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sexta-feira, 23 de maio de 2014

Comentário ao Evangelho – VI Domingo da Páscoa – Ano A – Jo 14, 15-21

Conclusão dos comentários ao Evangelho – VI Domingo da Páscoa – Ano A – Jo 14, 15-21
Uma ideia equivocada de teofania
21b “Ora, quem Me ama, será amado por meu Pai, e Eu o amarei e Me manifestarei a ele”.
Os Apóstolos, ainda por demais influenciados pela falsa concepção messiânica vigente em Israel, esperavam uma manifestação extraordinária de Nosso Senhor para o mundo inteiro, como se deram por vezes no Antigo Testamento. Imaginavam assim uma glorificação terrena de Jesus, o qual seria reconhecido pelo povo como o Messias libertador.
Meros interesses mundanos nesses homens, entretanto, chamados a serem as pilastras, os fundamentos da Santa Igreja Católica Apostólica e Romana!
Ora, uma demonstração inequívoca da divindade de Jesus tornaria a Fé menos meritória. Escutar, em meio a tremores de terra, nuvens de fumaça evolando-se da montanha, toques de trombetas, uma voz proclamando: “Eu sou o Deus de Israel...”, levaria a uma aceitação do Messias mais pela evidência do que pela Fé, o que acabaria sendo inútil. Com efeito, já não haviam bastado os incontáveis milagres feitos pelo Divino Mestre diante de multidões? Quantos cegos passaram a ver, quantos paralíticos a andar, quantos leprosos ficaram limpos! Sem contar as multiplicações dos pães e dos peixes. A tudo o povo assistira de coração endurecido. Por acaso, na suprema hora da Paixão, algum desses miraculados por Jesus — e foram muitos! — levantou-se para defender seu grande Benfeitor?
Era necessária uma conversão, uma mudança de mentalidade daquele povo. Quando Nosso Senhor disse que Se manifestaria a quem guardasse sua palavra e O amasse, causou surpresa nos Apóstolos, como nos é revelado pela pergunta feita logo a seguir por Judas Tadeu: “Senhor, como se explica que Te manifestarás a nós e não ao mundo?” (Jo 14, 22). E a voz desse Apóstolo não passava de um eco do pensamento dos demais, conforme ouvimos pouco antes Filipe pedir: “Mostra-nos o Pai” (Jo 14, 8), e Tomé indagar: “Mas, Senhor, não sabemos para onde vais, como é que vamos saber o caminho?” (Jo 14, 5).
A manifestação de Jesus a quem O ama
Preocupados em presenciar algo retumbante, não viam os Apóstolos a grandiosa sublimidade que se passava diante deles. Comenta Royo Marín: “Ao revelar-nos sua vida íntima e os grandes mistérios da graça e da glória, Deus nos faz ver as coisas, por assim dizer, do seu ponto de vista divino, tal como Ele as vê. Faz-nos perceber harmonias de todo sobrenaturais e divinas que nenhuma inteligência humana, nem mesmo angélica, teria jamais conseguido perceber naturalmente”.12
Descortinava-se pela fé uma maravilhosa realidade espiritual. “A fé infusa” — comenta Garrigou Lagrange —, “pela qual cremos em tudo quanto Deus nos revelou, porque Ele é a Verdade, é como um sentido espiritual superior que nos permite ouvir uma harmonia divina, inacessível a qualquer outro meio de conhecimento. A fé infusa é como uma percepção superior do ouvido, para a audição de uma sinfonia espiritual que tem Deus por Autor”.13
Nosso Senhor nos promete aqui a maior das recompensas, que Ele explicita mais ainda no versículo seguinte: “Se alguém Me ama, guardará a minha palavra e meu Pai o amará, e Nós viremos e faremos nele a nossa morada” (Jo 14, 23).
De fato, que mais se poderia dar ao homem, além de transformá-lo em morada do Pai, do Filho e do Espírito Santo? Mais do que isso, impossível. Diz São Tomás que tudo Deus poderia ter criado de forma mais bela, mais excelente, com exceção de três criaturas: Jesus, em sua humanidade santíssima; Maria, em sua humanidade e santidade perfeitíssima, e a visão beatífica.14 Ora, aqui nos diz Jesus que já nesta Terra começamos a ser morada do Pai, do Filho e do Espírito Santo, tendo portanto uma vida incoativa, semente de glória posta em nossa alma, que se desabrochará por inteiro na eternidade.
Nisso consiste a manifestação de Nosso Senhor a quem amar e guardar sua palavra: será transformado num tabernáculo da Santíssima Trindade! Sem fenômenos extraordinários, no silêncio, no recolhimento, algo indizível se passará entre as Três Pessoas da Santíssima Trindade e a alma. Quantas vezes não sentimos no fundo da alma a presença de Nosso Senhor Jesus Cristo, por exemplo, quando por amor a Ele resistimos à tentação e evitamos o pecado?
IV – Peçamos a Maria a vinda do Seu Divino Esposo
A Liturgia do 6º Domingo da Páscoa, insistindo na necessidade do amor para o cumprimento da Lei, nos convida a estarmos sempre abertos às inspirações do Defensor e, em consequência, seremos mais mansos e bondosos, inteiramente flexíveis e desejosos de fazer bem a todos.
Ainda a Divina Providência, por misericórdia, nos concede uma incomparável Intercessora que jamais Se cansará de ajudar-nos: “Maria é a porta oriental de onde sai o Sol de Justiça, a porta aberta ao pecador pela misericórdia [...] Ela será aberta e não será fechada. O povo se aproximará sem temor. Glorificando a Mãe do Senhor, ele O adorará. Recorrendo a Maria e prestando-Lhe suas homenagens, colherá os frutos do holocausto oferecido por Jesus”.15
Peçamos à divina Esposa do Paráclito, Mãe e Senhora nossa, que nos obtenha a graça da vinda o quanto antes deste Espírito regenerador a nossas almas, conforme suplica a Santa Igreja: “Emitte Spiritum tuum et creabuntur, et renovabis faciem terræ” — “Enviai o vosso Espírito e tudo será criado, e renovareis a face da Terra”.
Tudo, portanto, está ao nosso alcance para sermos o que devemos ser, e assim recebermos o prêmio imerecido do convívio eterno com a Santíssima Trindade.
1SANTO AGOSTINHO. Sermão 268, 2: PL 38, 1232, apud CIC 797.
2PAULO VI. Unitatis redintegratio, n.2.
3Cf. SAURAS, OP, Emilio. El Cuerpo Místico de Cristo. 2.ed. Madrid: BAC, 1956, p.811-814.
4ROYO MARÍN, OP, Antonio. Somos hijos de Dios. Madrid: BAC, 1977, p.48.
5GOMÁ Y TOMÁS, Isidro. El Evangelio explicado. Barcelona: Casulleras, 1930, v.IV, p.196.
6Cf. SÃO TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica, I-II, q.18, a.4, ad.3; q.19, a.6, ad.1; q.71, a.5, ad.1; II-II, q.79, a.3, ad.4.
7CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. Consagração a Nossa Senhora e a graça divina. In: Dr. Plinio. São Paulo. Ano VIII. N.89 (Ago., 2005); p.24.
8SANTA TERESINHA DO MENINO JESUS. Histoire d’une âme. Bar-le-Duc: St. Paul, 1939, p.183.
9CONCÍLIO VATICANO II. Lumen gentium, n.40.
10CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. Revolução e Contra-Revolução. 5.ed. São Paulo: Retornarei, 2002, p.44.
11LACORDAIRE, OP, HenriDominique. Conférences de Notre-Dame de Paris. Paris: J. de Gigord, 1921, v.IV, p.312.
12ROYO MARÍN, OP, Antonio. Teologia de la Perfección Cristiana. 5.ed. Madrid: BAC, 1968, p.475.
13GARRIGOU-LAGRANGE, OP, Réginald. Les trois ages de la vie intérieure. Montréal: Lévrier, 1955, v.I, p.67.
14SÃO TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica, I, 25, a.6, ad.4: “A humanidade de Cristo, pelo fato de estar unida a Deus; a Bem-Aventurança criada, por ser o deleitar-se em Deus; e a Bem-Aventurada Virgem, por ser a Mãe de Deus, têm até certo ponto infinita dignidade, provinda do bem infinito que é Deus. Sob este aspecto, nada pode ser feito melhor do que eles, como nada pode ser melhor do que Deus”.

15JOURDAIN, Zèphy-Clément. Somme des Grandeurs de Marie. 2.ed. Paris: Hippolyte Walzer, 1900, v.I, p.694.

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