Continuação dos comentários ao Evangelho da Solenidade de Pentecostes Jo 20, 19-23 Ano C 2013
Ele disse-lhes novamente: “A paz esteja convosco. Assim
como o Pai Me enviou, também vos envio a vós”.
Novamente Jesus lhes deseja a
paz, e deixa assim entrever quão importante é a tranquilidade da ordem. Como
objetivo imediato, visava Jesus proporcionar-lhes a indispensável serenidade de
espírito face às desavenças e mortais perseguições que lhes moveriam os judeus.
Por outro lado, Jesus se dirige aos séculos futuros e, portanto, à própria era
na qual vivemos. Também a nós Ele nos repete o mesmo desejo de paz formulado
aos Apóstolos naquele momento. Sim, especialmente à nossa civilização que tem
suas raízes em Cristo — Rei, Profeta e Sacerdote — cuja entrada neste mundo
fez-se sob o belo cântico dos Anjos: “Paz na terra” (Lc 2, 14). Não foi outro o
dom por Ele oferecido antes de morrer na Cruz, ao despedir-se: “Dou-vos a paz,
deixo-vos minha paz” (Jo 14, 27). Entretanto, a humanidade hoje se suicida em
guerras, terrorismos e revoluções. E qual a causa? Não queremos aceitar a paz
de Cristo.
Tal qual a caridade, a paz
começa na própria casa. Antes de tudo, é preciso construí-la dentro de nós
mesmos, dando à razão iluminada pela Fé o governo de nossas paixões. Sem essa
disciplina, entramos na desordem. Ora, vai se tornando cada vez mais raro
encontrar-se um ser humano no qual esse equilíbrio é procurado com base no
esforço e na graça. O espontaneísmo domina despoticamente em todos os rincões.
Vivemos os axiomas da Sorbonne de 1968: “É proibido proibir” — “A imaginação
tomou conta do poder” — “Nada reivindicar, nada pedir, mas tomar, invadir”.
Eles pareciam ser para a humanidade uma pedra filosofal de felicidade, sucesso
e prazer... Que desilusão!
A paz deve ser a condição
normal e corrente para o bom relacionamento social, sobretudo na célula mater
da sociedade, a família. Eis um dos grandes males de nossos dias: a autoridade
paterna se autodestruiu, a sujeição amorosa da mãe se evanesceu e a obediência
dos filhos foi carcomida pelo capricho, desrespeito e revolta. Essas enfermidades
morais, transpostas para a vida da sociedade, redundam em luta civil, de
classes e até mesmo entre os povos.
A humanidade sofre essas e
muitas outras consequências do pecado de ter repudiado a paz de Cristo e
abraçado a paz do mundo, ou seja, o consumismo, o igualitarismo, o laicismo, a
adoração da máquina, etc.
Sentencia a Escritura: “Não há paz — diz Javé — não há paz para os
ímpios” (Is 57, 20). “Curavam as chagas da filha do meu povo com ignomínia,
dizendo: Paz, paz; quando não havia paz” (Jer 6,14). Os milênios transcorreram
e nos encontramos novamente na mesma perspectiva de outrora, com uma agravante:
corruptio optimi pessima (a corrupção do ótimo resulta no péssimo). Sim, a
rejeição da paz verdadeira trazida pelo Verbo Encarnado é muito pior do que a
impiedade antiga, e de conseqüências ainda mais drásticas.
A ordem fundamental do edifício
da paz deriva essencialmente do Evangelho e do Decálogo, ou seja, do amor a
Deus sobre todas as coisas e ao próximo por amor a Ele (7). Daí floresce a paz
interior do homem e a harmonia com todos os outros, amados por ele com real
caridade. Esse é o melhor remédio para todos os males atuais, desde a
“epidemia” das depressões — enfermidade paradigmática de nosso século — até o
terrorismo. É indispensável reconhecermos em Deus nosso Legislador e Senhor,
pois, se ao longo da vida não existir a moral individual nem a familiar, haverá
menos ainda o verdadeiro equilíbrio social e internacional. O caos de nossos
dias no-lo demonstra em demasia.
Sendo a paz fruto do Espírito
Santo, fora do estado de graça, e da prática da caridade, não nos é dado
encontrá-la. Por isso quem se torna empedernido no pecado não pode gozar da
paz: “Mas os malvados são um mar proceloso que não pode aquietar-se e cujas
ondas revolvem lodo e lama. Não há paz — diz Javé — para os ímpios” (Is 57,
20).
O mesmo Isaías nos proclama a
prodigalidade e a grandeza da bondade de Deus para com os justos: “Porque assim
diz Javé: Vou derramar sobre ela (Jerusalém) a paz como um rio, e a glória das
nações como torrentes transbordantes” (Is 66, 12).
Essa é a razão mais específica
do fato de Jesus ter desejado uma segunda vez a paz a seus discípulos. É Ele o
autor da graça e, portanto, o autor da paz: “Cristo é a nossa paz” (Ef 2, 14).
“A graça e a verdade foram trazidas por Jesus Cristo” (Jo 1, 17).
Após esse segundo voto de paz,
Jesus envia seus discípulos à ação, tornando claro o quanto é necessário jamais
se deixar tomar pelo afã dos afazeres, perdendo a serenidade. Um dos elementos
essenciais para o apostolado bem sucedido é a paz de alma de quem o faz.
Outro importante aspecto a
considerar neste versículo é a afirmação do princípio da mediação tão do agrado
de Deus. Jesus se apresenta aqui como o Mediador Supremo junto ao Pai e, ao
mesmo tempo, constitui os Apóstolos como mediadores entre o povo e Ele. Aqui
podemos medir quanto são enganosas as máximas igualitárias ao procurarem
destruir o senso de hierarquia.
Continua...
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