Continuação dos comentários ao Evangelho V Domingo da Quaresma - Ano C - 2013 - Jo 8, 1-11
Jesus eleva a questão do plano jurídico ao moral
7 Como eles
insistissem, ergueu-Se e disse-lhes: “Quem de vós estiver sem pecado, seja o
primeiro a lhe atirar uma pedra”.
No Deuteronômio encontramos a clara obrigatoriedade de a
primeira testemunha de um crime, punido com pena de morte, atirar a primeira
pedra: “Tens, ao contrário, o dever de matá-lo:
Diante do Senhor se encontravam mestres da Lei e fariseus,
peritos no domínio desses conhecimentos relativos à jurisprudência. Portanto,
Jesus não se exime, pronuncia a sentença, mas, a propósito de sua execução,
aproveita o ensejo para transferir a problemática do campo jurídico a um plano
muito mais elevado, ou seja, o moral. Frase divinamente célebre, se ela fosse
gravada de forma indelével em nossos corações, compenetrados estaríamos de
nossa indignidade, de
nossas insuficiências, pecados, etc., e não seríamos ásperos
com ninguém, nem repreenderíamos com dureza de coração os culpados. Doçura,
humildade e compaixão constituiriam a essência de nosso relacionamento, e
assim, atrairíamos a benevolência de Deus e seríamos causa de edificação do
próximo. “Creio que Cristo quis criticá-los, e não só dava a entender que
podiam pecar, enquanto homens, e que eram pecadores de fato — quer dizer, que
estavam manchados de pecados como a generalidade dos homens — mas também que
eram hipócritas: cheios de iniqüidade no interior, enquanto no exterior fingiam
santidade e zelo religioso, tratando de apedrejar aquela mulher. Increpou-os
como naquela outra ocasião em que os chamou de sepulcros caiados (Mt 23, 27).
Feriu-os, portanto, no íntimo da consciência, ao dizer-lhes: ‘Quem de vós
estiver sem pecado, seja o primeiro a lhe atirar uma pedra’, dando a entender
que eles eram réus daquele pecado ou de outros maiores. Mas essa acusação é tão
prudente que não parece ser Ele quem a faz, mas a consciência de cada um deles.
O Salvador os remete às suas próprias consciências, estabelecendo-as como
juízes, como se Ele ignorasse o que nelas havia. De certo modo, é de direito
natural que quem acusa ou condena alguém esteja livre do pecado que lhe
reprocha” (8).
Pode um homem julgar outro homem?
É insuperavelmente magistral essa resposta de Nosso Senhor,
pois não assume a função de juiz, que lhe ofereciam os escribas e fariseus, mas
sim a de Mestre, conforme o título empregado por eles ao Lhe proporem o
julgamento (v. 4). Como Altíssimo Conselheiro, Jesus lhes recorda que um juiz,
apesar de seus pecados ou falhas, pode — e até deve — julgar e condenar, se necessário
for; porém, levanta para eles um espinhoso problema: pode um pecador ser o
executor da justiça de Deus?
O único, verdadeiro e competente Juiz é Nosso Senhor Jesus
Cristo: “O Pai não julga ninguém, mas entregou todo o julgamento ao Filho” (Jo
5, 22). Todo aquele que de forma competente julga outro homem, por direito
natural, positivo ou divino, assim o faz por delegação de Jesus Cristo.
Entretanto, aquela sentença moral lançada contra homens orgulhosos que
hipocritamente se julgavam santos e imaculados, de si não os deteria em sua determinação
de cumprir a Lei, se esse fosse realmente seu objetivo exclusivo. Que mais
faria Jesus para impedi-los?
Escrevendo, Jesus acusava os acusadores
8 Inclinando-Se novamente, escrevia na terra.
Se assim de fato foi, Jesus procedeu com invariável
sabedoria e, ademais, com suma bondade, pois poderia contra-acusar de público
cada um deles, e não o fez. Muito pelo contrário, colocava-lhes à disposição
seu total perdão. Bastaria um arrependimento interior e um pedido de
misericórdia, ainda que implícito, para todos saírem daquela situação em
inteira harmonia com Deus e até mesmo entre eles próprios. Jesus lhes oferecia
essa grande oportunidade, mas...
Continua nos próximos posts.
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