Continuação dos comentários ao Evangelho III Domingo do Advento Mt 11, 2-11 ( Domingo Gaudete) Ano A – 2013
6 “Feliz aquele que não se escandaliza por causa de
Mim!”.
Por fim, Nosso Senhor
completa a resposta com estas palavras, sinal claro de que os discípulos de
João Batista não aceitaram bem a mensagem e estavam com inveja da graça
fraterna. Ao invés de se alegrarem por comprovar que outro fora favorecido pela
benevolência de Deus, numa manifestação patente de seu poder, veem na Pessoa de
Jesus uma sombra projetada sobre si mesmos.
Tendo concluído que o
objetivo de Nosso Senhor não era a restauração do reino de Israel, sentiram-se
frustrados, pois imaginavam que, pelo fato de haverem abandonado tudo para
seguir o Precursor, seriam os primeiros junto ao Messias. Percebem agora que
estão em segundo plano e, para se justificarem, têm de encontrar n’Ele defeitos
que demonstrem, de acordo com seus conceitos, não ser o Enviado: “Ele só fala
do Pai, do Reino Eterno, da vida após a morte; vem pregando uma ressurreição...ˮ.
Em suma, escandalizaram-se, a exemplo dos fariseus, que decerto ali estavam e
se tinham como os primeiros, muito acima dos discípulos de São João. Vaidosos
de seu conhecimento da Lei e da perfeita observância das regras, viam os
milagres de Jesus e diziam que agia pelo poder dos demônios (cf. Mt 9, 34).
Mais ainda, os próprios
Apóstolos receavam que Ele enfrentasse as autoridades do establishment
israelita, com receio de perder a oportunidade de seguir uma grande carreira baseada
em seus dotes excepcionais, da qual eles tirariam o consequente proveito.
Também para os Doze aquele Messias não correspondia ao que pretendiam e se
escandalizavam. Por isso Nosso Senhor afirma: “Feliz aquele que não se
escandaliza por causa de Mim!”, ou seja, “Feliz aquele que, apesar de o mundo
defender que a alegria se obtém de outra forma, sabe que ela está na cruzˮ.
Os lábios divinos elogiam o Precursor
7 “Os discípulos de João partiram, e Jesus começou a
falar às multidões sobre João: ‘O que fostes ver no deserto? Um caniço agitado
pelo vento? 8 O que fostes ver? Um homem vestido com roupas finas? Mas os que
vestem roupas finas estão nos palácios dos reis. 9 Então, o que fostes ver? Um
profeta? Sim, Eu vos afirmo, e alguém que é mais do que profeta. 10 É dele que
está escrito: Eis que envio o meu mensageiro à tua frente; ele vai preparar o
teu caminho diante de Ti’”.
Em seguida partiram os
discípulos de João, sem que o Evangelho registre se reconheceram Jesus como
Messias ou não. Contudo, as palavras de Nosso Senhor são uma proclamação evi dente
de sua identidade, pois Ele evoca as profecias e prova que as está cumprindo.
Após a saída deles,
Jesus passa a falar sobre aquele que está encarcerado, elogiando-o por não ser
um caniço agitado pelo vento ― uma pessoa inconstante ―, mas um homem firme, inabalável
e íntegro, semelhante a uma torre ou uma rocha. Em sua austeridade recusara-se a
usar roupas finas, como faziam os que se embrenhavam pelas vias políticas sem
se importarem com o aspecto religioso, preocupados antes de tudo em traçar uma
carreira social brilhante junto aos poderosos deste mundo.
Nosso Senhor quer ainda
mostrar que a grandeza de João vai muito além de sua condição de profeta. Este,
como é sabido, está incumbido de anunciar, ensinar e apontar, de acordo com a
vontade de Deus, os caminhos do dever, quase sempre contrários às vias
libertinas propostas pelo mundo. Ora, por que ultrapassou o Precursor o marco
do profetismo? Por ter sido também chamado ― além de proclamar a verdade ― a
preparar as veredas do Homem-Deus. É o que comenta São João Crisóstomo: “Em
que, pois, é maior? No fato de estar mais próximo d’Aquele que tinha vindo. […]
Assim como numa comitiva régia os que se encontram mais próximos à carruagem
real são os mais ilustres entre todos, assim João, que aparece momentos antes
do advento do Senhor. Notai como por causa disso [Jesus] declarou a excelência do
Precursor”.3
Com profundidade e
beleza, o Cardeal de La Luzerne exalta a figura de São João Batista,
ressaltando seu papel ímpar na História: “Ele encerra a sucessão dos profetas e
abre a missão dos Apóstolos. Ele pertence ao mesmo tempo à Antiga Lei e à Nova,
e se eleva entre uma e outra como uma coluna majestosa, para marcar o limite
que as separa. Profeta, apóstolo, doutor, solitário, virgem, mártir, ele é mais
que tudo isso, porque é tudo isso ao mesmo tempo. Ele enfeixa todos os atributos
da santidade, e ao juntar em si mesmo tudo aquilo que constitui as diferentes classes
de Santos, forma entre eles uma classe particular”.4
O valor do Reino dos Céus
11 “Em verdade vos digo, de todos os homens que já
nasceram, nenhum é maior do que João Batista. No entanto, o menor no Reino dos
Céus é maior do que ele”.
À primeira vista este
versículo parece incompreensível, pois como pode o maior dentre os já nascidos
ser o menor quando comparado aos habitantes do Reino dos Céus? Aqui Nosso
Senhor Se refere a duas etapas e, portanto, a dois diferentes nascimentos. São
João Batista recebeu a vida da graça no claustro materno de Santa Isabel, pelos
efeitos da voz de Nossa Senhora, e nasceu sem pecado original. Nessa
perspectiva, é o maior, uma vez que nenhum outro teve o privilégio de ser
batizado dessa sublime maneira. Porém, para entrar no Céu faz-se necessário nascer
para a eternidade, e tão mais importante é o Reino Eterno que o mais elevado dos
homens deste mundo torna-se pequeno perto dos justos que já gozam da visão
beatífica. É o que defende São Jerônimo: “todo santo que já está com Deus é
maior do que o que ainda se encontra em batalha. Pois uma coisa é possuir a coroa
da vitória e outra estar ainda lutando na linha de combate”.5
Apesar da diferença
entre o estado dos Bem-aventurados na glória e dos homens justos que ainda
integram as fileiras da Igreja militante, todos os que se encontram junto a
Deus obtiveram suas coroas seguindo a mesma via trilhada por São João Batista,
que o fez grande neste mundo e maior ainda no outro. A sua glória deve-se à
fidelidade a toda prova aos desígnios divinos pela aceitação do sofrimento, e
isso o tornou digno do maior elogio feito por Nosso Senhor a alguém em todo o
Evangelho.
Continua no próximo post
Nenhum comentário:
Postar um comentário