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segunda-feira, 2 de setembro de 2013

XXIII Domingo do Tempo Comum - Ano C - 2013 - Lc 14, 25-33

Continuação dos comentários ao Evangelho 23º Domingo do Tempo Comum - Ano C - 2013 - Lc 14, 25-33
Verdadeiro sentido do verbo odiar
Ora, logo a seguir, Guardini acrescenta, com muita acuidade, que a exigência de odiar os parentes quando eles nos afastam de Deus “é antinatural, e provoca a tentação de guardar os parentes naturais e de abandonar Jesus”.7
É visando tornar clara a necessidade que o homem tem de fazer violência contra si mesmo para ser verdadeiro discípulo de Cristo, que a Vulgata, São Tomás, São Gregório Magno e muitos outros comentaristas recorrem a um termo tão radical quanto o verbo odiar: “Gregório interpreta esta palavra do Senhor no sentido de que ‘devemos odiar nossos pais e deles fugir, ignorando-os, quando os temos como adversários no caminho de Deus’. Se, de fato, nossos pais nos induzirem ao pecado e nos afastarem do culto divino, no que concerne a este ponto específico devemos odiá-los e abandoná-los”.8
Portanto, é natural, legítimo e até um dever o amor a irmãs e irmãos, filhas e filhos, pai ou mãe; mas devemos repudiá-lo com toda energia, se ele nos impede de seguir a Cristo. Mais uma vez, é São Tomás quem esclarece: “Não nos é ordenado odiar nossos próximos porque eles são nossos próximos, mas somente os que nos impedem de nos unirmos a Deus. Nisso eles não são nossos próximos, mas inimigos, conforme o livro de Miqueias: ‘Os inimigos do homem, os seus próprios familiares’ (Mq 7, 6)”.9
E, mais adiante, acrescenta: “Portanto, deve-se dizer que, segundo o mandamento de Deus, os pais devem ser honrados enquanto estão unidos a nós pela natureza e por afinidade, como mostra o livro do Êxodo. Mas devemos odiá-los se forem um obstáculo em nossa ascensão à perfeição da justiça divina”.10
Fica, assim, posta a questão no seu verdadeiro equilíbrio. E pode a Santa Igreja ensinar com toda autoridade essa doutrina, pois foi ela quem evangelizou os povos pagãos e consolidou no mundo os princípios basilares da família monogâmica e indissolúvel, por sua pregação e pela administração do Sacramento do Matrimônio, instituído por Nosso Senhor Jesus Cristo. Com isso, estabeleceu em situação digna na sociedade a mulher e os filhos, fazendo cessar abusos vigentes no mundo antigo, como o “direito” do pai matar os filhos ou o marido repudiar a esposa. Entretanto, ao mesmo tempo, enfatiza ela que tudo, até mesmo a família, está subordinado ao serviço e à glória de Deus.
Ainda a propósito do verbo odiar, aduz o padre Duquesne um importante esclarecimento: “O termo odiar não significa que devemos fazer ou desejar-lhes o mal; mas ele assinala o ardor, a coragem, a força com a qual devemos lhes resistir, caso se oponham à nossa salvação, nos arrastem para o mal, nos demovam de assumir o estado ao qual Deus nos chama, ou queiram engajar-nos naquele ao qual Deus não nos chama; caso nos impeçam de abraçar a verdadeira Fé, e se esforcem por nos reter ou nos lançar no erro”.11
Em sentido contrário, podemos considerar numerosos exemplos que nos mostram como são inestimáveis, e a certo título insuperáveis, o estímulo e o apoio da família para os seus membros se santificarem: Santa Mônica, cujas lágrimas e orações obtiveram a conversão do filho; São Basílio, o Velho, e Santa Emília, pais de São Basílio, São Gregório de Nissa, Santa Macrina e São Pedro de Sebaste; ou os Beatos Luís e Zélia Martin, pais de Santa Teresinha do Menino Jesus.
O prêmio virá na glória eterna
27 “Quem não carrega sua cruz e não caminha atrás de Mim, não pode ser Meu discípulo”.
Estas palavras de Jesus descartam de vez todas as esperanças triunfalistas que a maior parte dos judeus tinha a propósito do reino messiânico. Com efeito, em toda a Sua pregação, jamais oferecera Nosso Senhor a plenitude da felicidade nesta vida, mas sim a glória eterna, cuja via passa pela abnegação e pelo sacrifício. Per crucem ad lucem (é pela cruz que se chega à luz), reza a conhecida divisa latina.
Bem ilustra o Apóstolo essa necessidade de sacrifício e mortificação, recorrendo a um exemplo especialmente vivo para os seus seguidores em Corinto: “Todo atleta se impõe todo tipo de disciplina. Eles assim procedem para conseguir uma coroa corruptível. Quanto a nós, buscamos uma coroa incorruptível! Por isso eu corro, não como às tontas. Eu luto, não como quem golpeia o ar. Trato duramente meu corpo e o subjugo, para não acontecer que, depois de ter proclamado a mensagem aos outros, eu mesmo seja reprovado” (I Cor 9, 25-27).

Ainda sobre este versículo do Evangelho, interessante é recordar uma piedosa consideração do padre Duquesne: “Comparemos nossa cruz com a de Jesus Cristo e as dos mártires, e envergonhemo-nos de nossa covardia!”.12 Não cabe, portanto, levá-la a contragosto, reclamando do seu peso ou manifestando amargura pelos sofrimentos que ela nos traz. Quem assim procede, arrasta a cruz, não a carrega; em consequência, não pode ser considerado discípulo do Mestre. Seguir Nosso Senhor não significa apenas andar fisicamente atrás d’Ele, como faziam muitos naquela multidão, mas sim “imitar Seus exemplos, praticar Suas virtudes”, acentua o mesmo padre Duquesne.13
Continua no próximo post

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