CONTINUAÇÃO DOS COMENTÁRIOS AO EVANGELHO 14º DOMINGO DO TEMPO COMUM ANO C 2013 Lc 10, l-12.17-20
Enviados dois a dois
Naquele tempo, 1 o Senhor escolheu outros setenta e
dois discípulos e os enviou dois a dois, na sua frente, a toda cidade e lugar
aonde ele próprio devia ir.
Já no primeiro versículo, São
Lucas mostra o objetivo fundamental da missão: predispor as almas para receber
o próprio Mestre. Essa preparação, atraindo ao bem mediante o apostolado de um
discípulo, é muito importante — e não poucas vezes imprescindível — para que,
no momento do encontro com o Bem em Pessoa, a alma esteja aberta à ação da
graça e não levante obstáculos, entregando-se sem reservas.
Por outro lado, percebe-se o
divino zelo de Cristo por seus seguidores, constituindo duplas de discípulos
antes de enviá-los à pregação. Com efeito, tendo de atuar no mundo, o enviado
necessita de um especial apoio colateral para não sucumbir às investidas do
demônio, como ensina o Eclesiastes: “Se é possível dominar o homem que está
sozinho, dois podem resistir ao agressor” (Ecl 4, 12). Por isso, “deviam ir de
forma que um sustentasse o outro”.7 Estava instituído o método de ação a ser
obedecido, ao longo dos séculos, por inúmeras ordens religiosas, cujas regras
prescrevem aos seus membros andarem sempre acompanhados por um irmão de vocação
ao desempenhar atividades em ambientes alheios à vida comunitária.8
A necessidade de operários
2 E dizia-lhes: ‘A messe é grande, mas os trabalhadores
são poucos. Por isso, pedi ao dono da messe que mande trabalhadores para a
colheita”.
A vida cotidiana dos habitantes
da Palestina, região com terras férteis e bem cultivadas, era muito marcada
pela agricultura. A imagem da seara madura, além de bastante acessível, despertava
com facilidade nos ouvintes de Jesus a relação de semelhança que Ele desejava
provocar ao empregá-la. Em geral, a semeadura era feita pelo proprietário
sozinho, exigindo, contudo, a contratação de numerosos ceifadores para o
momento de recolher a safra. Referindo-se à falta de “trabalhadores para a
colheita”, Nosso Senhor deixava claro ser obra de Deus a distribuição da
semente da graça nas almas e sua germinação, operando as conversões, restando
ao homem tão só a tarefa de colher os frutos. A esse respeito, o Salvador já
havia ensinado, à beira do poço de Jacó: “Um é o que semeia, outro é o que
ceifa. Enviei-vos a ceifar onde não tendes trabalhado” (Jo 4, 37-38). O concurso
humano, embora não seja necessário ao Onipotente, é por Ele desejado como meio
de estimular a caridade fraterna, cuja essência se cifra no empenho de conduzir
o próximo a amar e servir o Senhor da messe.
Além disso, essa passagem põe
em destaque um dos insondáveis mistérios da Providência: a desproporção entre o
número de missionários e as almas a serem evangelizadas. Tal situação é uma
constante na História da Igreja, inclusive quando há generoso florescimento de
vocações religiosas. E o Divino Mestre faz depender de nossa oração o aumento
do número desses trabalhadores, indicando a necessidade de rezar não apenas
pela conversão do mundo, como também para que a Providência se digne enviar
almas particularmente chamadas ao apostolado, cheias de amor a Deus e de zelo
pela salvação dos homens.
Cordeiros entre lobos
“Eis que vos envio como cordeiros para o meio de
lobos”.
Devido à forte ligação existente
entre a atividade pastoril e o cotidiano judaico, torna-se muito viva essa
outra metáfora usada por Jesus para significar as dificuldades com as quais os discípulos
se deparariam ao anunciar o Reino de Deus, conforme diria Ele mesmo mais tarde:
“O servo não é maior do que o seu senhor. Se me perseguiram, também vos hão de
perseguir” (Jo 15, 20). Determinava, assim, como deveriam reagir em tais situações:
à semelhança do cordeiro, animal reconhecido pela manifesta mansidão ao ser levado
ao matadouro, deveriam suportar com espírito sereno as perseguições, não se
deixando tomar pelas apreensões causadas pelos ataques.
Colocando-os na perspectiva de
estarem constante risco ante a evangelização, do mesmo modo que o cordeiro em
uma alcateia de lobos, o Bom Pastor pedia aos discípulos a confiança em sua protecção.
Não obstante, a mesma afirmação soava como uma admoestação à vigilância em
relação aos adversários incitando os discípulos à sagacidade no exercício da
missão, pois eram “enviados não como presas, mas como distribuidores da
graça”,9 explica Santo Ambrósio.
Curiosamente, as próprias
perseguições comprovam o constante amparo de Nosso Senhor a seu rebanho, como
ressaltam as palavras que São Cirilo de Alexandria põe nos lábios de Deus: “Eu
farei dos perseguidores uma ajuda para os perseguidos. Farei com que os que
humilham meus ministros colaborem com a boa vontade destes”.’° De fato, ao
investir contra os discípulos de Jesus, os inimigos criam excelentes
circunstâncias para a prática de muitas virtudes, tais como a humildade e a resignação
diante das afrontas e maus tratos, e o robustecimento da fé e da confiança na
Providência. Sobretudo propiciam a purificação do amor a Deus. Desse modo
incide sobre eles a promessa relativa à bem-aventurança de padecer perseguição
por causa da justiça, tornando-os merecedores de grande recompensa no Céu (cf.
Mt 5, 10). Se a hostilidade chega ao extremo do martírio, a violência se
transforma em glória para os cristãos, permitindo-lhes receber o prêmio da fé,
na vida eterna. E dali, intercedendo junto a Deus pelos fiéis que permanecem na
Terra, estreitam os vínculos entre a Igreja triunfante e a Igreja militante,
fortalecendo o Corpo Místico de Cristo.
Não raras vezes, porém, sucede
algo diferente. A força da graça conferida pelo Salvador à sua grei é tal que
muitos “lobos” acabam sendo convertidos em “cordeiros”... Exemplo supremo é o
de Saulo, fariseu que “só respirava ameaças e morte contra os discípulos do
Senhor” (At 9, 1), o qual veio a tornar-se o Apóstolo por excelência.
Continua no próximo post.
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