Continuação dos comentários ao Evangelho V Domingo da Quaresma - Ano C 2013 - Jo 8, 1-11
Os fariseus invocam uma lei em desuso
…multidão e disseram
a Jesus: “Mestre, agora mesmo esta mulher foi apanhada em adultério. 5 Moisés
mandou-nos na Lei que apedrejássemos tais mulheres. Que dizes Tu a isso?” 6
Perguntavam-Lhe isso, a fim de pô-Lo à prova e poderem acusá-Lo. Jesus, porém,
Se inclinou para a frente e escrevia com o dedo na terra.
A expressão “apanhada em adultério” confere ainda mais
substância à hipótese de um crime planejado por várias pessoas, com um intuito
que se tornará explícito na revelação contida no versículo seguinte. Ademais, a
afirmação fortemente categórica da parte deles evitava que fossem argüidos por
Jesus a respeito das provas, pois nem a própria mulher procurava defender-se.
Talvez, pela delicadeza de sua alma feminina, não insinuava sequer quem fosse
seu cúmplice naquele crime.
Flávio Josefo, famoso historiador judeu daqueles tempos —
portanto, de certo modo, insuspeito —, contanos que havia caído em desuso a lei
que punia com pena de morte os réus condenados por esse tipo de crime.
Rigorismo em meio ao relaxamento geral dos costumes
Sob o reinado dos Herodes, a corrupção dos costumes em
Jerusalém havia chegado ao extremo. Quiçá fosse essa uma circunstância que
propiciasse aos fariseus e escribas criarem, junto a Jesus, o impasse de como
proceder naquele caso de adultério. Seja como for, “sob as aparências de zelo
pela Lei, aqueles homens hipócritas e rancorosos armavam para Jesus uma
armadilha maldisfarçada. Estavam certos de que Aquele a quem chamavam
ironicamente pelo epíteto de ‘amigo de pecadores e publicanos’ Se mostraria
indulgente com a culpada; e então eles O acusariam de violar a Lei divina num
ponto fundamental” (4).
Na mesma linha, comenta o Pe. Andrés Fernandez Truyols, SJ:
“ pergunta, aparentemente respeitosa e até honorífica para Jesus, era na
realidade insidiosa. Se Ele Se pronunciasse pelo castigo, tacha-Lo-iam de duro;
se absolvesse, seria acusado de violar a Lei” (5). Por outro lado, vale a pena
observar o contraste entre os fiéis, que ouvem enlevados as palavras do
Salvador, e a sanha dos doutores da Lei e dos fariseus em condenar Jesus.
“Enquanto os pacíficos e simples admiravam as palavras do Salvador, os escribas
e fariseus Lhe faziam perguntas, não para aprender, mas para armar armadilhas à
verdade” (6).
Querem tornar Jesus réu de sua própria sentença
Tornou-se famoso o dilema criado pelos fariseus a propósito
do pagamento do imposto, se a César ou ao Templo. O “dai a César o que é de
César, e a Deus o que é de Deus” (Mt 22, 21) marcou a História. Entretanto, o
caso trazido a lume pela Liturgia de hoje foi montado com muitíssimo mais
habilidade. Decidindo por uma ou outra solução, Jesus, ou se levantaria contra
o poderio romano, ou se declararia discordante de Moisés e, portanto, do
Sinédrio. Se sua sentença fosse no sentido de que lapidassem a mulher, na certa
seus inimigos procurariam entregá-Lo a Pilatos por ter violado a lei imposta
por Roma às províncias conquistadas e suas sufragâneas: o direito de vida e de
morte lhe pertencia com exclusividade. Sem contar que teriam elementos para
sublevar o povo contra sua radicalidade e intransigência.
Jesus contra Moisés...
Se Jesus a absolvesse, agitariam os fiéis pelo fato de Ele
Se opor à Lei de Moisés e O arrastariam ao Sinédrio para ser excomungado e
entregue à autoridade romana. Provavelmente, “queriam colocar Cristo em
oposição à Lei de Moisés, dando a entender que O consideravam um outro Moisés,
o qual trazia uma lei mais perfeita que a do primeiro. Tudo era feito para
incentivá-Lo e provocá-Lo, de modo que Ele tomasse partido contra a Lei de
Moisés, dando-lhes ocasião de acusá-Lo. Que dizes Tu a isso? Contrapondo-O a
Moisés, como se O elevassem acima de Moisés. Tu, que és maior que Moisés, a
quem não se aplicam suas leis, porque promulgas outra melhor e mais perfeita, o
que dizes? Aprovas ou reprovas a sentença da lei mosaica? Por todos os meios,
procuram colocá-Lo na tentação de dizer algo contra Moisés, em face de todo
aquele público, já que O reconhecem como superior ao grande legislador” (7).
Jesus responde por escrito
Chama especialmente a atenção a inédita atitude do Divino
Mestre, de inclinar-Se, permanecendo sentado, e pôr-Se a escrever “com o dedo
na terra”. Jesus Se encontrava perto do pátio das mulheres, na galeria do
Tesouro, e não sabemos de que maneira era constituído o piso desse local. Seja
como for, provavelmente a escrita seria de molde a poder ser lida por outrem.
Consideremos o fato de escribas e fariseus terem se postado perto de Nosso
Senhor e, ainda mais, por se encontrarem de pé, não lhes era difícil ler os
caracteres desenhados por Ele. Jesus escrevendo: é a única ocasião em que isso
acontece em toda a narração dos Evangelhos. Como imaginar a forma das letras e
a sequência das palavras? Evidentemente, só poderiam ser as mais belas entre
todas as possíveis. Algo legível deveria restar no chão, talvez impresso sobre
a própria poeira do caminho. O que teria escrito Ele naquele momento? Mais
adiante trataremos desse pormenor.
Continua nos próximos posts.
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