”.’16 Desde toda a eternidade o Verbo conheceu com perfeição, em sua própria essência divina, cada um de nós, com nossos pecados, misérias e insuficiências. Sendo Deus, Ele podia limpar a Terra por um simples ato de sua vontade; contudo, preferiu Ele mesmo, o Inocente, livre de qualquer nódoa, assumir uma carne “semelhante à do pecado” (Rm 8, 3). Quis ser batizado, então, não “para ser purificado, mas para purificar”,17 submergindo consigo, na água batismal, todo o velho Adão.18 Devemos considerar que se existisse uma humanidade infinita, com infinitos pecados, Ele os teria carregado sobre Si, lavando-os naquele momento nas águas do Jordão.
A divina atitude do Salvador deveria nos inspirar profunda confiança, pois, embora sejamos réus de culpa, “o dom de Deus e o benefício da graça obtida por um só homem, Jesus Cristo, foram concedidos copiosamente a todos” (Rm 5, 15). De fato, sendo Ele a Cabeça do Corpo Místico, d’Ele partem e são distribuídas as graças para todos os membros.
Por fim, com seu Batismo, quis abrir-nos um caminho e estimular-nos a compreender a importância deste Sacramento.19
A capital importância de uma oração feita no Jordão
21bE enquanto rezava...
À vista de tais maravilhas, podemos sem dúvida alguma imaginar que Jesus tenha feito uma oração belíssima naquele momento grandioso de sua submersão nas águas do Jordão. Só a conheceremos, porém, no dia em que entrarmos na eternidade, na visão de Deus face a face. Por enquanto apenas apreciamos os efeitos imediatos por ela produzidos.
21c ...o céu se abriu. ..
Uma superficial análise desta breve frase do Evangelho poderia levar-nos a julgar que, no grandioso episódio do Batismo, o Céu se abrira para o Espírito Santo descer. Entretanto isto não era necessário.20 Na realidade, o sentido mais importante destas palavras se refere a uma realidade superior. Pela Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo foram abertas para a humanidade as portas do Céu, que permaneciam fechadas desde a expulsão de Adão e Eva do Paraíso Terrestre por causa do pecado. Mas como isso se aplica a cada um individualmente no Batismo sacramental instituído por Nosso Senhor, era mais conveniente esta referência à abertura do Céu no instante em que Cristo foi submerso por São João nas águas do Jordão.21
Manifestaram-se, assim, os elementos que pertencem à eficácia desse Sacramento. Tal como os Céus se abriram nessa hora, seria a virtude celestial, explica São Tomás, que santificaria o Batismo, nos tornaria capazes, pela fé, de ver as coisas celestes e ainda, como foi dito acima, nos abriria as portas do Céu. Por fim, para entendermos que só é possível cruzar estes umbrais pelo poder e pela força da oração, tudo ocorreu “enquanto rezava”, conforme indica o versículo.22

Continua no próximo post.


9) SÃO TOMÁS DE AQUINO, op. cit., q.39, a.4.
10) TERTULIANO. Adversus Marcionem. L.IV, c.33, apud BARBIER, SJ, Jean-André (Org.). I Tesori di Cornelio a Lapide. 4.ed. Tormo: Società Internazionale, 1948,v.11, p.160.
11) SÃO BERNARDO. Sermones de Tiempo. En la Epifanía dei Sefior. Sermón I, n.6. In: Obras Completas. Madrid: BAC, 1953, v.1, p.314.
12) Cf. SÃO TOMAS DE AQUINO, op. cit., q.39, a.1.
13) SÃO CIRILO DE JERUSALEM. Catechesis Mystagogica III, nl: MG 33, 1087.
14) Cf. SÃO TOMÁS DE AQUINO, op. cit., q.46, a.4.
15) CL Idem, q.52, a.2.
16) SAO JOAO CRISOSTOMO. Homilía XVII, n.2. In: Homilías sobre el Evangelio de San Juan (1-29,), op. cit., p.218.
17) SAO TOMAS DE AQUINO, op. cit., q.39, a.1, ad 1.
18) Cf. SAO GREGORIO NAZIANZENO. Homilía XXXIX, n.17. In: Homilías sobre la Natividad. 2.ed. Madrid: Ciudad Nueva, 1992, p.86.
19) Cf. SÃO TOMÁS DE AQUINO, op. cit., q.39, al.
20) Cf. Idem, a.5, ad 2.
21) Cf. Idem, a.5.
22) Cf. Idem, ibidem.

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