CONTINUAÇÃO DOS COMENTÁRIOS AO EVANGELHO DO III DOMINGO DA PÁSCOA
10 Jesus disse-lhes: “Trazei dois peixes que apanhastes
agora.”
Esse pedido feito por Jesus não
visava apenas aumentar a quantidade de peixes a serem comidos por eles. De
maneira sempre afetuosa e com ilimitada bondade, Jesus deseja fazê-los comprovar
a grandeza da pesca realizada. Até esse momento, os Apóstolos estavam absortos
na contemplação do Mestre e até já haviam se esquecido dos peixes e da barca.
Em realidade, seu propósito era o de que trouxessem todos os peixes e os
contassem.
11 Simão Pedro subiu à barca e arrastou a rede para
terra, cheia de cento e cinquenta e três grandes peixes. E, sendo tantos, não
se rompeu a rede.
Pedro, em seu ardoroso amor,
está sempre pronto a, com arrojo, atender às solicitações de Jesus. Sua
disponibilidade total não se cifra somente ao fato de ser ele o dono da barca.
Ele sozinho termina a operação iniciada pelos outros. O primeiro no amor, o
mais flexível na obediência. Aí está a verdadeira raiz da qual retiram
substanciosa seiva todas as virtudes: o amor.
O número cento e cinquenta e
três suscitou ao longo dos séculos — e até mesmo entre os Padres da Igreja —
uma variada gama de opiniões. Entre somas, subtrações e multiplicações, uma
corrente de teólogos e de exegetas atribuíram um notório caráter simbólico a
essa cifra. Outros, porém, — e é a opinião predominante hoje em dia — julgam
ter sido intenção exclusiva do evangelista, a de ressaltar a grandeza do
milagre.
Simbólica, sem dúvida alguma, é
a afirmação contida no fim do versículo, ou seja, apesar do grande número e do
porte dos peixes, a rede não se rompeu. Quase todos os autores procuram tornar
clara essa passagem de São João. Santo Agostinho é o mais feliz em
interpretá-la.
Explica-nos ele a diferença
entre as duas pescas, no tocante à integridade da rede. Na primeira, rompeu-se.
Símbolo das heresias que surgiriam ao longo dos séculos. Na descrita pelo
Evangelho de hoje, a rede manteve-se intacta apesar do enorme peso. Esta é uma
pré-figura da Igreja após a ressurreição dos mortos, na qual haverá o supremo
império da paz dos justos.
12Jesus disse-lhes: “Vinde comer.” Nenhum dos discípulos
ousava perguntar-Lhe: “Quem és Tu?”, sabendo que era o Senhor.
Se bem não afirme São João que
Jesus comera nessa ocasião, pode-se supor que tenha acompanhado os Apóstolos
naquela refeição matutina a beira mar. Santo Agostinho assim discorre sobre
este particular (4): “Na futura ressurreição, os corpos dos justos não
necessitarão da árvore da vida que os preserve da morte por enfermidade ou
decrepitude, nem tampouco de nenhum outro alimento que os livre dos incômodos
da fome e da sede, porque se acharão revestidos de uma verdadeira e inviolável
imortalidade, e não terão, caso queiram, necessidade de comer; pois ainda que
não estarão privados da faculdade, estarão isentos dessa necessidade; assim
como nosso Salvador, depois de ressuscitado em verdadeira carne, ainda que
espiritual, comeu e bebeu com seus discípulos, não por necessidade, mas sim por
poder”.
A sensibilidade dos Apóstolos
começa a ser trabalhada pela realidade a respeito de Quem é Jesus. Apesar de
ensejar Ele uma conversa, ninguém ousa dirigir-Lhe a palavra. A atmosfera é de
respeito, admiração e de um certo temor reverencial. Todos reconheciam n’Ele o
Senhor, mas era tão luminosa a transparência de sua majestade que o silêncio se
impunha.
Digno é também de se notar a
bondade e o carinho do Senhor em não só lhes propiciar uma excelente pesca, mas
preparar e oferecer-lhes uma refeição segundo os costumes da época. Novamente
imaginamos quão deliciosos deveriam ser aqueles pães e peixes...
13 Jesus aproximou-se, tomou o pão e deu-lhos, fazendo
o mesmo com o peixe.
Jesus toma a iniciativa de
aproximar-se dos discípulos, pois provavelmente guardavam uma certa distância
respeitosa. Este divino procedimento nos faz comprovar uma vez mais a evidente
realidade do grande empenho do Salvador em nos robustecer contra o mal. Antes
mesmo de articularem qualquer palavra, ou de formularem um mínimo pedido, em
sua infinita bondade dirige-se aos sete para alimentá-los, ou seja, fortalecê-los.
Transbordante e insuperável é o
afeto de Jesus. Ele Se compadece em extremo pelo simples fato de nos encontrar
com fome, símbolo do quanto nos assiste em nossas necessidades espirituais;
basta levantar-se ao nosso redor um mínimo perigo que Ele se aproxima de nós
para amparar-nos, fortalecer-nos e conceder-nos a vitória.
Muitos outros aspectos poderiam
ser considerados nestas poucas palavras, ricas em significado. Ouçamos este
comentário de São Gregório (5): “O convite último feito aos sete discípulos
revela que, no banquete da glória, só estarão com Jesus aqueles que estejam
cheios dos sete dons do Espírito Santo. Também os sete dias sintetizam todo o
tempo deste mundo, e com frequência se designa a perfeição com este número.
Aqueles, pois, que, animados pelo desejo de perfeição, se sobrepõem às coisas
terrenas, são os que gozarão do eterno convite da verdade”. Ter-lhes-á sido
dado a comer o puro pão ou, mais uma vez, lhes ofereceu a Eucaristia? É um belo
problema para a Teologia resolver.
*
* *
Os versículos finais (15 a 19),
nos mostram a reparação de Pedro junto ao Salvador, por suas três negações
durante a Paixão, e mais especialmente o recebimento do poder direto e
universal sobre todo o rebanho, das mãos de Quem o perdoa, conforme o define o
Concílio Vaticano I: “Só a Simão Pedro conferiu Jesus, depois de sua
Ressurreição, a jurisdição de sumo pastor e reitor de todo o seu rebanho, ao
dizer: ‘Apascenta meus cordeiros’, ‘apascenta minhas ovelhas’ (Jo 21, 15ss)”
(6).
Não fossem os limites
destas páginas, muito se poderia comentar sobre as palavras finais de Jesus, em
especial os vários sentidos do convite expressado por Ele: “Segue-Me”. Não
faltará ocasião para tal.
Continua no próximo post.
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